Texto de: Alexandre Paredes
A reflexão sobre a positividade e a negatividade
que quero abordar aqui não tem a ver com os conceitos místicos ou de autoajuda
que tão comumente observamos em nossa época, tampouco quero fazer uma crítica à
positividade tóxica, que também tem sido objeto de análise de diversos
pensadores, terapeutas e influenciadores da atualidade.
Minha intenção é apenas fazer uma reflexão um pouco
diferente, um pouco filosófica talvez, um pouco despretensiosa, sobre os
efeitos concretos de uma negatividade e positividade sob outra perspectiva.
Quando temos um sonho, um desejo a realizar, nós
nos inclinamos para a frente, em direção àquilo que almejamos, seja um emprego,
um bom relacionamento, uma viagem de férias ou um corpo mais saudável e bonito.
Aqui, não se trata de fazer nenhum juízo de valor,
se tal ou qual sonho, se este ou aquele desejo é autorizado, ético, justo,
adequado ou socialmente visto como “positivo”. A positividade, aqui, é apenas o
movimento em direção a algo que quero de forma positiva, ou seja, um sim para
aquilo que almejo.
Quando tenho medo de algo, ou quando quero que algo
não aconteça com alguém ou comigo, quando eu realizo um movimento contrário, eu
me inclino para trás, ou seja, é um desejo ao contrário, um desejo de que algo
não aconteça. Nessa perspectiva, todo desejo de que algo não aconteça é um
movimento “negativo”, ou um movimento do “não”.
O medo, então, é um sentimento negativo, pois ele é
um desejo aflitivo de que algo não aconteça. A inveja também. O invejoso não quer
melhores condições de vida para si, nem quer aquilo que o outro tem. Ele
simplesmente deseja que não aconteçam coisas boas com as outras pessoas,
especialmente aquelas que lhe são próximas. Ele não tem um projeto de vida
positivo, isto é, ele não deseja algo de bom para si; seu desejo é só a negação
de algo para alguém.
A indiferença, como nos esclarece o professor e
filósofo Clóvis de Barros Filho, é um estado de neutralidade, em que não me
inclino nem para frente nem para trás. Imagine que à nossa frente haja um belo
lugar, paradisíaco, cheio de flores e árvores frondosas. E às nossas costas,
existe um leão ameaçador. No estado de indiferença, eu não me mexo, mas não por
medo, e sim por não me importar nem com o que está à minha frente nem com o que
vem atrás. Não me inclino nem para frente nem para trás. Também é uma forma de
negação à vida.
É como se o negativo, na linguagem matemática,
fosse -1, o positivo correspondesse a +1, e a indiferença a 0. Agora imagine
que você tenha que se deslocar de São Paulo para Belo Horizonte numa velocidade
de -1 km/h ou de 0 km/h: ou você não sairá do lugar ou se afastará do destino
almejado. Somente uma velocidade positiva pode nos levar a algum lugar.
Para tornar mais claro o meu pensamento sobre o
positivo e o negativo nessa perspectiva, imagine uma equipe de futebol. Imagine
que essa equipe esportiva entre em campo apenas com um desejo negativo, o de
não perder, por exemplo. Imagine que essa equipe ou sua torcida tenha apenas o
desejo de que seu maior rival perca, não seja campeão. Dá para imaginar que uma
equipe assim tenha poucas chances de ser campeã. E pensando em futebol, uma
equipe que entra em campo só para não perder, já está a um passo da derrota.
Não é muito diferente em nossa vida prática. Se uma
pessoa vive somente de desejos negativos, jamais alcançará objetivos, metas,
mesmo porque ela não os tem. É como imaginar que alguém possa atingir o cume de
uma montanha tendo por meta apenas o desejo de não cair ou o desejo de que
outra pessoa não atinja o cume.
Suponhamos, por exemplo, que a única meta de um
grupo político de direita ou de esquerda seja o de neutralizar a vitória ou a
expansão do grupo político rival. A existência do primeiro grupo político tem
por único objetivo ressaltar tudo o que é inadequado ou odioso no grupo
político odiado. Se aquele grupo político ou a ideologia atacada deixa de
existir ou deixa de ser uma ameaça, deixa de existir também a necessidade do
grupo que tinha por única razão de existir a de destruir ou desmoralizar o
oponente.
Esse é um dos problemas do ódio, que, nessa
perspectiva, também é um sentimento negativo, ou seja, de negação da existência
do outro, de anulação da alteridade, de outras formas de existir, pensar e sentir.
Para aquele que vive e se alimenta do ódio, sua existência fica esvaziada
quando o objeto do ódio morre, desaparece ou perde relevância. Aquele que só
odeia não tem um projeto de vida pessoal. Sua vida depende da vida de quem ele
odeia. Odiando ele dá poder a quem odeia e se torna seu refém.
Aquele que tem por objetivo de vida se vingar de
alguém encontra um vazio existencial assim que consegue consumar a vingança,
porque não traz consigo nenhum projeto de vida positivo, mas somente um projeto
negativo, ou seja, da negação do outro, do querer que o objeto de sua vingança
“não” seja feliz, “não” consiga alcançar seus objetivos, “não” tenha sucesso.
Satisfeita a vingança, o que resta? Nada. Talvez um enorme sentimento de perda
de tempo. E de vida.
Quando nosso discurso se resume a atacar outro
grupo ou outra ideologia, na verdade nós só reforçamos o outro. Somente se
combatem ideias ruins com ideias melhores, visto que a melhor propaganda de
ideias ruins é dar-lhes notoriedade, inclusive criticando-as e condenando-as.
Somente se combate, de fato, algo ruim quando a gente apresenta algo bom em seu
lugar, algo melhor. Combater fogo com fogo só aumenta o fogo. Combater
violência com violência só aumenta a violência. Não se combate trevas com
trevas, mas somente acendendo uma luz. E uma luz é infinitamente superior a
qualquer escuridão.
As redes sociais são um exemplo bastante vivo e
verdadeiro desse pensamento. As ideias mais absurdas, toscas, medíocres,
preconceituosas ou de ódio, ganham impulso, notoriedade, pela quantidade de
comentários daqueles que se sentem ofendidos, mas também dos comentários e
curtidas daqueles que se veem representados. Porque a atitude e o pensamento
negativo são mais fáceis. Então, eles são mais abundantes entre as pessoas
comuns. Destruir é muito mais fácil do que construir. Para construir um prédio
ou uma ponte, levam-se anos, mas para destruí-los, bastam alguns segundos.
Ideias nobres, análises profundas e pensamentos
construtivos não encontram o mesmo impulso, porque são como construções de
prédios ou pontes. Exigem esforço, engenharia, tijolo por tijolo, viga por
viga. Construir é sempre um desafio, enquanto destruir é o caminho mais largo e
mais frequentado.
Então, a maioria das pessoas prefere a atitude
negativa, porque ficar parado é mais fácil do que caminhar; levantar-se é mais
difícil do que ficar no chão após uma queda dolorosa; tentar diminuir os outros
ao seu redor é mais fácil do que conseguir elevar-se; exemplificar atitudes
edificantes é muito mais difícil do que cruzar os braços e apontar o dedo para
aqueles que cometem erros enquanto tentam fazer alguma coisa; não fazer nada e
criticar quem faz é mais confortável do que errar porque se tentou fazer o
certo.
Por isso que o mundo está cheio de pessoas com
muitas opiniões a respeito de tudo, porque geralmente essas opiniões são
carregadas de críticas visando destruir algo ou alguém que se destaca. Na
maioria dos casos, a crítica não tem por finalidade construir algo de positivo,
mas parte geralmente da necessidade de quem critica de se sentir melhor consigo
mesmo ao perceber a falha ou deficiência alheia. Já que não consigo me elevar,
tento diminuir o outro.
Quando eu trabalhava em meio empresarial, era muito
comum a gente errar quando tinha uma sobrecarga de serviços. Mas era muito
comum ouvir uma frase reconfortadora que dizia “só erra quem faz”. É uma grande
verdade. Se você não fizer nada, não tem erro possível. Mas se fizer alguma
coisa, é possível que erre. Porém, não cabe ver o erro exatamente como erro. É
apenas parte do processo.
Como nos esclarece o psicólogo Rossandro Klinjey, quando
cada um de nós estava aprendendo a escrever, começávamos escrevendo uns
garranchos até a letra começar a ficar bonita. Não era erro, mas apenas parte
do processo. O mesmo acontecia quando estávamos aprendendo a caminhar: Caíamos,
tropeçávamos, mas levantávamos até aprender a caminhar com equilíbrio. Era
apenas parte do processo.
Ficar parado é uma atitude negativa, uma negação à
vida, um não à tentativa de ir para frente, por medo do fracasso. Pode ser mais
confortável, mas, com o passar do tempo, é insuportável a ideia de que passamos
a vida sem ao menos ter tentado fazer algo na direção do que almejávamos.
É inevitável tropeçar, cometer equívocos, perceber
nossas imperfeições quando caminhamos, quando fazemos algo de positivo na
direção que almejamos. Mas é só assim que temos condições de nos
aperfeiçoarmos, corrigir rumos, aparar as arestas. As pedras de rio, as pedras
roladas são assim chamadas porque elas passam milhares de anos rolando no rio,
esbarrando umas nas outras, e por isso adquirem aquele formato arredondado,
liso. Apararam suas arestas no contato com as arestas das demais pedras.
Somente o movimento pode proporcionar essa
condição. Da mesma forma, somente o nosso movimento no rio da vida é que poderá
nos levar a algum lugar, e também aparar nossas arestas, tornando-nos pessoas
melhores. Partindo desse ponto de vista, movimentarmo-nos na direção de nossos
sonhos e objetivos, ainda que tropeçando e errando, ainda que percebendo
equívocos e corrigindo rumos, é melhor do que quaisquer movimentos negativos
que exemplificamos: o medo, a inveja, o ódio, a vingança, a crítica destrutiva,
a inércia.
Mas cabe sempre perguntarmos a nós mesmos se nossos
ideais, sonhos, ambições são realmente decorrentes de um movimento positivo,
algo que, de fato, nós queremos para nossa vida, ou são apenas um desejo
negativo camuflado. Explico.
Há pessoas, por exemplo, que viveram uma
experiência traumática de miséria, de privação, de humilhação na infância e na
adolescência. Quando se tornam adultos, podem tornar-se pessoas que estão sempre
juntando e juntando cada vez mais, com o medo de passarem novamente pelo que
passaram. Por mais que sua condição de vida tenha melhorado, por mais que a
pessoa adquira, bens, imóveis, carros, roupas, por mais que essa pessoa tenha
um bom salário, nunca se sente satisfeita ou segura. É aquela situação em que a
pessoa saiu da miséria, mas a miséria não saiu da pessoa.
Então, em casos como esse, existe um movimento
positivo de estudar, trabalhar, profissionalizar-se para ganhar uma boa renda e
formar patrimônio, mas o móvel maior de suas ações ainda é o desejo negativo,
isto é, o medo de passar novamente pelo que passou. Esse medo ainda mantém essa
pessoa presa ao seu passado, ao seu trauma, e a impede de desfrutar dos benefícios
daquilo que ela conseguiu conquistar e construir para si.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado a outras áreas
da nossa vida, como relacionamentos, por exemplo. Alguém pode ter vivido uma
relação ruim com alguém, um relacionamento abusivo, e não se recuperou
completamente do que vivenciou, guardando o ressentimento, o trauma, ou o
sentimento de menos valia.
Alguém ressentido dificilmente conseguirá
relacionar-se de forma saudável com outra pessoa, porque dentro de si está
latente ainda o desejo de “não” reviver o sofrimento que já viveu. E quando
esse sentimento negativo fala mais alto, a pessoa não se relaciona com outra de
forma integral, mas com dois pés atrás. E um relacionamento em que não haja
entrega real, em que uma das partes não está totalmente presente na relação,
tem poucas chances de ser bem-sucedido.
É importante identificar os sentimentos, desejos e
movimentos negativos dentro de nós, não só porque seja errado ou imoral, se
este for o caso, mas principalmente porque eles não nos levam, de fato, a um
lugar que realmente almejamos, não levam a lugar nenhum. Ou quando levam, a gente
não desfruta desse lugar.
Também não é produtivo apenas condenar o que há de
negativo em nós, pois, dentro dessa perspectiva que abordamos, isso também é um
movimento negativo. Condenar, a si mesmo ou a outrem, é apenas identificar que
aquilo que se fez ou se quis fazer “não” é adequado. Em seu lugar, devemos colocar
algo positivo, isto é, o que é exatamente que buscamos.
A grande questão, a mais difícil, é descobrir como
nós anulamos os sentimentos negativos. Creio que não há uma resposta única para
isso. Mas, usando a mesma metáfora que utilizei no meio deste texto, de que não
se combate fogo com fogo, imagino que não seja possível combater os nossos
sentimentos que percebemos serem negativos com condenação, repressão, porque
também são formas negativas de atuação.
O que é possível é nos curarmos, colocando no lugar
da infelicidade a felicidade, inserindo a compreensão no lugar da intolerância,
o perdão no lugar do ódio e do ressentimento, a alegria de viver e a gratidão no lugar da
indiferença, da tristeza, da negação à vida.
Mas é importante não negar a nossa história, não
negar as nossas tristezas, não negar nossos traumas, medos, dores mal
resolvidas, não negar, enfim, nossas sombras, pois elas fazem parte de nós.
Negá-las seria mais uma forma negativa de lidar com nós mesmos. Reconhecer e
acolher as próprias sombras é um movimento positivo, porque rejeitar a si mesmo
é sempre fugir de si mesmo, uma negação de uma parte do que somos. E só temos
condições de avançar se estivermos inteiros, se pudermos olhar para quem somos
na íntegra.
Porém, temos que avançar, colocando no lugar
daquilo que nos infelicita a esperança. Não a esperança que só espera, mas a
esperança do verbo “esperançar”, como nos diz o nobre filósofo e professor
Mário Sérgio Cortella. Trata-se da esperança com ação na direção de ter nossos
sonhos, objetivos e metas realizados. Porque não existe nenhuma ação que possa
se concretizar se não houver esperança na sua realização, assim como não é
possível alcançar um sentimento de realização sem que, antes, alguém tenha
alimentado a esperança de que algo se realizasse.
Não existe receita de bolo. Então, para aqueles que
esperavam um texto que indicasse um caminho para a realização, imagino que
possam ter ficado frustrados com essas reflexões. Mas algumas coisas são
certas. Somente conseguiremos alcançar coisas boas em nossas vidas quando
alimentarmos desejos e sonhos positivos, e quando identificarmos e nos
libertamos, ou nos curamos, de nossa negatividade crônica.
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