quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Filosofia: Para que Serve?

Texto de: Alexandre Paredes


 







Afinal, para que serve a Filosofia? Qual a sua utilidade prática? Interessante que, para responder a esta pergunta, já estaremos filosofando, isto é, fazendo uma reflexão.

 

Como tenho formação na área, adoro qualquer tipo de reflexão, especialmente aquela que nos leve a ter dúvidas sobre nossas certezas, porque não há avanço no conhecimento, na nossa forma de existir, enquanto permanecermos estagnados na nossa forma de pensar.


Parece uma provocação, mas o fato é que a Filosofia não serve para nada, simplesmente porque não tem uma utilidade prática pré-concebida, um escopo, uma finalidade a serviço de algo ou de alguém.

 

Ela não está a serviço de alguma coisa. Caso contrário, a Filosofia torna-se uma doutrinação, uma catequese, de ideias pré-concebidas, para atender a determinados grupos, determinados fins, sejam políticos, religiosos, econômicos, ideológicos.

 

A Filosofia simplesmente nasce, brota do ser humano, da sua necessidade de viver com reflexão, com sabedoria; da sua busca pela verdade. O que a gente faz com essa reflexão vem depois. A utilidade vem depois. A própria questão da utilidade das coisas já é uma reflexão filosófica.

 

Por exemplo, qual a utilidade de uma pessoa? Ela só tem valor se for útil? E o que pensar da existência de uma pessoa que vive num leito de um hospital com uma doença incapacitante? Essa vida só tem valor se tem utilidade?

 

O mesmo raciocínio pode-se aplicar a uma pessoa que foi útil durante toda a sua vida, mas ao chegar na velhice, adquire uma demência ou doença que a torne incapacitada de realizar as atividades mais básicas. Essa pessoa não tem mais valor? Claro que tem. Porque o valor da existência de uma pessoa e o valor de um ser humano não pode ser medido pela régua de sua utilidade.

 

Mas isso sou apenas eu filosofando, porque há correntes de pensamento que medem o valor das coisas pela sua utilidade. Então, não existe “uma” Filosofia. Ela é múltipla, tanto quanto são múltiplas as formas de interpretar o mundo, a vida, a realidade, a verdade.

 

Não se pode dizer, por exemplo, “O que a Filosofia diz sobre determinada coisa, sobre determinado assunto”, pois existem várias correntes de pensamento dentro da tradição filosófica, em que há convergências, divergências e linhas paralelas sobre os mais diversos temas.

 

Então, a Filosofia é um eterno diálogo com os filósofos que nos antecederam, um eterno diálogo com os mortos. Até hoje, dialogamos com Platão, Aristóteles, Agostinho, Descartes, Kant, entre tantos outros, todos eles pensadores que viveram há alguns ou muitos séculos antes de nós.

 

A gente não “acata” nem “adota”, simplesmente, “uma” Filosofia; a gente debate, questiona, corrobora ou rejeita determinadas ideias com argumentos racionais. Mas escuta também, estuda também. Porque, no mundo de hoje, as pessoas só querem é opinar, sobre tudo, sobre todos, emitir parecer sobre o que não estudaram, não se aprofundaram, não refletiram. Isto não é Filosofia, não é reflexão, é apenas opinião, ou “doxa” como os gregos antigos a chamavam.

 

A gente até pode, e até consegue, filosofar sem ter tido contato com nenhum pensador da tradição filosófica, mas corremos o risco de pensar o que já foi pensado e já foi debatido e discutido muito antes de nós nascermos. Seria algo parecido como chegar no final de uma reunião e querer debater um assunto que já foi exaustivamente discutido, e ainda ter a pretensão de estar sendo original.

 

Podemos comparar a Filosofia à arte. Ninguém amanheceu num determinado dia e disse “a arte terá esta ou aquela finalidade”. A arte simplesmente nasce de uma necessidade do ser humano de se expressar subjetivamente, pois sua existência não pode ser definida apenas pelos parâmetros objetivos da razão.

 

Assim, fazemos arte para aliviar nossas dores, expressar nossa alegria, tristeza ou indignação, para compartilhar a beleza, o prazer, para buscar sentido na vida, nas nossas angústias, para encantar, para reunir, para se relacionar com o sagrado. Poderíamos elencar uma lista sem fim de motivos pelos quais fazemos arte, mas não há uma finalidade pré-definida ou pré-concebida para ela, pois qualquer delimitação seria um reducionismo e um aprisionamento do seu voo.

 

Há pessoas que ganham muito dinheiro com a arte, sejam as artes plásticas, a música, o cinema, o teatro. Existem grandes indústrias que se beneficiam da arte. Mas reduzir a arte ao seu valor econômico, ao ganho financeiro, é uma forma muito estreita de enxergá-la. A arte resgata vidas, produz reflexão, mudanças sociais e nos costumes, produz sonhos e enriquece a existência.

 

Se a Filosofia “não tem uma utilidade”, então alguns podem pensar que seria melhor eliminá-las das escolas, das faculdades, já que, como alguns creem, ela seria apenas um objeto de estudo para desocupados. É um grande engano, gerado por mentes não acostumadas à reflexão ou que se sentem ameaçadas por ela.

 

Ocorre que, embora a Filosofia não tenha “uma” finalidade específica, o resultado que ela produz na vida do ser humano é inestimável. A Ciência como a conhecemos hoje e, na verdade todas as ciências, nasceram da Filosofia. A Filosofia surgiu na Grécia Antiga como uma forma de pensar fora do quadrado da Mitologia Grega, quando todas as explicações dos fenômenos observados se vinculavam à vontade dos deuses.

 

Em seu início, a Filosofia buscava compreender a origem das coisas, a natureza intrínseca de tudo o que existe, as substâncias primordiais que seriam os blocos de construção da nossa realidade, a essência do Cosmos em suma, sem que, para isso, fosse necessário dar explicações mitológicas.

 

Depois, com Sócrates e Platão, o foco da Filosofia foi deslocado para o conhecimento do próprio homem, porque entendia-se que o homem não tinha meios de conhecer o Cosmos, mas tinha meios de conhecer a si mesmo, de entender o que seria uma vida boa, plena, o que seria o justo, o bem, o belo, o certo o errado, qual seria o sentido da vida e como lidar com os sofrimentos e adversidades. Surgia a Ética, que é a reflexão sobre a Moral.

 

Mesmo assim, a Filosofia nunca teve somente um foco específico. Seus objetos de estudo mais comuns foram ou ainda são: o Conhecimento, a Ética, a Lógica, a Justiça, a natureza do Ser, a Política, a Educação, a Religião, a Ciência, a Verdade, a Causalidade, a Estética, a Razão, a Normalidade e a Loucura, a Felicidade, enfim, uma lista sem fim.

 

Sem a Filosofia, não haveria questionamento a respeito das verdades religiosas impostas como dogmas. Sem reflexão, estaríamos, quem sabe, ainda imaginando que a Terra seria plana e que seria o centro do Universo. Sem Filosofia, não haveria a busca pelo conhecimento nem as bases da educação institucionalizada como a vemos hoje. Teríamos, talvez, apenas uma educação totalmente voltada para inculcar nas mentes os dogmas das igrejas mais poderosas politicamente ou voltada para atender aos objetivos, na maioria das vezes escusos, dos nossos governantes.

 

Sem Filosofia, não haveria questionamentos a respeito da forma de governar daqueles que detém o poder, nem seria possível pensar a sociedade como criação humana, que pode e deve ser aprimorada. Não conheceríamos a Democracia como a concebemos hoje, com os seus três poderes e seus sistemas de pesos e contrapesos para que os governantes não tenham poder demais em suas mãos para governarem visando atender aos próprios interesses, em vez de atender aos interesses do povo.

 

Com a Filosofia, continuamos a fazer aqueles questionamentos básicos sobre a nossa existência: O que somos? Temos uma essência? Existe um objetivo para a nossa existência? Qual o sentido da vida? O que é uma vida plena e feliz? De onde viemos e para onde vamos? Embora as religiões, e até mesmo a Ciência, busquem dar essas respostas, o fato é que a nossa razão nunca deixa de fazê-las, e não se satisfaz em apenas terceirizar essa reflexão para algo ou alguém externo a nós, um guru ou uma instituição que supostamente teria todas as respostas.

 

Quando Sócrates foi condenado a beber cicuta, sob a acusação de que estava supostamente pervertendo a mocidade, apenas porque estava levando as pessoas a questionarem suas próprias certezas, a questionarem as ideias que os levavam a acreditar saber o que não sabiam, alguns amigos lhe deram a opção de permitir sua fuga da condenação. Sócrates preferiu beber o veneno “a viver uma vida sem reflexão”.

 

Vejo esse exemplo de Sócrates como um dos mais inspiradores da humanidade. Enquanto, muitas vezes, estamos debatendo sobre a utilidade da Filosofia ou sobre a necessidade de seu estudo nas escolas, se ela traz algum retorno econômico para o País, se ela pode gerar empregos, riquezas, valor econômico, se ela faz alguma diferença em nossas vidas, Sócrates não via sentido em viver uma vida sem reflexão.

 

Creio que muitas coisas que ainda hoje fazemos não fariam sentido, ou seriam feitas de forma diferente, se tivéssemos um pouquinho de reflexão. As guerras, o fanatismo político ou religioso, a vida irreal e virtual das redes sociais, a violência social gerada pelo abismo entre pobres e ricos, o consumismo desenfreado, a destruição do planeta, a poluição de rios e mares, o aquecimento global por conta da ação humana, o alto investimento em armas e o baixo investimento em educação e saneamento, os governos autoritários, a opressão de determinados grupos devido à sua cor da pele ou ao seu sexo, entre outros, são apenas alguns aspectos da nossa realidade que teriam, certamente, um tratamento diferente se cada ser humano do planeta vivesse como Sócrates, uma vida de reflexão.

 

Fica a reflexão. Para que serve a Filosofia? Talvez, a melhor resposta seja, ao modo filosófico, na forma de uma pergunta: Para que serve a vida mesmo?


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