terça-feira, 5 de agosto de 2025

Positividade e Negatividade

 Texto de: Alexandre Paredes









A reflexão sobre a positividade e a negatividade que quero abordar aqui não tem a ver com os conceitos místicos ou de autoajuda que tão comumente observamos em nossa época, tampouco quero fazer uma crítica à positividade tóxica, que também tem sido objeto de análise de diversos pensadores, terapeutas e influenciadores da atualidade.

 

Minha intenção é apenas fazer uma reflexão um pouco diferente, um pouco filosófica talvez, um pouco despretensiosa, sobre os efeitos concretos de uma negatividade e positividade sob outra perspectiva.

 

Quando temos um sonho, um desejo a realizar, nós nos inclinamos para a frente, em direção àquilo que almejamos, seja um emprego, um bom relacionamento, uma viagem de férias ou um corpo mais saudável e bonito.

 

Aqui, não se trata de fazer nenhum juízo de valor, se tal ou qual sonho, se este ou aquele desejo é autorizado, ético, justo, adequado ou socialmente visto como “positivo”. A positividade, aqui, é apenas o movimento em direção a algo que quero de forma positiva, ou seja, um sim para aquilo que almejo.

 

Quando tenho medo de algo, ou quando quero que algo não aconteça com alguém ou comigo, quando eu realizo um movimento contrário, eu me inclino para trás, ou seja, é um desejo ao contrário, um desejo de que algo não aconteça. Nessa perspectiva, todo desejo de que algo não aconteça é um movimento “negativo”, ou um movimento do “não”.

 

O medo, então, é um sentimento negativo, pois ele é um desejo aflitivo de que algo não aconteça. A inveja também. O invejoso não quer melhores condições de vida para si, nem quer aquilo que o outro tem. Ele simplesmente deseja que não aconteçam coisas boas com as outras pessoas, especialmente aquelas que lhe são próximas. Ele não tem um projeto de vida positivo, isto é, ele não deseja algo de bom para si; seu desejo é só a negação de algo para alguém.

 

A indiferença, como nos esclarece o professor e filósofo Clóvis de Barros Filho, é um estado de neutralidade, em que não me inclino nem para frente nem para trás. Imagine que à nossa frente haja um belo lugar, paradisíaco, cheio de flores e árvores frondosas. E às nossas costas, existe um leão ameaçador. No estado de indiferença, eu não me mexo, mas não por medo, e sim por não me importar nem com o que está à minha frente nem com o que vem atrás. Não me inclino nem para frente nem para trás. Também é uma forma de negação à vida.

 

É como se o negativo, na linguagem matemática, fosse -1, o positivo correspondesse a +1, e a indiferença a 0. Agora imagine que você tenha que se deslocar de São Paulo para Belo Horizonte numa velocidade de -1 km/h ou de 0 km/h: ou você não sairá do lugar ou se afastará do destino almejado. Somente uma velocidade positiva pode nos levar a algum lugar.

 

Para tornar mais claro o meu pensamento sobre o positivo e o negativo nessa perspectiva, imagine uma equipe de futebol. Imagine que essa equipe esportiva entre em campo apenas com um desejo negativo, o de não perder, por exemplo. Imagine que essa equipe ou sua torcida tenha apenas o desejo de que seu maior rival perca, não seja campeão. Dá para imaginar que uma equipe assim tenha poucas chances de ser campeã. E pensando em futebol, uma equipe que entra em campo só para não perder, já está a um passo da derrota.

 

Não é muito diferente em nossa vida prática. Se uma pessoa vive somente de desejos negativos, jamais alcançará objetivos, metas, mesmo porque ela não os tem. É como imaginar que alguém possa atingir o cume de uma montanha tendo por meta apenas o desejo de não cair ou o desejo de que outra pessoa não atinja o cume.

 

Suponhamos, por exemplo, que a única meta de um grupo político de direita ou de esquerda seja o de neutralizar a vitória ou a expansão do grupo político rival. A existência do primeiro grupo político tem por único objetivo ressaltar tudo o que é inadequado ou odioso no grupo político odiado. Se aquele grupo político ou a ideologia atacada deixa de existir ou deixa de ser uma ameaça, deixa de existir também a necessidade do grupo que tinha por única razão de existir a de destruir ou desmoralizar o oponente.

 

Esse é um dos problemas do ódio, que, nessa perspectiva, também é um sentimento negativo, ou seja, de negação da existência do outro, de anulação da alteridade, de outras formas de existir, pensar e sentir. Para aquele que vive e se alimenta do ódio, sua existência fica esvaziada quando o objeto do ódio morre, desaparece ou perde relevância. Aquele que só odeia não tem um projeto de vida pessoal. Sua vida depende da vida de quem ele odeia. Odiando ele dá poder a quem odeia e se torna seu refém.

 

Aquele que tem por objetivo de vida se vingar de alguém encontra um vazio existencial assim que consegue consumar a vingança, porque não traz consigo nenhum projeto de vida positivo, mas somente um projeto negativo, ou seja, da negação do outro, do querer que o objeto de sua vingança “não” seja feliz, “não” consiga alcançar seus objetivos, “não” tenha sucesso. Satisfeita a vingança, o que resta? Nada. Talvez um enorme sentimento de perda de tempo. E de vida.

 

Quando nosso discurso se resume a atacar outro grupo ou outra ideologia, na verdade nós só reforçamos o outro. Somente se combatem ideias ruins com ideias melhores, visto que a melhor propaganda de ideias ruins é dar-lhes notoriedade, inclusive criticando-as e condenando-as. Somente se combate, de fato, algo ruim quando a gente apresenta algo bom em seu lugar, algo melhor. Combater fogo com fogo só aumenta o fogo. Combater violência com violência só aumenta a violência. Não se combate trevas com trevas, mas somente acendendo uma luz. E uma luz é infinitamente superior a qualquer escuridão.

 

As redes sociais são um exemplo bastante vivo e verdadeiro desse pensamento. As ideias mais absurdas, toscas, medíocres, preconceituosas ou de ódio, ganham impulso, notoriedade, pela quantidade de comentários daqueles que se sentem ofendidos, mas também dos comentários e curtidas daqueles que se veem representados. Porque a atitude e o pensamento negativo são mais fáceis. Então, eles são mais abundantes entre as pessoas comuns. Destruir é muito mais fácil do que construir. Para construir um prédio ou uma ponte, levam-se anos, mas para destruí-los, bastam alguns segundos.

 

Ideias nobres, análises profundas e pensamentos construtivos não encontram o mesmo impulso, porque são como construções de prédios ou pontes. Exigem esforço, engenharia, tijolo por tijolo, viga por viga. Construir é sempre um desafio, enquanto destruir é o caminho mais largo e mais frequentado.

 

Então, a maioria das pessoas prefere a atitude negativa, porque ficar parado é mais fácil do que caminhar; levantar-se é mais difícil do que ficar no chão após uma queda dolorosa; tentar diminuir os outros ao seu redor é mais fácil do que conseguir elevar-se; exemplificar atitudes edificantes é muito mais difícil do que cruzar os braços e apontar o dedo para aqueles que cometem erros enquanto tentam fazer alguma coisa; não fazer nada e criticar quem faz é mais confortável do que errar porque se tentou fazer o certo.


Por isso que o mundo está cheio de pessoas com muitas opiniões a respeito de tudo, porque geralmente essas opiniões são carregadas de críticas visando destruir algo ou alguém que se destaca. Na maioria dos casos, a crítica não tem por finalidade construir algo de positivo, mas parte geralmente da necessidade de quem critica de se sentir melhor consigo mesmo ao perceber a falha ou deficiência alheia. Já que não consigo me elevar, tento diminuir o outro.

 

Quando eu trabalhava em meio empresarial, era muito comum a gente errar quando tinha uma sobrecarga de serviços. Mas era muito comum ouvir uma frase reconfortadora que dizia “só erra quem faz”. É uma grande verdade. Se você não fizer nada, não tem erro possível. Mas se fizer alguma coisa, é possível que erre. Porém, não cabe ver o erro exatamente como erro. É apenas parte do processo.

 

Como nos esclarece o psicólogo Rossandro Klinjey, quando cada um de nós estava aprendendo a escrever, começávamos escrevendo uns garranchos até a letra começar a ficar bonita. Não era erro, mas apenas parte do processo. O mesmo acontecia quando estávamos aprendendo a caminhar: Caíamos, tropeçávamos, mas levantávamos até aprender a caminhar com equilíbrio. Era apenas parte do processo.

 

Ficar parado é uma atitude negativa, uma negação à vida, um não à tentativa de ir para frente, por medo do fracasso. Pode ser mais confortável, mas, com o passar do tempo, é insuportável a ideia de que passamos a vida sem ao menos ter tentado fazer algo na direção do que almejávamos.

 

É inevitável tropeçar, cometer equívocos, perceber nossas imperfeições quando caminhamos, quando fazemos algo de positivo na direção que almejamos. Mas é só assim que temos condições de nos aperfeiçoarmos, corrigir rumos, aparar as arestas. As pedras de rio, as pedras roladas são assim chamadas porque elas passam milhares de anos rolando no rio, esbarrando umas nas outras, e por isso adquirem aquele formato arredondado, liso. Apararam suas arestas no contato com as arestas das demais pedras.

 

Somente o movimento pode proporcionar essa condição. Da mesma forma, somente o nosso movimento no rio da vida é que poderá nos levar a algum lugar, e também aparar nossas arestas, tornando-nos pessoas melhores. Partindo desse ponto de vista, movimentarmo-nos na direção de nossos sonhos e objetivos, ainda que tropeçando e errando, ainda que percebendo equívocos e corrigindo rumos, é melhor do que quaisquer movimentos negativos que exemplificamos: o medo, a inveja, o ódio, a vingança, a crítica destrutiva, a inércia.

 

Mas cabe sempre perguntarmos a nós mesmos se nossos ideais, sonhos, ambições são realmente decorrentes de um movimento positivo, algo que, de fato, nós queremos para nossa vida, ou são apenas um desejo negativo camuflado. Explico.

 

Há pessoas, por exemplo, que viveram uma experiência traumática de miséria, de privação, de humilhação na infância e na adolescência. Quando se tornam adultos, podem tornar-se pessoas que estão sempre juntando e juntando cada vez mais, com o medo de passarem novamente pelo que passaram. Por mais que sua condição de vida tenha melhorado, por mais que a pessoa adquira, bens, imóveis, carros, roupas, por mais que essa pessoa tenha um bom salário, nunca se sente satisfeita ou segura. É aquela situação em que a pessoa saiu da miséria, mas a miséria não saiu da pessoa.

 

Então, em casos como esse, existe um movimento positivo de estudar, trabalhar, profissionalizar-se para ganhar uma boa renda e formar patrimônio, mas o móvel maior de suas ações ainda é o desejo negativo, isto é, o medo de passar novamente pelo que passou. Esse medo ainda mantém essa pessoa presa ao seu passado, ao seu trauma, e a impede de desfrutar dos benefícios daquilo que ela conseguiu conquistar e construir para si.

 

O mesmo raciocínio pode ser aplicado a outras áreas da nossa vida, como relacionamentos, por exemplo. Alguém pode ter vivido uma relação ruim com alguém, um relacionamento abusivo, e não se recuperou completamente do que vivenciou, guardando o ressentimento, o trauma, ou o sentimento de menos valia.

 

Alguém ressentido dificilmente conseguirá relacionar-se de forma saudável com outra pessoa, porque dentro de si está latente ainda o desejo de “não” reviver o sofrimento que já viveu. E quando esse sentimento negativo fala mais alto, a pessoa não se relaciona com outra de forma integral, mas com dois pés atrás. E um relacionamento em que não haja entrega real, em que uma das partes não está totalmente presente na relação, tem poucas chances de ser bem-sucedido.

 

É importante identificar os sentimentos, desejos e movimentos negativos dentro de nós, não só porque seja errado ou imoral, se este for o caso, mas principalmente porque eles não nos levam, de fato, a um lugar que realmente almejamos, não levam a lugar nenhum. Ou quando levam, a gente não desfruta desse lugar.

 

Também não é produtivo apenas condenar o que há de negativo em nós, pois, dentro dessa perspectiva que abordamos, isso também é um movimento negativo. Condenar, a si mesmo ou a outrem, é apenas identificar que aquilo que se fez ou se quis fazer “não” é adequado. Em seu lugar, devemos colocar algo positivo, isto é, o que é exatamente que buscamos.

 

A grande questão, a mais difícil, é descobrir como nós anulamos os sentimentos negativos. Creio que não há uma resposta única para isso. Mas, usando a mesma metáfora que utilizei no meio deste texto, de que não se combate fogo com fogo, imagino que não seja possível combater os nossos sentimentos que percebemos serem negativos com condenação, repressão, porque também são formas negativas de atuação.

 

O que é possível é nos curarmos, colocando no lugar da infelicidade a felicidade, inserindo a compreensão no lugar da intolerância, o perdão no lugar do ódio e do ressentimento, a alegria de viver e a gratidão no lugar da indiferença, da tristeza, da negação à vida.

 

Mas é importante não negar a nossa história, não negar as nossas tristezas, não negar nossos traumas, medos, dores mal resolvidas, não negar, enfim, nossas sombras, pois elas fazem parte de nós. Negá-las seria mais uma forma negativa de lidar com nós mesmos. Reconhecer e acolher as próprias sombras é um movimento positivo, porque rejeitar a si mesmo é sempre fugir de si mesmo, uma negação de uma parte do que somos. E só temos condições de avançar se estivermos inteiros, se pudermos olhar para quem somos na íntegra.

 

Porém, temos que avançar, colocando no lugar daquilo que nos infelicita a esperança. Não a esperança que só espera, mas a esperança do verbo “esperançar”, como nos diz o nobre filósofo e professor Mário Sérgio Cortella. Trata-se da esperança com ação na direção de ter nossos sonhos, objetivos e metas realizados. Porque não existe nenhuma ação que possa se concretizar se não houver esperança na sua realização, assim como não é possível alcançar um sentimento de realização sem que, antes, alguém tenha alimentado a esperança de que algo se realizasse.

 

Não existe receita de bolo. Então, para aqueles que esperavam um texto que indicasse um caminho para a realização, imagino que possam ter ficado frustrados com essas reflexões. Mas algumas coisas são certas. Somente conseguiremos alcançar coisas boas em nossas vidas quando alimentarmos desejos e sonhos positivos, e quando identificarmos e nos libertamos, ou nos curamos, de nossa negatividade crônica.

 


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