Artigo de: Alexandre Paredes
Toda situação
de perigo iminente aciona um gatilho em nosso cérebro, num mecanismo que
remonta nossos ancestrais. Ele dispara hormônios que nos levam a uma situação
de alerta. Todo o nosso sistema orgânico é tomado por uma mensagem muito
simples: “lute ou corra”.
Para uma
lebre, por exemplo, diante de um predador que surge à sua frente para devorá-lo,
a mensagem é clara: “Corra, o mais rápido que puder, fuja!”. O organismo recebe
uma descarga de hormônios que o torna momentaneamente mais forte, mais alerta,
mais rápido.
É por conta
desse mecanismo que vemos exemplos de pessoas que conseguem escapar da boca de
um crocodilo ou encontrar forças desconhecidas para fugir, mesmo feridas, de um
tiroteio numa zona de guerra, numa velocidade que não teriam em situações normais.
Da mesma
forma, quando um ser humano é surpreendido por um assaltante que chega de
surpresa, o cérebro secreta hormônios que o tornam mais alerta, o coração acelera
por conta da descarga de adrenalina, e seu corpo recebe a clássica mensagem:
“lute ou corra”.
Ocorre que,
nessas horas, o raciocínio, às vezes, é obscurecido pelos nossos instintos
ancestrais, o que pode não ser bom nessa situação do assalto. Afinal, agora, no
século XXI, correr ou lutar pode significar levar um tiro e morrer, ou ficar
seriamente ferido. A evolução tecnológica foi bem mais rápida do que a evolução
do nosso cérebro. Manter a calma numa situação dessas é essencial, mas é um
processo bem mais elaborado do que simplesmente lutar ou correr.
Se no passado,
os perigos da vida humana estavam relacionados a feras ameaçadoras, situações
de guerra ou de ataques de invasores, na era moderna, os perigos são mais
sofisticados e mais difíceis de identificar e perceber.
Nas atividades
empresariais, no comércio e na luta do homem moderno na vida cotidiana, o
perigo é não conseguir lidar com tamanhas exigências da vida corporativa, do
empreendedorismo, da busca por um emprego. Afinal, você tem de ser competitivo,
ser melhor do que os outros concorrentes, tem de se adaptar ao mundo em
mudanças constantes, tem de ser inteligente, polido, versátil, proativo,
resolutivo, você deve encantar o cliente, ser pontual, criativo, ser capaz,
competente, ter liderança, saber comunicar-se adequadamente em público, hábil
em lidar com o jogo social, que nem sempre é tão claro de entender quanto a
situação de um urso que aparece à nossa frente no meio de uma trilha.
Além dessa
complexa rede de habilidades que nos são exigidas para lidar com os perigos e
lutas da vida moderna – e que se não soubermos lidar, estaremos seriamente
ameaçados de não conseguirmos obter o nosso pão de cada dia –, precisamos de
habilidade para com a nossa vida particular, que também apresenta suas
exigências nada simples. Você deve ser um bom pai, uma boa esposa, deve ser
atraente, física e psicologicamente, deve conseguir pagar suas contas – e nem
sempre o dinheiro chega até o fim do mês –, você deve saber o quer na vida – senão
não será ninguém –, precisa levar os meninos na escola – e o trânsito não
colabora –, deve ser independente, forte, virtuoso, não pode decepcionar seus
familiares; deve ter ambições – senão é um acomodado –, enfim, a lista é imensa
e cresce a cada momento.
Você deve ser
uma pessoa de bem o tempo todo, senão trai tudo o que lhe foi ensinado, deve
ter valores, como honestidade, lealdade, sinceridade, transparência, mesmo que
lá no mundo social, em que o objetivo corporativo seja o lucro, você precise
vender um produto e, para ser o melhor vendedor desse produto, talvez não seja
possível ser completamente sincero e transparente.
A situação de
contingência em nosso organismo para enfrentar um perigo tem seus efeitos
colaterais, que deviam ser momentâneos em eras passadas. Para que tenhamos mais
forças para lutar ou correr, os hormônios lançados em nossa corrente sanguínea
fazem com que nossas energias sejam concentradas em nossos músculos e sistema
sensorial, como visão e audição aguçadas. Então, durante esses momentos, a
energia despendida para a digestão, por exemplo, é direcionada para o
enfrentamento da situação, daí os problemas digestivos de quem sofre de
ansiedade. Nossas mãos ficam frias, porque nosso organismo concentra nosso
sangue naqueles órgãos mais importantes estrategicamente, os órgãos vitais,
para enfrentar o perigo.
No reino
animal, essa situação de alerta geralmente dura pouco tempo. Um animal que
escapa do leão não parece ficar ansioso nem com estresse pós-traumático depois
que fugiu, pois ele vive o presente, somente. O ser humano é diferente. Ele é
capaz de continuar sofrendo por uma bomba que explodiu ao seu lado há 30 anos e
sentir o estresse desse momento como se tivesse acabado de ocorrer, como se fosse
hoje, ou como se fosse acontecer de novo a qualquer momento.
Os seres
humanos lutam pela sua sobrevivência, mas essa luta não se parece muito com uma
luta, como ocorria séculos atrás. Não vamos ao trabalho, à escola, à
Universidade, nem enfrentamos o trânsito de armaduras e espada em punho. Mas, como
nossos ancestrais, nossos corações andam acelerados, nossas mãos ficam frias; a
descarga de adrenalina, cortisol e noradrenalina não nos ajudam muito a enfrentar
um dia de trabalho no escritório, em que ficamos sentados o dia inteiro diante
do computador, pois, muitas vezes, embaralha nosso raciocínio e embota nossa criatividade. E ali, diante do
computador, do balcão ou da vitrine, não será com força bruta, nem mostrando os
caninos afiados ou com cara feia que conseguiremos encantar o cliente, agradar
o chefe ou ser bem avaliado pelos nossos colegas.
Porque, nessa
luta, a força física não vai ajudar; não vai ajudar termos forças para fugirmos
dali correndo o mais rápido que pudermos; enfrentar o chefe numa luta corporal
seria a nossa ruína. Continuamos a reagir internamente como nossos ancestrais.
Uma preocupação com o futuro nos faz acelerar os batimentos do coração; diante
de uma plateia atenta e crítica, nossas mãos ficam frias e, apesar de nossa
vontade seja a de sair correndo, temos que nos manter calmos.
O medo não é
ruim em sua essência. Se não sentíssemos medo, agiríamos de forma imprudente e
comprometeríamos a nossa sobrevivência ou nossa posição no jogo social do
mundo. Mas é ruim o medo que nos paralisa, a ansiedade que se torna constante,
por tudo e por nada, a preocupação pela preocupação, que não contribui em nenhum
til para a solução do problema, que, muitas vezes, em grande parte, não está em
nossas mãos.
A ansiedade parece
ser um transtorno bem típico da era moderna. Para vencê-lo, é preciso vencer
nossos instintos ancestrais e elaborar uma forma de pensar e de sentir
totalmente nova na evolução da nossa espécie. Agir com calma, polidez,
gentileza diante da delicada dinâmica da vida social, que, muitas vezes, se nos
apresenta de forma ameaçadora, são habilidades que temos de construir,
conquistar, porque nossa civilização, nos moldes em que a conhecemos, é um
capítulo recente na história da humanidade.
Mas a
ansiedade tem hoje muitas outras faces que extrapolam a questão da
sobrevivência. Sofremos de ansiedade pelo que o outro tem e nós não temos,
pelas conquistas de coisas materiais que ainda não possuímos, temos ansiedade
por galgar postos na sociedade que nem sempre implicam o atendimento de nossas
necessidades reais, mas aquisições de determinadas coisas com valor simbólico
perante o meio social em que vivemos e nos movimentamos.
O ser humano
moderno nem sempre está ansioso porque teme passar fome ou padecer por falta de
abrigo ou roupas. De modo geral, fica ansioso para obter o celular de última
geração, usar a roupa de grife, o carro que mostra uma condição de status,
porque o mundo capitalista é movido pela competição, e vivemos imersos nela sem
percebermos, como os peixes dentro da água, que não se dão conta de que estão
envoltos pelo líquido.
As pessoas
ficam aflitas quando não conseguem ser percebidas pelo mundo. Então começa uma
corrida para obterem notoriedade, para conseguirem ser vistas como pessoas de
sucesso, interessantes, atraentes, que tenham algum destaque perante a
multidão.
Curiosamente,
e contraditoriamente, pessoas que atingem a condição de notoriedade, que são
vistas pela multidão como bem-sucedidas e interessantes, não raro padecem de
ansiedade porque não se sentem belas o suficiente, nem tão competentes, capazes
ou felizes quanto gostariam.
Poderia se
supor que essa ansiedade relacionada aos nossos desejos não satisfeitos seria
aplainada com a plena satisfação dos nossos desejos. Ocorre que, assim que
atingimos nosso objetivo, a satisfação de determinado desejo, imediatamente o
substituímos por novos desejos. Assim, a ansiedade permanece, e a sensação de
satisfação pelo desejo atendido nem sempre é duradoura, porque o que foi
conquistado passa a ser incorporado à nossa vida como algo normal.
Uma pessoa que
more num bairro de alto padrão social, embora viva numa bela mansão, seja
casado com uma bela parceira ou parceiro, tenha um excelente emprego e tenha um
carro de luxo na garagem, pode sofrer de ansiedade por não ter o carro de luxo tão
bom como o do vizinho, ou por não ter mais destaque do que a outra pessoa
famosa.
Não há uma
percepção clara por parte dela a respeito de tudo o que ela tem, pois tudo o
que tem e que tantas pessoas anseiam ter já foi por ela normalizado, como
coisas que já foram desejadas, mas, por já terem sido conquistadas, não as
deseja mais. Resta, então, somente a ansiedade pelo que ainda não tem, sem se dar
plenamente conta do que tem.
Seria
necessário, então, um exercício de tomada de consciência daquilo que temos e
que nem sempre valorizamos, em vez de colocar o foco da nossa atenção para o
objeto de nossos desejos. Não se trata de não desejar, pois isso seria uma
forma de desinteresse pela vida e pelo nosso aperfeiçoamento, mas se trata de
fortalecer em nós a percepção de tudo o que a vida nos oferece neste exato
momento, o presente. Coisas como saúde, o alimento à mesa, o emprego que nos dá
o sustento, os amigos e familiares ao nosso redor. A isso damos o nome de
gratidão.
A gratidão não
é somente mais uma palavra bonita e em moda, mas uma percepção daquilo que o
presente nos dá a oportunidade de usufruir, porque se não nos abrirmos à
capacidade de percebermos tudo o que o momento presente nos oferece, para
vivenciá-lo plenamente, não conseguiremos usufruir também das coisas que
viermos a conquistar no futuro, após tanto as desejarmos.
Apesar dos
inegáveis avanços da psiquiatria e da psicologia no alívio desse mal que atinge
a humanidade, é certo que o enfrentamento da ansiedade é um desafio não apenas
individual, da forma como cada um encara e lida com a realidade, com seus
medos, preocupações, desejos e aflições, mas também coletivo, na medida em que
a maneira com que vivemos em sociedade é um fator decisivo para esse mal atinja,
de forma tão generalizada, a todos nós.
No que se refere
à nossa luta individual, é imperativo o encontro do ser humano consigo mesmo,
na busca do seu autoconhecimento. É necessário nos perguntarmos a cada dia o
que, de fato, nos é necessário e o que é apenas uma necessidade criada pelo
nosso ego, uma necessidade imaginária. Devemos, a cada dia, olhar para aquilo o
que nos preocupa e separar aquilo que está em nossas mãos resolver, intervir,
daquilo que não está em nossas mãos interferir, e que, por isso mesmo, escapa à
nossa capacidade de controle.
Somos aprendizes num mundo em constante transformação, porque cada um de nós está em constante transformação. Toda dor é um alerta sobre algo de que precisamos tomar consciência, para cuidar, resolver, tratar. Então a ansiedade que nos afeta como humanidade hoje é um vigoroso alerta para a correção de rumos.
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