Texto de: Alexandre Paredes
Tenho medo das
pessoas de bem.
São as “pessoas de bem” que, em nome dos valores da família, da
moralidade, dos bons costumes e dos valores cristãos, realizam atos de
intolerância religiosa, ideológica e política; que defendem os direitos humanos
para os humanos direitos e tentam justificar o injustificável.
São as “pessoas de bem” que imaginam estar numa luta entre o bem o mal,
sendo elas, obviamente, o bem e os outros o mal. Então, tudo e todos que
divergem de sua forma de ver o mundo são o mal. Se elas, as pessoas de bem, são
o bem, nada mais lógico do que acreditar que todos os demais são o mal, e que devem,
portanto, ser combatidos.
Os atentados terroristas do 11 de setembro foram realizados por pessoas
que acreditavam estar praticando o bem, pois, na visão de mundo deles, os
Estados Unidos da América seriam o demônio, o supremo mal, a ser combatido a
qualquer custo.
O extermínio de judeus por nazistas na Segunda Guerra Mundial foi
praticado por pessoas, aparentemente, “de bem”. Eram homens que, durante um dia
normal de trabalho, faziam experiências (torturas) com cobaias humanas, levavam
velhos, mulheres e crianças para as câmaras de gás, e depois, ao retornarem de
um dia ou de uma semana de trabalho, jantavam em família e iam à igreja
normalmente. Eram, enfim, cidadãos que cumpriam seus deveres para com o seu
país e perante o mundo social.
Aqueles que, durante a Guerra da Secessão nos Estados Unidos, entre
1861 e 1865, defendiam a manutenção da escravidão de seres humanos, os quais
eram privados da liberdade, de sua dignidade, de seus direitos e eram
submetidos, dia após dia, a castigos cruéis, abusos, violências, torturas e
trabalhos exaustivos, eram os mesmos que defendiam os valores tradicionais da
família, da moralidade e dos bons costumes.
Os senhores de escravos dos Estados Confederados, escravagistas, alegavam
que a vida no campo, onde toda a produção dependia do trabalho escravo, era uma
vida pacata e em harmonia, onde a família vivia feliz e ninguém tinha do que
reclamar. Em suma, era um estilo de vida onde o “bem” imperava. Obviamente, os
oprimidos não reclamavam porque não o podiam, pois, caso contrário, sofreriam
maiores humilhações, torturas e violências, enquanto os opressores, que eram os
únicos que tinham voz na sociedade, não tinham mesmo do que reclamar.
Cerca de um século depois, foram as “pessoas de bem”, que, em nome de
uma pretensa supremacia branca e tentando resgatar os valores tradicionais da
época da escravidão, criaram movimentos de segregação racial, como a Ku Klux Klan,
que organizava atos de terrorismo contra determinados grupos da sociedade.
Foram “pessoas de bem”, religiosos conhecedores da Bíblia, que
queimaram milhares de homens e mulheres considerados hereges nas fogueiras da
Santa Inquisição durante a Idade Média, apenas porque estes pensavam e se
posicionavam de forma diferente das verdades estabelecidas pelos cânones da
Igreja, sendo, portanto, uma ameaça ao seu poder.
Quando Jesus foi interpelado por um jovem que o chamou de bom mestre, o
Cristo respondeu: “Por que me chamas bom? Não há bom, senão um só que é Deus”
(Mateus 19:16-30). Se Jesus não se considerava bom, quem de nós pode assim se
considerar sem faltar com a virtude da verdadeira humildade? E não há como ser
bom sem ser humilde.
A luta entre o bem o mal se dá dentro de cada um de nós. É o bom
combate, do homem novo contra o homem velho que persiste dentro de nós, como
bem nos dizia Paulo de Tarso. O Apóstolo dos Gentios conclamava-nos à luta
diária contra o verdadeiro mal que há no mundo: nosso orgulho, nosso egoísmo,
nossos vícios morais em suma.
Porém, em vez do bom combate, o que vemos no mundo de hoje é a luta do
mal contra o mal, a luta do intolerante contra quem pensa diferente dele, a
luta por converter o outro à minha religião, à minha ideologia, às minhas
convicções, como se a verdade pertencesse a mim, como se o bem fosse exclusivo
à minha forma de ser e de ver a vida e a realidade. E nessa luta do mal versus
o mal, o mal sempre vence.
Há uma frase atribuída a Mahatma Gandhi que diz: “Seja você a
transformação que você quer para o mundo”. Nada mais profundo e verdadeiro.
Enquanto o bem estiver em livros sagrados, em pregações, em debates e teorias,
continuará a ser apenas um misto de palavras vazias. Só existe o bem de fato
quando ele se converte em exemplos e atitudes para o bem daqueles que estão ao
nosso redor.
Jesus, nosso modelo e guia, conversava amorosamente com prostitutas e
cobradores de impostos, que eram pessoas consideradas de má vida; conversou,
também, com a samaritana no poço de Jacó, mesmo os samaritanos sendo
considerados um povo estrangeiro e herege pelos judeus. E essa conduta do
Cristo incomodava as chamadas “pessoas de bem” de sua época, os doutores da
lei, que, embora o perseguissem e tenham sido os principais responsáveis pela
sua condenação à cruz, não deixaram de receber de Jesus o ensinamento amoroso,
embora duro.
Por tudo isso, prefiro pensar que o bem costuma estar do lado de quem
percebe que tem muito a melhorar, que tem muito a aprender, que não sabe de tudo.
Prefiro acreditar que o bem está naquele que reconhece as suas mazelas morais e
procura corrigi-las, e não naqueles que se autointitulam “pessoas de bem”,
enquanto espalham o ódio, a violência e a hipocrisia, e apontam o dedo para os
erros alheios.