quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Carta à Natureza

Poema de: Alexandre Paredes

 


Perdão, Mãe Natureza! Perdão!

A ti pedimos perdão pela nossa insanidade

Porque a ti queimamos sem nenhuma piedade

E enquanto a Terra arde, frio está nosso coração

 

Morrem a Amazônia, o Cerrado, a Mata Atlântica e o Pantanal

E apesar de heróis-bombeiros lutarem em meio a tanto caos

Alguns se articulam para poder fazer “passar a boiada”

Já outros assistem, indiferentes, à vida ser exterminada

 

Assustados e sedentos, animais batem em retirada

E quando retornam não encontram quase nada

Daquilo que um dia, outrora, foi seu verde abrigo

Perambulam pelo antigo lar, desorientados e famintos

 

Ainda ouvimos o grito da quase extinta Mariana

Que foi sufocado pelos rejeitos de um mar de lama

De uma barragem que se rompeu e tanta dor nos trouxe

E assim destruiu um rio que um dia já foi Doce

 

Mas esse desastre ambiental não foi suficiente

Foi preciso perder mais vidas humanas, mais gente

Agora o lamento dos peixes e pescadores não está sozinho

Pois, com eles, choram também as famílias de Brumadinho

 

Mãe Natureza, você é assim destruída em nome de que?

São tantos discursos, mas qual a versão verdadeira?

Será que é preciso sofrer mais para podermos aprender?

Não dá mais para continuar a tapar o Sol com a peneira

 

Quem acredita nessa estória quase infantil

De que tamanha queimada como nunca antes se viu

Começa com o índio e o caboclo que põem fogo na roça?

O homem sensato e informado dessa piada faz troça

 

Alguns discursos são apenas cortinas de fumaça

Para desviar da multidão o foco de sua atenção

De modo que não veja o perigo que a todos ameaça

O do empobrecimento do solo e sua desertificação

 

O perigo do fim das nossas bacias hidrográficas

Que levam água ao homem do campo e da cidade

Sustentam a agricultura, a pecuária e a biodiversidade

Mas não se recuperam perante mudanças tão drásticas

 

O público incauto acredita na mentira e na oratória

Que não conseguem ocultar a atividade predatória

Pois se ouvirmos bem os discursos, passarmos a limpo

A intenção é transformar algumas reservas em garimpo

 

Sob o pretexto de desenvolver a economia

A verdade é que apenas um pequeno grupo se beneficia

Da transformação das nossas florestas também em pasto

E esse benefício será somente o de um lucro imediato

 

Pois a médio e longo prazo, nunca é bom negócio

Reduzir a nossa terra somente ao agronegócio

Reduzir nossa visão a um estreito projeto de poder

De quem se apóia num grupo para poder se reeleger

 

Nossos governantes fazem hoje vista grossa

E pelos bastidores, sabotam a fiscalização

Em nome de um falso progresso, promovem a destruição

Enquanto grande parte da população apenas endossa

 

Muitos são assim coautores, cúmplices de um crime

Omitem-se perante a devastação que oprime

O direito das gerações futuras, que terão por herança

Um mundo com menos vida e uma vida com menos esperança

 

Mas sei – oh, Natureza! – que você cobrará o seu preço

Não importa nossa preferência política ou ideologia

Tudo o que semeamos no mundo colheremos um dia

E se hoje desprezo a vida, é porque então não a mereço