quinta-feira, 13 de maio de 2021

Ansiedade e Modernidade

 Artigo de: Alexandre Paredes








Toda situação de perigo iminente aciona um gatilho em nosso cérebro, num mecanismo que remonta nossos ancestrais. Ele dispara hormônios que nos levam a uma situação de alerta. Todo o nosso sistema orgânico é tomado por uma mensagem muito simples: “lute ou corra”.

Para uma lebre, por exemplo, diante de um predador que surge à sua frente para devorá-lo, a mensagem é clara: “Corra, o mais rápido que puder, fuja!”. O organismo recebe uma descarga de hormônios que o torna momentaneamente mais forte, mais alerta, mais rápido.

É por conta desse mecanismo que vemos exemplos de pessoas que conseguem escapar da boca de um crocodilo ou encontrar forças desconhecidas para fugir, mesmo feridas, de um tiroteio numa zona de guerra, numa velocidade que não teriam em situações normais.

Da mesma forma, quando um ser humano é surpreendido por um assaltante que chega de surpresa, o cérebro secreta hormônios que o tornam mais alerta, o coração acelera por conta da descarga de adrenalina, e seu corpo recebe a clássica mensagem: “lute ou corra”.

Ocorre que, nessas horas, o raciocínio, às vezes, é obscurecido pelos nossos instintos ancestrais, o que pode não ser bom nessa situação do assalto. Afinal, agora, no século XXI, correr ou lutar pode significar levar um tiro e morrer, ou ficar seriamente ferido. A evolução tecnológica foi bem mais rápida do que a evolução do nosso cérebro. Manter a calma numa situação dessas é essencial, mas é um processo bem mais elaborado do que simplesmente lutar ou correr.

Se no passado, os perigos da vida humana estavam relacionados a feras ameaçadoras, situações de guerra ou de ataques de invasores, na era moderna, os perigos são mais sofisticados e mais difíceis de identificar e perceber.

Nas atividades empresariais, no comércio e na luta do homem moderno na vida cotidiana, o perigo é não conseguir lidar com tamanhas exigências da vida corporativa, do empreendedorismo, da busca por um emprego. Afinal, você tem de ser competitivo, ser melhor do que os outros concorrentes, tem de se adaptar ao mundo em mudanças constantes, tem de ser inteligente, polido, versátil, proativo, resolutivo, você deve encantar o cliente, ser pontual, criativo, ser capaz, competente, ter liderança, saber comunicar-se adequadamente em público, hábil em lidar com o jogo social, que nem sempre é tão claro de entender quanto a situação de um urso que aparece à nossa frente no meio de uma trilha.

Além dessa complexa rede de habilidades que nos são exigidas para lidar com os perigos e lutas da vida moderna – e que se não soubermos lidar, estaremos seriamente ameaçados de não conseguirmos obter o nosso pão de cada dia –, precisamos de habilidade para com a nossa vida particular, que também apresenta suas exigências nada simples. Você deve ser um bom pai, uma boa esposa, deve ser atraente, física e psicologicamente, deve conseguir pagar suas contas – e nem sempre o dinheiro chega até o fim do mês –, você deve saber o quer na vida – senão não será ninguém –, precisa levar os meninos na escola – e o trânsito não colabora –, deve ser independente, forte, virtuoso, não pode decepcionar seus familiares; deve ter ambições – senão é um acomodado –, enfim, a lista é imensa e cresce a cada momento.

Você deve ser uma pessoa de bem o tempo todo, senão trai tudo o que lhe foi ensinado, deve ter valores, como honestidade, lealdade, sinceridade, transparência, mesmo que lá no mundo social, em que o objetivo corporativo seja o lucro, você precise vender um produto e, para ser o melhor vendedor desse produto, talvez não seja possível ser completamente sincero e transparente.

A situação de contingência em nosso organismo para enfrentar um perigo tem seus efeitos colaterais, que deviam ser momentâneos em eras passadas. Para que tenhamos mais forças para lutar ou correr, os hormônios lançados em nossa corrente sanguínea fazem com que nossas energias sejam concentradas em nossos músculos e sistema sensorial, como visão e audição aguçadas. Então, durante esses momentos, a energia despendida para a digestão, por exemplo, é direcionada para o enfrentamento da situação, daí os problemas digestivos de quem sofre de ansiedade. Nossas mãos ficam frias, porque nosso organismo concentra nosso sangue naqueles órgãos mais importantes estrategicamente, os órgãos vitais, para enfrentar o perigo.

No reino animal, essa situação de alerta geralmente dura pouco tempo. Um animal que escapa do leão não parece ficar ansioso nem com estresse pós-traumático depois que fugiu, pois ele vive o presente, somente. O ser humano é diferente. Ele é capaz de continuar sofrendo por uma bomba que explodiu ao seu lado há 30 anos e sentir o estresse desse momento como se tivesse acabado de ocorrer, como se fosse hoje, ou como se fosse acontecer de novo a qualquer momento.

Os seres humanos lutam pela sua sobrevivência, mas essa luta não se parece muito com uma luta, como ocorria séculos atrás. Não vamos ao trabalho, à escola, à Universidade, nem enfrentamos o trânsito de armaduras e espada em punho. Mas, como nossos ancestrais, nossos corações andam acelerados, nossas mãos ficam frias; a descarga de adrenalina, cortisol e noradrenalina não nos ajudam muito a enfrentar um dia de trabalho no escritório, em que ficamos sentados o dia inteiro diante do computador, pois, muitas vezes, embaralha nosso raciocínio e  embota nossa criatividade. E ali, diante do computador, do balcão ou da vitrine, não será com força bruta, nem mostrando os caninos afiados ou com cara feia que conseguiremos encantar o cliente, agradar o chefe ou ser bem avaliado pelos nossos colegas.

Porque, nessa luta, a força física não vai ajudar; não vai ajudar termos forças para fugirmos dali correndo o mais rápido que pudermos; enfrentar o chefe numa luta corporal seria a nossa ruína. Continuamos a reagir internamente como nossos ancestrais. Uma preocupação com o futuro nos faz acelerar os batimentos do coração; diante de uma plateia atenta e crítica, nossas mãos ficam frias e, apesar de nossa vontade seja a de sair correndo, temos que nos manter calmos.

O medo não é ruim em sua essência. Se não sentíssemos medo, agiríamos de forma imprudente e comprometeríamos a nossa sobrevivência ou nossa posição no jogo social do mundo. Mas é ruim o medo que nos paralisa, a ansiedade que se torna constante, por tudo e por nada, a preocupação pela preocupação, que não contribui em nenhum til para a solução do problema, que, muitas vezes, em grande parte, não está em nossas mãos.

A ansiedade parece ser um transtorno bem típico da era moderna. Para vencê-lo, é preciso vencer nossos instintos ancestrais e elaborar uma forma de pensar e de sentir totalmente nova na evolução da nossa espécie. Agir com calma, polidez, gentileza diante da delicada dinâmica da vida social, que, muitas vezes, se nos apresenta de forma ameaçadora, são habilidades que temos de construir, conquistar, porque nossa civilização, nos moldes em que a conhecemos, é um capítulo recente na história da humanidade.

Mas a ansiedade tem hoje muitas outras faces que extrapolam a questão da sobrevivência. Sofremos de ansiedade pelo que o outro tem e nós não temos, pelas conquistas de coisas materiais que ainda não possuímos, temos ansiedade por galgar postos na sociedade que nem sempre implicam o atendimento de nossas necessidades reais, mas aquisições de determinadas coisas com valor simbólico perante o meio social em que vivemos e nos movimentamos.

O ser humano moderno nem sempre está ansioso porque teme passar fome ou padecer por falta de abrigo ou roupas. De modo geral, fica ansioso para obter o celular de última geração, usar a roupa de grife, o carro que mostra uma condição de status, porque o mundo capitalista é movido pela competição, e vivemos imersos nela sem percebermos, como os peixes dentro da água, que não se dão conta de que estão envoltos pelo líquido.

As pessoas ficam aflitas quando não conseguem ser percebidas pelo mundo. Então começa uma corrida para obterem notoriedade, para conseguirem ser vistas como pessoas de sucesso, interessantes, atraentes, que tenham algum destaque perante a multidão.

Curiosamente, e contraditoriamente, pessoas que atingem a condição de notoriedade, que são vistas pela multidão como bem-sucedidas e interessantes, não raro padecem de ansiedade porque não se sentem belas o suficiente, nem tão competentes, capazes ou felizes quanto gostariam.

Poderia se supor que essa ansiedade relacionada aos nossos desejos não satisfeitos seria aplainada com a plena satisfação dos nossos desejos. Ocorre que, assim que atingimos nosso objetivo, a satisfação de determinado desejo, imediatamente o substituímos por novos desejos. Assim, a ansiedade permanece, e a sensação de satisfação pelo desejo atendido nem sempre é duradoura, porque o que foi conquistado passa a ser incorporado à nossa vida como algo normal.

Uma pessoa que more num bairro de alto padrão social, embora viva numa bela mansão, seja casado com uma bela parceira ou parceiro, tenha um excelente emprego e tenha um carro de luxo na garagem, pode sofrer de ansiedade por não ter o carro de luxo tão bom como o do vizinho, ou por não ter mais destaque do que a outra pessoa famosa.

Não há uma percepção clara por parte dela a respeito de tudo o que ela tem, pois tudo o que tem e que tantas pessoas anseiam ter já foi por ela normalizado, como coisas que já foram desejadas, mas, por já terem sido conquistadas, não as deseja mais. Resta, então, somente a ansiedade pelo que ainda não tem, sem se dar plenamente conta do que tem.

Seria necessário, então, um exercício de tomada de consciência daquilo que temos e que nem sempre valorizamos, em vez de colocar o foco da nossa atenção para o objeto de nossos desejos. Não se trata de não desejar, pois isso seria uma forma de desinteresse pela vida e pelo nosso aperfeiçoamento, mas se trata de fortalecer em nós a percepção de tudo o que a vida nos oferece neste exato momento, o presente. Coisas como saúde, o alimento à mesa, o emprego que nos dá o sustento, os amigos e familiares ao nosso redor. A isso damos o nome de gratidão.

A gratidão não é somente mais uma palavra bonita e em moda, mas uma percepção daquilo que o presente nos dá a oportunidade de usufruir, porque se não nos abrirmos à capacidade de percebermos tudo o que o momento presente nos oferece, para vivenciá-lo plenamente, não conseguiremos usufruir também das coisas que viermos a conquistar no futuro, após tanto as desejarmos.

Apesar dos inegáveis avanços da psiquiatria e da psicologia no alívio desse mal que atinge a humanidade, é certo que o enfrentamento da ansiedade é um desafio não apenas individual, da forma como cada um encara e lida com a realidade, com seus medos, preocupações, desejos e aflições, mas também coletivo, na medida em que a maneira com que vivemos em sociedade é um fator decisivo para esse mal atinja, de forma tão generalizada, a todos nós.

No que se refere à nossa luta individual, é imperativo o encontro do ser humano consigo mesmo, na busca do seu autoconhecimento. É necessário nos perguntarmos a cada dia o que, de fato, nos é necessário e o que é apenas uma necessidade criada pelo nosso ego, uma necessidade imaginária. Devemos, a cada dia, olhar para aquilo o que nos preocupa e separar aquilo que está em nossas mãos resolver, intervir, daquilo que não está em nossas mãos interferir, e que, por isso mesmo, escapa à nossa capacidade de controle.

Somos aprendizes num mundo em constante transformação, porque cada um de nós está em constante transformação. Toda dor é um alerta sobre algo de que precisamos tomar consciência, para cuidar, resolver, tratar. Então a ansiedade que nos afeta como humanidade hoje é um vigoroso alerta para a correção de rumos.

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