Poema de: Alexandre Paredes
Imagine só se, um dia, pudesse a gente
Aportar num imenso país, de repente
Numa época futura de grande tribulação
Onde as pessoas se reunissem em
manifestação
Não para reivindicarem mais pão ou
liberdade
Nem para melhores condições de sua
sociedade
Mas, vestindo as cores da sua
bandeira, fossem à rua
Estampar cartazes pedindo a volta da
funesta ditadura
Imagine só que, nesse futuro
imaginado,
De norte a sul, o mundo inteiro
tivesse sido assolado
Por uma grande epidemia, que trouxe
muita dor e agonia
E nesse país, onde quase 700 mil
pereceram na pandemia
O povo tenha sido incitado a visitar
hospitais e suas UTIs
Não para prestar solidariedade, mas,
com desejos vis
De desmascarar a imaginária farsa
criada pela imprensa
Que teria inventado a grande crise
causada pela nova doença
Imagine só, nesse futuro sem sentido,
bastaria ao presidente
Na sua condição de maior autoridade e
de modo mais eficiente
Ter ele mesmo visitado os hospitais
para constatar eventual embuste
Mas nessa distopia da minha
imaginação, não importa o quanto custe
É necessário semear a desconfiança a
respeito de qualquer informação
Para que toda a verdade seja
relativizada e, assim, manipulada a população
Nessa estória sem pé nem cabeça, a imprensa
livre é chamada de lixo
Os repórteres são sistematicamente
agredidos, tratados pior do que bicho
Imagine um país em que o seu
presidente, querendo fazer pouco caso
Da terrível pandemia, imite um
paciente adoentado, quase asfixiado
Sob aplausos e risadas de uma claque
orquestrada para banalizar a dor
Para que não se manche a figura de
messias do presidente salvador
Que chamou a enfermidade que assolou o
mundo de simples gripezinha
Só pra não ter que enfrentar o
problema, sob pretexto de salvar a economia
Como se não bastasse, ainda por cima,
fez campanha contra a vacina
E insistiu em defender aos quatro
cantos desse lugar a ineficaz cloroquina
Imagine quantos terão morrido vítimas
do tratamento não científico
E enquanto o presidente dizia que a
vacina causava AIDS, de modo cínico
Quando viu que a vacina foi a
salvadora, quis assumir para si os louros
Diante dos esquecidos eleitores, que
foram mentindo para si aos poucos
Fingindo que ele não disse que quem se
vacinasse poderia virar jacaré
Nem teria mentido dizendo que as
vacinas eram experimentais, usando de má-fé
No fim, vale tudo para poder ganhar
mais votos, até manter a narrativa falaciosa
De que o país somente teve ampla
vacinação graças à sua ação vitoriosa
Imagine só, que esse país em luto
parece ter voltado à Idade das Trevas
Quando, por conta de crenças
religiosas, se realizaram as piores guerras
Em que se usava o nome de Jesus para
promover a Cruzada e a Inquisição
Nesse país imaginado, o nome do
Nazareno também é utilizado em vão
O Cristo pregou o amor e a compaixão,
e ensinou a amar até o inimigo
E disse, ainda, que “aquele que com
ferro fere com o ferro será ferido”
Mas o presidente e seus seguidores têm
um fetiche por balas e fuzis
Dizendo que, em vez do feijão, as
armas são o que o povo sempre quis
Nesse futuro, o lema “Pátria acima de
tudo, Deus acima de todos”
É repetido como um mantra, que esconde
um dos maiores engodos
Pois nessa imaginação de mau gosto,
Deus parece ter sido esquecido
Enquanto se defendem os valores
cristãos, todo mundo vira inimigo
E a Pátria parece ser somente para
aqueles que estão do mesmo lado
O que pensa diferente ou não segue a
mesma cartilha é mesmo odiado
De repente, o povo passou a odiar
grandes países parceiros, como a China
E pelas palavras desrespeitosas do
presidente, quase não chegou a vacina
Imagine, foi criada a narrativa de que
“nós somos o bem e eles são o mal”
Ressuscitando da Guerra Fria o
Comunismo e demonizando a Nova Ordem Mundial
Dois inimigos imaginários, criados
para fazer o rebanho se unir e se agrupar
E combater o inimigo do presidente,
sob pretexto de defender a família e o lar
Se quem pensa diferente é o mal, então
vale tudo, até o opositor ser eliminado
Não foi sem razão, que nessa
imaginação, briga política acabou em assassinato
Porque quando somos o bem, e os
outros, o mal, todo mal que se faz se justifica
E parece um bem para aquele que
defende o bem, pelo menos assim ele acredita
Nesse meu delírio, as florestas são
queimadas e os culpados são os índios
Parte da população fecha os olhos à
destruição de suas matas e rios
As imagens de satélites e os
institutos de pesquisas são desacreditados
Aqueles que defendem o planeta são
combatidos ou ridicularizados
Ou vistos como conspiradores, que
cobiçam as riquezas desse país
Sem notarem que um país sem florestas
e águas não tem futuro nem diretriz
Nessa louca nação, muitos gritam a
plenos pulmões que “é nosso este chão”
Esquecidos de que pouco restará a
defender após a grande devastação
Imagine que esse presidente, que nunca
escondeu defender a ditadura
Depois que assumiu o cargo, perseguiu
sistematicamente, na cara dura
Os demais poderes, incitando
seguidores a atacar Judiciário e Congresso
Com o intuito de fechá-los, seja de
forma velada ou de modo expresso
Chegando ao ponto de chamar um juiz do
Superior Tribunal de canalha
Ameaçando descumprir suas decisões,
transformando tudo numa batalha
Para manter-se no poder a qualquer
custo, inclusive o da própria democracia
Ameaçando agir fora das “quatro
linhas” e, assim, instituir uma autocracia
A essa altura, a imaginação parece um
pesadelo do qual se quer acordar
Esse imenso país, que tem uma das mais
belas gentes que se possa imaginar
Agora se divide entre nós e os outros;
a festa da democracia vira uma guerra
Pessoas antes amigas agora se odeiam;
não há paz nessa grandiosa terra
A mentira é disseminada de forma
articulada, por meio de mídias sociais
E uma realidade paralela, fictícia, é
construída; debater ninguém quer mais
O que se quer é tão somente lacrar,
derrotar a qualquer preço o oponente
Pra se perpetuar no poder e garantir
mais um mandato do messias presidente
Imagine, enquanto o povo passa fome, e
o desemprego é uma grande aflição
O presidente põe em xeque as urnas
eletrônicas, temendo perder a eleição
Antevendo a derrota, semeia a
desconfiança; desacredita o processo eleitoral
Que nunca antes foi questionado e
sempre foi motivo de orgulho nacional
Então, seus fiéis seguidores começaram
a imaginar conspiração e fraude
Inventam evidências de fraudes
anteriores, e os juízes eleitorais, debalde
Demonstram a segurança da apuração,
com base em fatos peremptórios
Mas, diante do fanatismo e interesse,
quaisquer esforços se tornam inglórios
Imagine só que esse imaginado
presidente, por mais que fale mil absurdos
A multidão fiel parece venerá-lo cada
vez mais, talvez fazendo-se de surdos
Talvez porque a vontade de acreditar
seja maior do que a própria realidade
Talvez porque o desejo de ter
esperança seja para o povo a maior necessidade
Pois a decepção e desencanto com
políticos anteriores tenha sido enorme
Ou talvez porque o pensar e o sentir
dessa multidão esteja apenas conforme
As ideias dissonantes desse
pseudo-líder, como a apologia ao golpe e à tortura
Talvez os seus seguidores apenas
tenham para com essas ideias afinidade pura
Imagine só que esse presidente é então
visto como uma boa pessoa por muitos
Porém Jesus nos disse que “uma árvore
boa não pode produzir maus frutos”
Agora imagine que essa “boa pessoa”
tenha dito a uma mulher deputada colega
Que “jamais estupraria você, porque
você não merece”, então como se enxerga
Nessa agressão torpe algum fruto bom?
Assim, essa pessoa jamais poderia ser boa
Pois sua triste fala só reflete o que
está cheio o coração, e sua voz apenas ressoa
Sua paisagem interior, carregada de
misoginia, machismo e de moral deturpada
Será que, em algum contexto, alguma
mulher no mundo mereceria ser estuprada?
Imagine, ainda, que tal presidente
seja chamado de mito por seus apoiadores
Enquanto a população padecia nos
hospitais, ele parecia insensível às suas dores
Enquanto o povo temia o contágio e a
morte, dizia que era feito de “maricas” o país
A Ciência recomendava a máscara, mas
ele disseminava o contágio de forma infeliz
Incentivando a aglomeração sem máscara
e pondo a vida de milhares em risco
Tudo só para poder continuar
conduzindo o seu grande rebanho para o seu aprisco
Talvez seja por tudo isso que, nesse
futuro distópico, ele seja, de fato, um mito
Uma lenda, uma estória de fantasia, um
conto de mentirinha em algum lugar escrito
Porque não pode existir amor à pátria
sem o devido cuidado com a população
Não pode haver Deus acima de todos
quando não se demonstra compaixão
Não é possível coexistir Cristianismo
com a defesa da tortura, do mal em suma
Onde há a agressão verbal e a
misoginia, o bem não sobrevive de forma alguma
Mas para a turba com cegueira
seletiva, ainda permanece o mito na imaginação
A de que o presidente salvador messias
é um exemplo na luta contra a corrupção
Fingindo não ver que a maior operação
contra a corrupção dessa nação, a Lava-Jato
Foi por ele encerrada, pois “não havia
mais corrupção”, deixando o país estupefato
Imagine, esse imaginário herói contra
a corrupção decretar sigilo de 100 anos
Sobre o que jamais deveria ser
segredo, enquanto a massa prefere passar pano
Afinal, se a maior imagem que se quer
passar é de lisura moral e honestidade
Não faz o menor sentido ocultar e
encobrir por tanto tempo do povo a verdade
Parece legal destinar 5 bilhões da
Saúde e Educação para um Orçamento Secreto?
Nem mesmo funcionários fantasmas
poderão se esconder por meio desse decreto
É honesto um presidente que afasta delegados
de polícia que investigam sua família
Por práticas ilegais realizadas
durante muito tempo, conhecidas como rachadinha?
E pensar que, nessa estória singular,
esse presidente que tem por armas fascínio
Em discurso quando era deputado,
chegou até a elogiar grupos de extermínio!
Enquanto ele e seus filhos defendem os
valores da família e do lar cristão
Adoram fazer pose de arminha,
ensinando até criancinhas essa vil abominação
Quem me lê deve estar pensando que
minha imaginação foi até longe demais
Que nem o pior dos roteiristas de
Holywood poderia escrever absurdos tais
Sob pena de ser considerado escritor
de mau gosto ou de inventar puerilidade
Pois então, agora imagine que toda
essa estória imaginada aconteceu de verdade!