Texto de: Alexandre Paredes
Afinal, para que serve a Filosofia? Qual a sua
utilidade prática? Interessante que, para responder a esta pergunta, já
estaremos filosofando, isto é, fazendo uma reflexão.
Como tenho formação na área, adoro qualquer tipo de
reflexão, especialmente aquela que nos leve a ter dúvidas sobre nossas
certezas, porque não há avanço no conhecimento, na nossa forma de existir,
enquanto permanecermos estagnados na nossa forma de pensar.
Parece uma provocação, mas o fato é que a Filosofia não serve para nada,
simplesmente porque não tem uma utilidade prática pré-concebida, um escopo, uma
finalidade a serviço de algo ou de alguém.
Ela não está a serviço de alguma coisa. Caso
contrário, a Filosofia torna-se uma doutrinação, uma catequese, de ideias
pré-concebidas, para atender a determinados grupos, determinados fins, sejam
políticos, religiosos, econômicos, ideológicos.
A Filosofia simplesmente nasce, brota do ser
humano, da sua necessidade de viver com reflexão, com sabedoria; da sua busca
pela verdade. O que a gente faz com essa reflexão vem depois. A utilidade vem
depois. A própria questão da utilidade das coisas já é uma reflexão filosófica.
Por exemplo, qual a utilidade de uma pessoa? Ela só
tem valor se for útil? E o que pensar da existência de uma pessoa que vive num
leito de um hospital com uma doença incapacitante? Essa vida só tem valor se
tem utilidade?
O mesmo raciocínio pode-se aplicar a uma pessoa que
foi útil durante toda a sua vida, mas ao chegar na velhice, adquire uma
demência ou doença que a torne incapacitada de realizar as atividades mais
básicas. Essa pessoa não tem mais valor? Claro que tem. Porque o valor da
existência de uma pessoa e o valor de um ser humano não pode ser medido pela
régua de sua utilidade.
Mas isso sou apenas eu filosofando, porque há
correntes de pensamento que medem o valor das coisas pela sua utilidade. Então,
não existe “uma” Filosofia. Ela é múltipla, tanto quanto são múltiplas as formas
de interpretar o mundo, a vida, a realidade, a verdade.
Não se pode dizer, por exemplo, “O que a Filosofia diz
sobre determinada coisa, sobre determinado assunto”, pois existem várias
correntes de pensamento dentro da tradição filosófica, em que há convergências,
divergências e linhas paralelas sobre os mais diversos temas.
Então, a Filosofia é um eterno diálogo com os
filósofos que nos antecederam, um eterno diálogo com os mortos. Até hoje,
dialogamos com Platão, Aristóteles, Agostinho, Descartes, Kant, entre tantos
outros, todos eles pensadores que viveram há alguns ou muitos séculos antes de
nós.
A gente não “acata” nem “adota”, simplesmente, “uma”
Filosofia; a gente debate, questiona, corrobora ou rejeita determinadas ideias
com argumentos racionais. Mas escuta também, estuda também. Porque, no mundo de
hoje, as pessoas só querem é opinar, sobre tudo, sobre todos, emitir parecer
sobre o que não estudaram, não se aprofundaram, não refletiram. Isto não é
Filosofia, não é reflexão, é apenas opinião, ou “doxa” como os gregos antigos a
chamavam.
A gente até pode, e até consegue, filosofar sem ter
tido contato com nenhum pensador da tradição filosófica, mas corremos o risco
de pensar o que já foi pensado e já foi debatido e discutido muito antes de nós
nascermos. Seria algo parecido como chegar no final de uma reunião e querer
debater um assunto que já foi exaustivamente discutido, e ainda ter a pretensão
de estar sendo original.
Podemos comparar a Filosofia à arte. Ninguém
amanheceu num determinado dia e disse “a arte terá esta ou aquela finalidade”.
A arte simplesmente nasce de uma necessidade do ser humano de se expressar
subjetivamente, pois sua existência não pode ser definida apenas pelos
parâmetros objetivos da razão.
Assim, fazemos arte para aliviar nossas dores,
expressar nossa alegria, tristeza ou indignação, para compartilhar a beleza, o prazer, para
buscar sentido na vida, nas nossas angústias, para encantar, para reunir, para
se relacionar com o sagrado. Poderíamos elencar uma lista sem fim de motivos
pelos quais fazemos arte, mas não há uma finalidade pré-definida ou
pré-concebida para ela, pois qualquer delimitação seria um reducionismo e um
aprisionamento do seu voo.
Há pessoas que ganham muito dinheiro com a arte,
sejam as artes plásticas, a música, o cinema, o teatro. Existem grandes
indústrias que se beneficiam da arte. Mas reduzir a arte ao seu valor
econômico, ao ganho financeiro, é uma forma muito estreita de enxergá-la. A
arte resgata vidas, produz reflexão, mudanças sociais e nos costumes, produz
sonhos e enriquece a existência.
Se a Filosofia “não tem uma utilidade”, então
alguns podem pensar que seria melhor eliminá-las das escolas, das faculdades, já
que, como alguns creem, ela seria apenas um objeto de estudo para desocupados.
É um grande engano, gerado por mentes não acostumadas à reflexão ou que se
sentem ameaçadas por ela.
Ocorre que, embora a Filosofia não tenha “uma”
finalidade específica, o resultado que ela produz na vida do ser humano é
inestimável. A Ciência como a conhecemos hoje e, na verdade todas as ciências,
nasceram da Filosofia. A Filosofia surgiu na Grécia Antiga como uma forma de
pensar fora do quadrado da Mitologia Grega, quando todas as explicações dos
fenômenos observados se vinculavam à vontade dos deuses.
Em seu início, a Filosofia buscava compreender a
origem das coisas, a natureza intrínseca de tudo o que existe, as substâncias
primordiais que seriam os blocos de construção da nossa realidade, a essência do
Cosmos em suma, sem que, para isso, fosse necessário dar explicações
mitológicas.
Depois, com Sócrates e Platão, o foco da Filosofia
foi deslocado para o conhecimento do próprio homem, porque entendia-se que o
homem não tinha meios de conhecer o Cosmos, mas tinha meios de conhecer a si
mesmo, de entender o que seria uma vida boa, plena, o que seria o justo, o bem,
o belo, o certo o errado, qual seria o sentido da vida e como lidar com os
sofrimentos e adversidades. Surgia a Ética, que é a reflexão sobre a Moral.
Mesmo assim, a Filosofia nunca teve somente um foco
específico. Seus objetos de estudo mais comuns foram ou ainda são: o Conhecimento,
a Ética, a Lógica, a Justiça, a natureza do Ser, a Política, a Educação, a
Religião, a Ciência, a Verdade, a Causalidade, a Estética, a Razão, a
Normalidade e a Loucura, a Felicidade, enfim, uma lista sem fim.
Sem a Filosofia, não haveria questionamento a
respeito das verdades religiosas impostas como dogmas. Sem reflexão,
estaríamos, quem sabe, ainda imaginando que a Terra seria plana e que seria o
centro do Universo. Sem Filosofia, não haveria a busca pelo conhecimento nem as
bases da educação institucionalizada como a vemos hoje. Teríamos, talvez,
apenas uma educação totalmente voltada para inculcar nas mentes os dogmas das
igrejas mais poderosas politicamente ou voltada para atender aos objetivos, na
maioria das vezes escusos, dos nossos governantes.
Sem Filosofia, não haveria questionamentos a
respeito da forma de governar daqueles que detém o poder, nem seria possível
pensar a sociedade como criação humana, que pode e deve ser aprimorada. Não conheceríamos
a Democracia como a concebemos hoje, com os seus três poderes e seus sistemas
de pesos e contrapesos para que os governantes não tenham poder demais em suas
mãos para governarem visando atender aos próprios interesses, em vez de atender
aos interesses do povo.
Com a Filosofia, continuamos a fazer aqueles
questionamentos básicos sobre a nossa existência: O que somos? Temos uma
essência? Existe um objetivo para a nossa existência? Qual o sentido da vida? O
que é uma vida plena e feliz? De onde viemos e para onde vamos? Embora as
religiões, e até mesmo a Ciência, busquem dar essas respostas, o fato é que a nossa
razão nunca deixa de fazê-las, e não se satisfaz em apenas terceirizar essa
reflexão para algo ou alguém externo a nós, um guru ou uma instituição que supostamente teria todas as respostas.
Quando Sócrates foi condenado a beber cicuta, sob a
acusação de que estava supostamente pervertendo a mocidade, apenas porque estava
levando as pessoas a questionarem suas próprias certezas, a questionarem as
ideias que os levavam a acreditar saber o que não sabiam, alguns amigos lhe
deram a opção de permitir sua fuga da condenação. Sócrates preferiu beber o
veneno “a viver uma vida sem reflexão”.
Vejo esse exemplo de Sócrates como um dos mais
inspiradores da humanidade. Enquanto, muitas vezes, estamos debatendo sobre a
utilidade da Filosofia ou sobre a necessidade de seu estudo nas escolas, se ela
traz algum retorno econômico para o País, se ela pode gerar empregos, riquezas,
valor econômico, se ela faz alguma diferença em nossas vidas, Sócrates não via
sentido em viver uma vida sem reflexão.
Creio que muitas coisas que ainda hoje fazemos não
fariam sentido, ou seriam feitas de forma diferente, se tivéssemos um pouquinho
de reflexão. As guerras, o fanatismo político ou religioso, a vida irreal e
virtual das redes sociais, a violência social gerada pelo abismo entre pobres e
ricos, o consumismo desenfreado, a destruição do planeta, a poluição de rios e
mares, o aquecimento global por conta da ação humana, o alto investimento em
armas e o baixo investimento em educação e saneamento, os governos autoritários,
a opressão de determinados grupos devido à sua cor da pele ou ao seu sexo,
entre outros, são apenas alguns aspectos da nossa realidade que teriam,
certamente, um tratamento diferente se cada ser humano do planeta vivesse como
Sócrates, uma vida de reflexão.
Fica a reflexão. Para que serve a Filosofia? Talvez,
a melhor resposta seja, ao modo filosófico, na forma de uma pergunta: Para que
serve a vida mesmo?