Artigo de: Alexandre Paredes
Não é novidade que vivemos uma crise global sem precedentes. A
interferência do ser humano na natureza, no seu meio ambiente, tornou-se de tal
modo nociva, que tem sido causa da extinção de várias espécies de animais e
vegetais em escala assustadora, e ameaça sua própria sobrevivência como
espécie.
Parece que grande parte das nações e das pessoas concordam que são
necessárias mudanças drásticas na forma como nos relacionamos com o nosso
planeta, a fim de frear o aquecimento global e as catástrofes decorrentes da
ação do homem na natureza. Mas por que tem sido tão difícil efetivar essas
mudanças? Quais seriam as causas mais profundas desse problema tão grave? É o
que tentaremos compreender aqui.
O egoísmo é, sem dúvida, a causa principal de todos os desastres
ambientais provocados pela ação do homem. Que importa se vai acabar a Floresta Amazônica,
o Cerrado ou a Mata Atlântica contanto que eu lucre bastante com a madeira
derrubada, com o garimpo ilegal, com a transformação da mata em pasto ou com
qualquer atividade econômica não sustentável? De que me interessa se os ursos
polares serão extintos com o derretimento das calotas polares, se isto não
afeta direta e imediatamente a minha vida? Pelo menos, assim pensa o egoísta.
Para fazer frente ao egoísmo, é comum ouvir dos ativistas em defesa do
meio ambiente argumentos que tentem sensibilizar o egoísta, como, por exemplo,
no sentido de que o desmatamento de florestas afeta a nós mesmos, na medida em
que destrói nascentes, causa o assoreamento dos rios, a desertificação de
nossas terras, as secas prolongadas. Isto implica o racionamento de água,
aumento no preço da energia elétrica, desaceleração econômica decorrente da
insuficiência de energia elétrica, piora na qualidade do ar devido à queima de
carvão para suprir essa insuficiência, prejuízos na agricultura e pecuária em
face das estiagens prolongadas, redução da biodiversidade e consequentes
desequilíbrios ecológicos que afetarão nossa subsistência.
São tantas as consequências desastrosas decorrentes da atividade não
sustentável do homem na natureza, que qualquer pessoa minimamente inteligente
entenderia que a destruição do meio ambiente é um verdadeiro tiro no pé. Porém,
para o egoísta que esteja obtendo lucro imediato, nenhum argumento será válido,
porque não lhe faz diferença se as gerações futuras terão um mundo destruído ou
se sua atividade predatória prejudica uma sociedade inteira. Enquanto o egoísta
estiver se dando bem, para ele isto é o que importa.
Assim, poderíamos pensar que, diante da ação do egoísmo, somente a lei
poderia frear sua ação nociva no meio ambiente. Mas há que se considerar que as
leis são estabelecidas por homens e, na maioria das ocasiões, por homens
poderosos, donos de capital, que influenciam ou corrompem políticos, ou que são
eles mesmos os próprios políticos. Então, muitas das leis são estabelecidas
pelo próprio homem egoísta que se beneficia da sua atividade nociva ao meio
ambiente. E do mesmo modo que existe o egoísmo individual de cada ser humano,
existe o egoísmo de grupos, de classes, de corporações, de nações. Esse cenário
dificulta bastante o estabelecimento e a fiscalização de leis que impeçam a
ação dos egoístas em detrimento do bem da coletividade.
Quando toda uma coletividade, um grupo, um município, um país se
beneficia de uma atividade que gera riquezas, empregos, movimenta a economia,
mas destrói a natureza e que não permite que ela se recupere, ocorre um
consentimento tácito para as ações prejudiciais, já que a atividade econômica é
um bem mais imediato e perceptível pela população, pois gera empregos e riqueza
a curto prazo, enquanto a destruição do meio ambiente ocorre ao longo de
décadas, não sendo tão sensível a uma só geração.
Não se trata de desanimar aqueles que pretendem combater o mal com o aperfeiçoamento
das leis e melhorias na sua aplicação, ou seja, fiscalização e punição de
culpados. Mas fato é que leis não são suficientes para coibir o egoísmo, nem
para tornar os seres humanos mais empáticos. Leis podem punir um ser humano que
realiza tráfico de animais, por exemplo, podem multá-lo, prendê-lo, mas não
conseguem fazer com que ele se sensibilize com o sofrimento dos animais. O
mesmo se aplica ao sofrimento de outros seres humanos que são impactados por
suas ações destrutivas ou que beneficiem um pequeno grupo em detrimento de toda
uma coletividade. Leis não conseguem obrigar o homem a ser mais solidário nem a
se importar com o sofrimento do seu próximo.
Geralmente, os argumentos utilizados para minimizar a ação danosa do ser
humano no meio ambiente têm por finalidade mostrar o quanto suas ações
prejudicam o próprio homem, na medida em que ele, destruindo o meio onde vive,
escasseia seus meios de sobrevivência. Porém, somente a percepção empática para
com os demais seres da natureza é capaz de transformar efetivamente o ser
humano.
O homem somente deixa de destruir quando se sensibiliza pela dor do
animal, quando se entristece por ver um mundo menos verde, quando lhe dói ver a
extinção de espécies, ou quando a matança de baleias o comove, quando lhe é
caro o canto dos pássaros que ele não mais escuta, quando ele aprecia a beleza
da natureza e da vida. Ou seja, somente o amor à natureza pode, efetivamente, tornar
o ser humano mais protetor do seu meio.
A proteção à natureza, o respeito às outras formas de vida deveria ser
um fim em si mesmo, e não somente um meio para o homem, para que ele atinja
determinado fim. Não deveríamos compreender a necessidade de preservar o meio
ambiente só pelo ponto de vista de nosso interesse pessoal, porque quando o
interesse pessoal vem na frente, ele sempre vence. Deveríamos apreciar a vida
pelo valor que a vida tem em si mesma, e não só pelo valor que ela pode me
oferecer, justamente porque não somos o centro do mundo nem do Universo. E o
homem só conseguirá estar em harmonia com o seu meio quando se der conta dessa
realidade, quando sentir em seu coração e compreender com o seu intelecto que,
de fato, sua vida depende de outras formas de vida e do meio em que se
encontra, numa cadeia de relação de interdependência a se perder de vista.
Mas como um ser humano que se intoxica com o tabaco, destrói a si mesmo
com o uso de narcóticos, com o excesso de álcool ou com emoções e pensamentos
tóxicos, como uma pessoa que não aprecia a si mesma, usando o próprio corpo
como lixeira ou como objeto, poderá apreciar e preservar o mundo que a cerca?
Dificilmente, há amor à natureza quando não há amor e respeito a si próprio. O
mundo exterior é um espelho de nosso mundo interior. Quando não amamos a nós
mesmos, não há meios de amar ao próximo, nem aos animais, nem ao mundo que nos
cerca, porque todo o amor nasce do amor à vida. Então a miséria, o lixo por
toda parte e a destruição são, na verdade, reflexo da miséria moral de nossa
sociedade, do nosso lixo interior e de nosso estado de autodestruição ou de
destruição do próximo.
Da mesma forma, será praticamente impossível solucionar os problemas dos
animais em extinção ou da aniquilação de habitats e ecossistemas enquanto
grande parte da população mundial vive à cata de alimentos e passa sufoco para
obter o pão de cada dia. O egoísmo do ser humano, a falta de amor ao próximo e
de empatia cria, sobretudo, o abismo das desigualdades sociais, a pobreza e a miséria,
em que grande parte da população não tem certeza se terá alimento no dia de
amanhã ou moradia adequada. Como essa população poderá efetivamente agir em
defesa do seu meio se a questão mais urgente em sua vida é sua sobrevivência?
Então, em muitas ocasiões, a atividade não sustentável de muitos deriva da
própria necessidade de subsistência, sendo eles impelidos a buscar uma
atividade que lhe garanta o sustento.
Assim, somente uma sociedade justa entre os humanos poderá ser capaz de,
efetivamente, moldar um mundo mais equilibrado ecologicamente, porque, enquanto
faltar o necessário a grande parte da população, não há como esperar desta uma
preocupação que vá além da sua autopreservação.
Outro aspecto que pode ser considerado uma das causas principais da
destruição do meio ambiente é o pensamento imediatista do ser humano. Que
importa para o homem se amanhã não haverá planeta se para ele não haverá amanhã,
ou se amanhã ele não estará aqui? Quando o pensamento vigente na sociedade é a
visão materialista, isto é, de que nossa vida acaba com a matéria, e o de que
nossa existência se limita a esses breves anos que passamos pela vida física, dificilmente
haverá interesse real nos destinos das gerações futuras, que herdarão um mundo
com menos vida, menos condições de habitabilidade, menos abundância e
diversidade.
Alguns poderão dizer que a maioria da população do planeta é religiosa e
acredita que nossas ações, boas ou más, acarretarão consequências
correspondentes em nossa vida futura. Ocorre que essa vida futura pregada pelas
religiões não será aqui neste planeta, mas num paraíso ou num inferno fora
daqui. Desse modo, não há um real sentimento de solidariedade com os futuros
habitantes deste planeta, uma vez que o nosso destino estaria traçado para além
dele.
Quanto às eventuais consequências de nossos maus atos para a vida
futura, é provável que haja uma percepção de que a derrubada de madeira para a
atividade econômica ou para a transformação da floresta em pasto não seria um
crime tão grave aos olhos de Deus, a ponto de conduzir-nos a um inferno eterno.
Junte-se a esse aspecto o fato de que, na visão de mundo de muitos religiosos,
existe a ideia de que o homem seria o centro da Criação, sendo o protagonista, de
modo que os animais e vegetais, a natureza em si, existiriam para servir ao
homem.
Este é o pensamento de muitas pessoas. Os animais e os vegetais não
teriam uma existência por si, para si mesmos. Não haveria um sentido para a
vida desses seres senão para servirem às necessidades humanas. É a visão antropocêntrica
da Idade Média que ainda vige em muitas cabeças em nossa era. Essa mentalidade
faz o homem dispor da natureza como bem entende, mesmo porque este mundo seria
apenas uma ponte para o mundo além, para a vida além.
Para muitos religiosos, especialmente cristãos de diversos segmentos, há
ainda o pensamento apocalíptico, de fim do mundo. Se existe uma mentalidade de
que o mundo está fadado, inevitavelmente, por força de um decreto divino, ao
seu final, e que este final estaria próximo, qual seria a necessidade de
esforço por preservar o mundo material se ele, em breve, será exterminado pelo
próprio Criador? Só nos restaria ocupar-nos com a nossa alma, com a conversão
de outras pessoas às nossas crenças ou com as práticas da nossa fé religiosa.
Por outro lado, na visão reencarnacionista, o ser
humano pode retornar a viver neste mundo diversas vezes, a fim de se aprimorar
moral e intelectualmente, herdando o mundo que ajudou a construir, seja ele
mais justo ou mais injusto, escasso ou abundante em recursos naturais. Nessa
forma de ver a vida, o passado, o presente e o futuro se tornam solidários
entre si, e cada um de nós recebe do mundo exatamente aquilo que nele semeou.
Nesse paradigma, o ser humano tem um maior sentimento de pertencimento ao
planeta, que é sua casa, sua escola, em que habita e habitará, provavelmente,
durante muitos séculos, durante muitas existências corporais, visando ao seu
progresso espiritual.
Nos países democráticos, existe, ainda, um círculo
vicioso, de difícil correção. Os representantes do povo são eleitos para um
mandato de quatro ou cinco anos, que pode ser prorrogado em eventual reeleição.
Para agradar à massa de eleitores, ações de longo prazo não angariam muitos
votos.
Por esse motivo, dificilmente os representantes
eleitos pelo povo aplicam-se na solução de problemas como o saneamento básico,
por exemplo, que não trazem resultados imediatos e perceptíveis para a grande
parte da população. Desse modo, apesar de ser um problema tão capital para
tantas pessoas e para o meio ambiente, trata-se de uma questão que não traz
muito retorno político aos representantes eleitos. Raramente, vemos grandes exemplos
de projetos de longo prazo bem aplicados em países democráticos, como, por
exemplo, educar a população. Mas há algumas belas exceções, como é o caso da
Finlândia, que fez uma verdadeira revolução na educação.
O que acarreta mais retorno aos políticos é a
execução de obras que sejam realizadas dentro do mandato de quatro anos e
medidas que lhes deem popularidade, como a concessão de benefícios
assistencialistas, por exemplo, que socorrem a população e angaria votos, mas pouco
contribui para o desenvolvimento efetivo do país, embora louvável e necessário
à população que vive na miséria. Isto sem falar nos políticos que ocupam o
poder apenas em causa própria, buscando enriquecer-se à custa da miséria da
população, mas este aspecto já foi abordado aqui quando discorremos sobre o
egoísmo.
Ademais, de modo geral, nos países democráticos
ocorre, ainda, uma alternância de poder entre projetos distintos, concorrentes,
contraditórios, de partidos ou frentes políticas que se antagonizam
permanentemente. Nesse contexto, é muito comum observarmos, por exemplo, um
governante, assim que assume o poder, desfazer todas as grandes ações iniciadas
pelo governante anterior. Essa descontinuidade é um grande entrave para as
soluções que exigem muito tempo de investimento, preparo, ajustes e insistência
para que se colham frutos reais.
O ser humano, por natureza, busca sempre uma vida
melhor, mais conforto, mais comodidades, desenvolvimento social. Mas sabe-se,
hoje, que se todas as nações do mundo conseguissem reproduzir o modo de vida
dos países mais desenvolvidos, precisaríamos de cerca de quatro planetas Terra
para dar conta de suportar a demanda por matéria-prima para possibilitar aos
demais habitantes as mesmas condições. Dessa realidade só podemos chegar à
conclusão de que é necessário repensar o modo de vida dos países mais desenvolvidos
ou em desenvolvimento, e a forma como eles dispõem das riquezas naturais.
Não há como todos reproduzirem o mesmo modo de vida dos países
desenvolvidos, porque os recursos naturais são finitos, o planeta é um só. Não
haverá planeta se as atividades econômicas não forem sustentáveis. Não há
riqueza com mineração se ela vier acompanhada da destruição de todo um
ecossistema, em razão do derramamento de rejeitos. Não há crescimento econômico
sustentável se houver destruição das florestas, e com ela, a destruição de
nascentes, de fontes de água que sustentam a agropecuária, as usinas
hidroelétricas, a vida em suma. Não haverá peixes para pescar no futuro se a
pesca não respeitar os limites impostos pela própria natureza, se não
permitirmos que os peixes se reproduzam e se perpetuem como espécie.
O modo de vida Capitalista gera riquezas, produz valor para a sociedade,
gera comodidades, progresso científico, intelectual, material, tecnológico,
porém produz, também, alguns efeitos colaterais, como o consumismo exagerado e um
ser humano extremamente desejante e competitivo.
Como o sistema Capitalista é movido pela
necessidade de que o consumidor continue consumindo cada vez mais, para que
haja o escoamento da produção, de modo que o dono do capital tenha sempre mais
lucro e vença seus concorrentes, a sociedade é estimulada a ter, comprar cada
vez mais, consumir cada vez mais, sendo estimulada, inclusive, a ter
necessidades de consumo que não são necessidades reais.
Essa lógica traz como consequência um ser humano
excessivamente estimulado a buscar o supérfluo, a ostentação, o luxo, enquanto
muitos padecem de fome e das necessidades reais. A multidão dos menos
afortunados vê no modo de vida do rico o seu objeto de desejo. Não importa se o
que já se tem é o suficiente; ele buscará sempre mais e mais, mesmo porque isso
é da natureza humana. Ocorre que mesmo os que já têm muito além do supérfluo
também sempre querem uma vida melhor, buscando sempre no objeto de consumo que
ainda não possuem a razão da sua felicidade.
Como resultado, o ser humano da atualidade vive ansioso
por ter sempre mais, inclusive aqueles que já ostentam o luxo diante da
multidão dos menos privilegiados. Esse quadro não nos permite pensar no que é
bom para a humanidade enquanto coletivo. A sociedade competitiva busca não
exatamente uma vida boa, mas uma vida melhor do que a do outro, do que a do seu
colega de trabalho, do que a do país vizinho, do que seu concorrente e assim
por diante. E nessa corrida insana por mais e mais, custe o que custar, o
planeta sente os reflexos no esgotamento dos recursos, no excesso de lixo
produzido, no excesso de gases na atmosfera que causam o aquecimento global.
Desse modo, ainda que a maioria dos discursos
esteja alinhada quanto à necessidade de mudarmos nossa relação com o planeta,
na prática a sociedade em geral não está muito disposta a renunciar a seu
projeto de melhoria econômica, individual ou coletiva, em benefício da ecologia.
Em primeiro lugar, geralmente vem o meu ou o nosso bem-estar; a conta desse
desajuste com o ecossistema fica para ser paga pelas gerações futuras.
O modo de vida capitalista gera uma inversão entre as necessidades reais
dos seres humanos e as necessidades dos donos de capital. Se sou fabricante de
carros, por exemplo, o meu interesse é vender o maior número de carros
possível, ainda que nossas cidades fiquem abarrotadas de carros. Se a cidade
vive da fábrica de carros, os empregos dependem disso, maior é o interesse em
gerar mais riqueza. Se uma nação depende dessa atividade, mais interesses estão
em jogo.
O consumidor, desejante, por sua vez, quer ter um carro, para dar-lhe
liberdade, autonomia. Entretanto é muito comum vermos as pessoas presas, em
nossas grandes cidades, em imensos engarrafamentos de carros, geralmente quase
vazios, pouco ocupados, enquanto as ruas ficam sobrecarregadas de veículos e
nosso ar sobrecarregado de gases que causam o efeito estufa. Se todas as
pessoas do mundo tivessem acesso ao automóvel, se todos tivessem poder
aquisitivo para tal, nossas ruas não comportariam tamanho volume de veículos.
Se vendo petróleo, por exemplo, importa que eu venda o máximo de barris,
com o maior preço possível. Não será do meu interesse, neste caso, que o mundo
comece a usar carro elétrico, ainda que seja mais benéfico para o mundo
inteiro. E se os produtores de petróleo são grandes donos de capital, é
possível imaginar porque implantar tal inovação é tão difícil, além das
questões técnicas envolvidas.
Os governantes dos países, os políticos em todos os níveis, geralmente
têm uma relação de subserviência aos grandes donos de capital. Então, por mais
que os discursos de políticos do mundo inteiro se alinhem no sentido de
defender o planeta, no fim das contas, quem decide ou quem mais influencia na
tomada de decisões são os donos de capital. Assim, o que mais ocorre em
encontros de grandes países em defesa do clima são promessas e acordos que não
se cumprem, ou que não se pretende cumprir, ou se cumprem de forma tímida,
porque muitos desses acordos não são interessantes aos maiores donos de
capital.
Um outro aspecto interessante que ocorre no Capitalismo é o fenômeno da
alienação. Nesse sistema, o produto do trabalho do trabalhador lhe é algo estranho,
porque ele é contratado para prestar serviços em determinada fatia de todo o
processo que gera o produto ou os produtos finais. Desse modo, o trabalhador
não se sente diretamente responsável pelo resultado final do seu trabalho; em
outras palavras, ele é alienado do produto final do trabalho.
Esse processo de alienação é reproduzido em outros aspectos da nossa
sociedade. Ocorre, também, com o lixo que produzimos. Quando observamos o
problema das toneladas de plásticos que vão parar no mar e acabam por matar
tartarugas marinhas, que pensam que o plástico é um alimento, ou se decompõem
em microplásticos que contaminam os peixes, e que, por sua vez, contaminam os
seres humanos que se alimentam deles, não há um sentimento de que somos
responsáveis ou corresponsáveis por esse desastre. Para grande parte das
pessoas, o problema é do governo, das empresas que fabricam o plástico ou dos
supermercados que nos fornecem o material.
A mentalidade ainda vigente em grande parte das pessoas é a de que,
depois que joguei meu lixo fora da minha casa ou do meu ambiente de trabalho,
ele já não me pertence, já não é mais problema meu. Muitos dirão que é um
absurdo a morte de animais marinhos devido aos canudos plásticos lançados no
mar diariamente, e até dirão que é preciso fazer alguma coisa, mas não se
sentem parte do problema quando acabaram de usar um canudo plástico e o jogaram
na lixeira.
Parece que, a partir daquele momento em que o canudo foi para a lixeira,
o problema já não é mais dele. Ocorre que as empresas que fabricam canudos só
os fabricam porque existem consumidores, e porque existem empresas de alimentos
que os fornecerão aos clientes. O mesmo ocorre com sacolas plásticas, embalagens
e materiais descartáveis em geral.
Com a Revolução Industrial e grande parte dos seres humanos passando a
viver nas grandes cidades, houve um distanciamento do homem em relação à
natureza. Para muitas pessoas, a água vem do sistema de encanamento, o leite
vem da caixinha, o alimento vem do mercado, a carne vem do açougue. Para a
criança que sempre viveu na cidade, não há uma percepção clara de que a carne
que ele come é a de um animal abatido, que a água da torneira ou do filtro vem
de uma fonte finita, que o alimento à mesa precisou ser cultivado em terras
férteis, e que essas terras férteis precisaram de água, adubo e cuidados do
homem do campo.
Esse distanciamento da natureza prejudica a percepção de que nossa vida
depende efetivamente de outras vidas e do equilíbrio do ecossistema. Tudo o que
o ser humano precisa hoje está disponível em alguma prateleira, foi processado por
alguma indústria, passou por um intermediário. Nós vemos só aquela parte final
do processo, quando compramos o de que necessitamos, mas não tomamos
conhecimento se aquele produto que adquirimos foi produzido de uma forma não
sustentável, que destrói a natureza de modo que ela não tenha como se
recuperar. Ou seja, essa forma de vida alienou-nos também em relação à própria
natureza, que nos parece distante, fora do nosso alcance, e que, portanto, há
um sentimento de pouco podemos fazer a respeito.
As grandes metrópoles se afiguram para nós como um mundo grande demais
para que sejamos capazes de fazer alguma coisa. Nossa vida tornou-se atomizada,
isto é, vivemos com pouco senso de comunidade, vivemos nossas vidas de forma
individualista, cada um buscando qualidade de vida ao seu modo, e nos sentimos
impotentes para mudar algo tão complexo e tão grande como o mundo, que nos
parece responsabilidade somente das autoridades, das empesas, dos legisladores.
Essa falta de sentimento de pertencimento à comunidade e falta de sentimento
de que as coisas públicas também nos pertencem e merecem nossos cuidados são o
que fazem com que um banheiro público seja sempre imundo, porque não o cuidamos
como o cuidaríamos se fosse o banheiro de nossa casa, apesar de que muitos não
cuidam sequer dos banheiros de suas casas. Não há uma ideia de que a coisa pública
é algo de todos, mas, sim, algo de ninguém.
Essa percepção só muda quando é a própria comunidade que cuida de uma
determinada horta comunitária ou se fosse o próprio cidadão comum que lavasse o
banheiro público, quando os moradores de uma localidade se juntam em mutirão para
plantar árvores, limpar um terreno e zelar pela sua limpeza. Como sempre
existem terceiros que limpam o vaso sanitário, realizam a limpeza pública,
plantam e cortam árvores, os cidadãos não têm uma relação afetiva com o meio ambiente
e não sentem que aquele espaço público também é seu e também depende de seus
cuidados.
Esse quadro gera os cidadãos inconscientes, que jogam seu lixo pela
janela dos carros, descartam sua bituca de cigarro em qualquer lugar, usam o
banheiro público como se nunca mais fossem precisar dele ou pouco se importando
se o próximo usuário encontrará um lugar imundo. É essa mesma inconsciência que
faz com que o ser humano não tenha nenhum apreço por uma árvore, pela mata, por
uma nascente ou um lugar florido. Então, é esse tipo de pessoa que, para limpar
seu terreno, produz uma queimada que se torna um incêndio florestal. Para ele, não
importa muito se sua queimada causou tanta destruição, contanto que seu terreno
fique limpo.
Creio que esse tipo de pessoa ainda é a minoria. O problema é que a
destruição é algo que se faz de maneira muito mais fácil. Basta uma pessoa
inconsciente e inconsequente acender um fósforo para destruir uma floresta,
enquanto o replantio de árvores é um processo de décadas. Basta ver o exemplo do
fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, que plantou milhões de árvores em Minas
Gerais e, com isso, recuperou nascentes, animais desaparecidos ressurgiram e
todo um habitat foi recuperado.
Somente uma educação conscientizadora será capaz de transformar esse
quadro. Mas o modelo de educação da nossa civilização atual ainda é o da
transmissão de conhecimentos aos filhos para que eles possam reproduzir o nosso
modo de vida atual, e não para repensar nosso modo de vida, refletir sobre ele
e transformá-lo. As escolas procuram preparar o aluno para que encontrem,
futuramente, espaço no mercado de trabalho. Ocorre que a velocidade com que o
mundo tem mudado, nem mesmo para o mercado de trabalho as escolas estão dando
conta de preparar, porque assim que uma pessoa completa sua formação, em pouco
tempo seu conhecimento já estará defasado ou obsoleto.
Junte-se a isso o fato de que o conhecimento transmitido pela educação
formal é fragmentado. Encontramos especialistas em diversas áreas do conhecimento,
tais como engenharia, medicina, matemática, comunicação, biologia, psicologia,
química e assim por diante. Mas parece que nos faltam conhecimentos que conectem
todos os conhecimentos.
Falta-nos transmitir o conhecimento ligado à
sabedoria de viver e a de viver bem em sociedade; do contrário, estaremos
criando nossas crianças como se fossem apenas um amontoado de peças soltas para
se encaixarem numa grande máquina que seria a nossa sociedade. Ora, se essa
máquina já não está funcionando muito bem e está em constante mutação, aquela peça
preparada desde a infância para compô-la e fazê-la funcionar estará deslocada
quando chegar a sua hora de fazer parte do mercado de trabalho, porque a
máquina já mudou, o mundo mudou, o mercado de trabalho mudou. Ou seja, a
máquina de hoje já não se parece muito com a máquina de ontem, mas continuamos
educando nossos filhos do mesmo jeito há décadas.
Acreditamos, erroneamente, que a ecologia é um problema a ser pensado somente
pelos biólogos, mas pudemos perceber, em breves reflexões, que o problema
ecológico que hoje enfrentamos tem causas em diversas dimensões do ser humano,
como economia, ética, modo de produção, crenças, questões psicológicas, falta
de consciência e compreensão dos processos naturais, questões morais, vida em
sociedade. Enquanto nossa educação apresentar uma visão de mundo fragmentada,
não conseguiremos ter êxito na solução de problemas que requerem uma visão
global, e não apenas uma visão cartesiana do mundo e da vida.
Não existe outro caminho a percorrer senão o da conscientização de cada
ser humano a respeito de sua relação com o outro e com o seu meio; da
conscientização de que cada ação sua impacta o mundo ao seu redor. E não existe
outra forma de isso acontecer senão por meio da educação e da autoeducação.
Não é só nas escolas que podemos
aprender ou ensinar alguma coisa. Nunca me esqueço do exemplo dos japoneses nos
estádios brasileiros na Copa do Mundo de 2014 recolhendo o lixo ao final de
cada partida, dando não somente uma lição de educação, mas de consciência do
que é viver em comunidade e harmonia com o meio ambiente.
A nossa educação precisa extrapolar as escolas; precisamos ensinar e
aprender ética em pequenas atitudes como essa dos japoneses, mas também como o
exemplo da população de cidades litorâneas do Nordeste brasileiro quando se
uniu para limpar a sujeira decorrente de um derramamento de petróleo misterioso
em 2019, que poluiu o litoral. Ações concretas são o melhor meio de educar e de
se autoeducar, de inspirar e mobilizar pessoas para o bem coletivo.
O mundo é muito grande, mas podemos fazer alguma coisa por ele cuidando
do nosso quintal, cuidando da nossa relação com nossos vizinhos, com nosso
próximo, lutando por proteger as nascentes, os animais, as florestas, os mangues.
Podemos fazer a nossa parte e ser parte da solução, e não do problema. São as
nossas pequenas ações que poderão fazer a diferença no mundo, como fazer a
separação do nosso lixo para a coleta seletiva, reduzir o consumo de plásticos,
consumir a água de forma racional, usar, dentro do possível, fontes de energia
renováveis e não poluentes.
Eu, particularmente, só acredito em mudanças reais quando a mudança vem
de dentro, quando vem do exemplo. E esse exemplo não pode ser só o da proteção
dos habitats, dos animais, dos ecossistemas, desconsiderando o ser humano, suas
misérias, pois somos nós, os humanos, os responsáveis pelas mudanças climáticas
e pela extinção em massa de várias espécies.
As mudanças climáticas decorrentes do efeito estufa podem se nos
apresentar como um desafio e tanto para a nossa e para as gerações futuras. Por
outro lado, é esse grande grito de alerta da comunidade científica e da
natureza que tem, de alguma forma, nos unido enquanto humanidade. Sempre
lutamos uns contra os outros, nações contra nações, para conquistar uma
supremacia, seja econômica, militar ou cultural, mas é justamente essa grande
crise que se tem mostrado como uma grande oportunidade de nos mostrar o quanto
somos frágeis e o quanto precisamos nos unir para continuarmos a termos um lar
e um futuro.