Live gravada no meu Facebook em 15/11/2022
Pena que esqueci de liberar a rotação do celular. Por isso, a gravação não ficou na posição horizontal. Peço desculpas.
Link abaixo:
https://www.facebook.com/100001506464889/videos/499625112211773/
Live gravada no meu Facebook em 15/11/2022
Pena que esqueci de liberar a rotação do celular. Por isso, a gravação não ficou na posição horizontal. Peço desculpas.
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Poema de: Alexandre Paredes
Um prato de comida não é somente um
prato de comida
Pode ser o socorro na hora certa a quem
está desesperado
Que, em meio a grande aflição, pensa em
tirar a própria vida
Ao ver a mesa vazia e a fome que
atormenta o filho amado
O agasalho e o cobertor não são
somente o aquecimento
A singela doação pode ir além daquele
ato despercebido
Não protege o sofredor apenas das
intempéries do tempo
É o sol da esperança que aquece ao
toque do gesto amigo
Uma visita ao doente na hora amarga
não é só uma visita
Aquele tempo despendido no pequeno
gesto de consolar
Pode ser um farol na existência da
pessoa enferma e aflita
Que se recordará do bem diante de
novas lutas a enfrentar
A moeda nunca é pequena demais a quem
não tem nada
Pode ser um grande alívio para quem
teve um dia difícil
Notar que alguém se importa o incentiva
a seguir a estrada
E a se levantar da cama outra vez para
tentar um novo início
Às vezes, aquilo que lhe parece pouco
pode ser o bastante
Para tirar o outro do lamaçal e
ajudá-lo a seguir em frente
Ou para fazê-lo se lembrar que Deus
existe por um instante
Dando-lhe outro impulso para viver e
acreditar novamente
Nem sempre temos condições de dar o
que o outro precisa
Mas nunca nos faltará a oportunidade
de abrir nosso coração
De escutar a dor do outro ou de
oferecer-lhe a palavra amiga
De tratar o próximo com respeito e de abraçá-lo
como irmão
A caridade é praticada de mil modos,
que vão além da doação
Mas ela só é verdadeira quando
realizada sem pensar em si
Quando não exige do outro pagamento de
tributos de gratidão
E somente quando não se imagina que o
beneficiado irá retribuir
Caridade é, sobretudo doar a si mesmo,
é amor em movimento
É oferecer a outra face àqueles que nos
ferem ou fazem sofrer
É endereçar a quem chora uma prece ou
um bom pensamento
Mas também exercitar a paciência e vivenciar
a alegria de viver
Há grande caridade quando alguém silencia
diante da ofensa
Quando a gente conserva o olhar
distante do infeliz julgamento
E exerce o serviço com humildade sem desejar
recompensa
E quando a gente vigia a palavra e
conserva puro o sentimento
A caridade bem compreendida é fazer o
bem sem humilhar
É ajudar o próximo e, ainda assim,
sentir-se o beneficiado
Porque quem socorre sabe que aquele
momento irá passar
E amanhã qualquer um de nós poderá
estar do outro lado
A caridade bem sentida é saber se
colocar no lugar do outro
Fazendo a todos aquilo o que
gostaríamos que nos fizessem
Demonstrar sincera compaixão, empatia,
amor nunca é pouco
São esses pequenos gestos que as
pessoas jamais esquecem
Mas não existe uma caridade mais
sublime do que o perdão
Não é à toa que a palavra perdoar
significa “doar por inteiro”
Porque aquele que perdoa ilumina tudo e
deixa a maior lição
De libertação, bondade, fraternidade
pura e amor verdadeiro
Poema de: Alexandre Paredes
Imagine só se, um dia, pudesse a gente
Aportar num imenso país, de repente
Numa época futura de grande tribulação
Onde as pessoas se reunissem em
manifestação
Não para reivindicarem mais pão ou
liberdade
Nem para melhores condições de sua
sociedade
Mas, vestindo as cores da sua
bandeira, fossem à rua
Estampar cartazes pedindo a volta da
funesta ditadura
Imagine só que, nesse futuro
imaginado,
De norte a sul, o mundo inteiro
tivesse sido assolado
Por uma grande epidemia, que trouxe
muita dor e agonia
E nesse país, onde quase 700 mil
pereceram na pandemia
O povo tenha sido incitado a visitar
hospitais e suas UTIs
Não para prestar solidariedade, mas,
com desejos vis
De desmascarar a imaginária farsa
criada pela imprensa
Que teria inventado a grande crise
causada pela nova doença
Imagine só, nesse futuro sem sentido,
bastaria ao presidente
Na sua condição de maior autoridade e
de modo mais eficiente
Ter ele mesmo visitado os hospitais
para constatar eventual embuste
Mas nessa distopia da minha
imaginação, não importa o quanto custe
É necessário semear a desconfiança a
respeito de qualquer informação
Para que toda a verdade seja
relativizada e, assim, manipulada a população
Nessa estória sem pé nem cabeça, a imprensa
livre é chamada de lixo
Os repórteres são sistematicamente
agredidos, tratados pior do que bicho
Imagine um país em que o seu
presidente, querendo fazer pouco caso
Da terrível pandemia, imite um
paciente adoentado, quase asfixiado
Sob aplausos e risadas de uma claque
orquestrada para banalizar a dor
Para que não se manche a figura de
messias do presidente salvador
Que chamou a enfermidade que assolou o
mundo de simples gripezinha
Só pra não ter que enfrentar o
problema, sob pretexto de salvar a economia
Como se não bastasse, ainda por cima,
fez campanha contra a vacina
E insistiu em defender aos quatro
cantos desse lugar a ineficaz cloroquina
Imagine quantos terão morrido vítimas
do tratamento não científico
E enquanto o presidente dizia que a
vacina causava AIDS, de modo cínico
Quando viu que a vacina foi a
salvadora, quis assumir para si os louros
Diante dos esquecidos eleitores, que
foram mentindo para si aos poucos
Fingindo que ele não disse que quem se
vacinasse poderia virar jacaré
Nem teria mentido dizendo que as
vacinas eram experimentais, usando de má-fé
No fim, vale tudo para poder ganhar
mais votos, até manter a narrativa falaciosa
De que o país somente teve ampla
vacinação graças à sua ação vitoriosa
Imagine só, que esse país em luto
parece ter voltado à Idade das Trevas
Quando, por conta de crenças
religiosas, se realizaram as piores guerras
Em que se usava o nome de Jesus para
promover a Cruzada e a Inquisição
Nesse país imaginado, o nome do
Nazareno também é utilizado em vão
O Cristo pregou o amor e a compaixão,
e ensinou a amar até o inimigo
E disse, ainda, que “aquele que com
ferro fere com o ferro será ferido”
Mas o presidente e seus seguidores têm
um fetiche por balas e fuzis
Dizendo que, em vez do feijão, as
armas são o que o povo sempre quis
Nesse futuro, o lema “Pátria acima de
tudo, Deus acima de todos”
É repetido como um mantra, que esconde
um dos maiores engodos
Pois nessa imaginação de mau gosto,
Deus parece ter sido esquecido
Enquanto se defendem os valores
cristãos, todo mundo vira inimigo
E a Pátria parece ser somente para
aqueles que estão do mesmo lado
O que pensa diferente ou não segue a
mesma cartilha é mesmo odiado
De repente, o povo passou a odiar
grandes países parceiros, como a China
E pelas palavras desrespeitosas do
presidente, quase não chegou a vacina
Imagine, foi criada a narrativa de que
“nós somos o bem e eles são o mal”
Ressuscitando da Guerra Fria o
Comunismo e demonizando a Nova Ordem Mundial
Dois inimigos imaginários, criados
para fazer o rebanho se unir e se agrupar
E combater o inimigo do presidente,
sob pretexto de defender a família e o lar
Se quem pensa diferente é o mal, então
vale tudo, até o opositor ser eliminado
Não foi sem razão, que nessa
imaginação, briga política acabou em assassinato
Porque quando somos o bem, e os
outros, o mal, todo mal que se faz se justifica
E parece um bem para aquele que
defende o bem, pelo menos assim ele acredita
Nesse meu delírio, as florestas são
queimadas e os culpados são os índios
Parte da população fecha os olhos à
destruição de suas matas e rios
As imagens de satélites e os
institutos de pesquisas são desacreditados
Aqueles que defendem o planeta são
combatidos ou ridicularizados
Ou vistos como conspiradores, que
cobiçam as riquezas desse país
Sem notarem que um país sem florestas
e águas não tem futuro nem diretriz
Nessa louca nação, muitos gritam a
plenos pulmões que “é nosso este chão”
Esquecidos de que pouco restará a
defender após a grande devastação
Imagine que esse presidente, que nunca
escondeu defender a ditadura
Depois que assumiu o cargo, perseguiu
sistematicamente, na cara dura
Os demais poderes, incitando
seguidores a atacar Judiciário e Congresso
Com o intuito de fechá-los, seja de
forma velada ou de modo expresso
Chegando ao ponto de chamar um juiz do
Superior Tribunal de canalha
Ameaçando descumprir suas decisões,
transformando tudo numa batalha
Para manter-se no poder a qualquer
custo, inclusive o da própria democracia
Ameaçando agir fora das “quatro
linhas” e, assim, instituir uma autocracia
A essa altura, a imaginação parece um
pesadelo do qual se quer acordar
Esse imenso país, que tem uma das mais
belas gentes que se possa imaginar
Agora se divide entre nós e os outros;
a festa da democracia vira uma guerra
Pessoas antes amigas agora se odeiam;
não há paz nessa grandiosa terra
A mentira é disseminada de forma
articulada, por meio de mídias sociais
E uma realidade paralela, fictícia, é
construída; debater ninguém quer mais
O que se quer é tão somente lacrar,
derrotar a qualquer preço o oponente
Pra se perpetuar no poder e garantir
mais um mandato do messias presidente
Imagine, enquanto o povo passa fome, e
o desemprego é uma grande aflição
O presidente põe em xeque as urnas
eletrônicas, temendo perder a eleição
Antevendo a derrota, semeia a
desconfiança; desacredita o processo eleitoral
Que nunca antes foi questionado e
sempre foi motivo de orgulho nacional
Então, seus fiéis seguidores começaram
a imaginar conspiração e fraude
Inventam evidências de fraudes
anteriores, e os juízes eleitorais, debalde
Demonstram a segurança da apuração,
com base em fatos peremptórios
Mas, diante do fanatismo e interesse,
quaisquer esforços se tornam inglórios
Imagine só que esse imaginado
presidente, por mais que fale mil absurdos
A multidão fiel parece venerá-lo cada
vez mais, talvez fazendo-se de surdos
Talvez porque a vontade de acreditar
seja maior do que a própria realidade
Talvez porque o desejo de ter
esperança seja para o povo a maior necessidade
Pois a decepção e desencanto com
políticos anteriores tenha sido enorme
Ou talvez porque o pensar e o sentir
dessa multidão esteja apenas conforme
As ideias dissonantes desse
pseudo-líder, como a apologia ao golpe e à tortura
Talvez os seus seguidores apenas
tenham para com essas ideias afinidade pura
Imagine só que esse presidente é então
visto como uma boa pessoa por muitos
Porém Jesus nos disse que “uma árvore
boa não pode produzir maus frutos”
Agora imagine que essa “boa pessoa”
tenha dito a uma mulher deputada colega
Que “jamais estupraria você, porque
você não merece”, então como se enxerga
Nessa agressão torpe algum fruto bom?
Assim, essa pessoa jamais poderia ser boa
Pois sua triste fala só reflete o que
está cheio o coração, e sua voz apenas ressoa
Sua paisagem interior, carregada de
misoginia, machismo e de moral deturpada
Será que, em algum contexto, alguma
mulher no mundo mereceria ser estuprada?
Imagine, ainda, que tal presidente
seja chamado de mito por seus apoiadores
Enquanto a população padecia nos
hospitais, ele parecia insensível às suas dores
Enquanto o povo temia o contágio e a
morte, dizia que era feito de “maricas” o país
A Ciência recomendava a máscara, mas
ele disseminava o contágio de forma infeliz
Incentivando a aglomeração sem máscara
e pondo a vida de milhares em risco
Tudo só para poder continuar
conduzindo o seu grande rebanho para o seu aprisco
Talvez seja por tudo isso que, nesse
futuro distópico, ele seja, de fato, um mito
Uma lenda, uma estória de fantasia, um
conto de mentirinha em algum lugar escrito
Porque não pode existir amor à pátria
sem o devido cuidado com a população
Não pode haver Deus acima de todos
quando não se demonstra compaixão
Não é possível coexistir Cristianismo
com a defesa da tortura, do mal em suma
Onde há a agressão verbal e a
misoginia, o bem não sobrevive de forma alguma
Mas para a turba com cegueira
seletiva, ainda permanece o mito na imaginação
A de que o presidente salvador messias
é um exemplo na luta contra a corrupção
Fingindo não ver que a maior operação
contra a corrupção dessa nação, a Lava-Jato
Foi por ele encerrada, pois “não havia
mais corrupção”, deixando o país estupefato
Imagine, esse imaginário herói contra
a corrupção decretar sigilo de 100 anos
Sobre o que jamais deveria ser
segredo, enquanto a massa prefere passar pano
Afinal, se a maior imagem que se quer
passar é de lisura moral e honestidade
Não faz o menor sentido ocultar e
encobrir por tanto tempo do povo a verdade
Parece legal destinar 5 bilhões da
Saúde e Educação para um Orçamento Secreto?
Nem mesmo funcionários fantasmas
poderão se esconder por meio desse decreto
É honesto um presidente que afasta delegados
de polícia que investigam sua família
Por práticas ilegais realizadas
durante muito tempo, conhecidas como rachadinha?
E pensar que, nessa estória singular,
esse presidente que tem por armas fascínio
Em discurso quando era deputado,
chegou até a elogiar grupos de extermínio!
Enquanto ele e seus filhos defendem os
valores da família e do lar cristão
Adoram fazer pose de arminha,
ensinando até criancinhas essa vil abominação
Quem me lê deve estar pensando que
minha imaginação foi até longe demais
Que nem o pior dos roteiristas de
Holywood poderia escrever absurdos tais
Sob pena de ser considerado escritor
de mau gosto ou de inventar puerilidade
Pois então, agora imagine que toda
essa estória imaginada aconteceu de verdade!
Texto de: Alexandre Paredes
Tenho medo das
pessoas de bem.
São as “pessoas de bem” que, em nome dos valores da família, da
moralidade, dos bons costumes e dos valores cristãos, realizam atos de
intolerância religiosa, ideológica e política; que defendem os direitos humanos
para os humanos direitos e tentam justificar o injustificável.
São as “pessoas de bem” que imaginam estar numa luta entre o bem o mal,
sendo elas, obviamente, o bem e os outros o mal. Então, tudo e todos que
divergem de sua forma de ver o mundo são o mal. Se elas, as pessoas de bem, são
o bem, nada mais lógico do que acreditar que todos os demais são o mal, e que devem,
portanto, ser combatidos.
Os atentados terroristas do 11 de setembro foram realizados por pessoas
que acreditavam estar praticando o bem, pois, na visão de mundo deles, os
Estados Unidos da América seriam o demônio, o supremo mal, a ser combatido a
qualquer custo.
O extermínio de judeus por nazistas na Segunda Guerra Mundial foi
praticado por pessoas, aparentemente, “de bem”. Eram homens que, durante um dia
normal de trabalho, faziam experiências (torturas) com cobaias humanas, levavam
velhos, mulheres e crianças para as câmaras de gás, e depois, ao retornarem de
um dia ou de uma semana de trabalho, jantavam em família e iam à igreja
normalmente. Eram, enfim, cidadãos que cumpriam seus deveres para com o seu
país e perante o mundo social.
Aqueles que, durante a Guerra da Secessão nos Estados Unidos, entre
1861 e 1865, defendiam a manutenção da escravidão de seres humanos, os quais
eram privados da liberdade, de sua dignidade, de seus direitos e eram
submetidos, dia após dia, a castigos cruéis, abusos, violências, torturas e
trabalhos exaustivos, eram os mesmos que defendiam os valores tradicionais da
família, da moralidade e dos bons costumes.
Os senhores de escravos dos Estados Confederados, escravagistas, alegavam
que a vida no campo, onde toda a produção dependia do trabalho escravo, era uma
vida pacata e em harmonia, onde a família vivia feliz e ninguém tinha do que
reclamar. Em suma, era um estilo de vida onde o “bem” imperava. Obviamente, os
oprimidos não reclamavam porque não o podiam, pois, caso contrário, sofreriam
maiores humilhações, torturas e violências, enquanto os opressores, que eram os
únicos que tinham voz na sociedade, não tinham mesmo do que reclamar.
Cerca de um século depois, foram as “pessoas de bem”, que, em nome de
uma pretensa supremacia branca e tentando resgatar os valores tradicionais da
época da escravidão, criaram movimentos de segregação racial, como a Ku Klux Klan,
que organizava atos de terrorismo contra determinados grupos da sociedade.
Foram “pessoas de bem”, religiosos conhecedores da Bíblia, que
queimaram milhares de homens e mulheres considerados hereges nas fogueiras da
Santa Inquisição durante a Idade Média, apenas porque estes pensavam e se
posicionavam de forma diferente das verdades estabelecidas pelos cânones da
Igreja, sendo, portanto, uma ameaça ao seu poder.
Quando Jesus foi interpelado por um jovem que o chamou de bom mestre, o
Cristo respondeu: “Por que me chamas bom? Não há bom, senão um só que é Deus”
(Mateus 19:16-30). Se Jesus não se considerava bom, quem de nós pode assim se
considerar sem faltar com a virtude da verdadeira humildade? E não há como ser
bom sem ser humilde.
A luta entre o bem o mal se dá dentro de cada um de nós. É o bom
combate, do homem novo contra o homem velho que persiste dentro de nós, como
bem nos dizia Paulo de Tarso. O Apóstolo dos Gentios conclamava-nos à luta
diária contra o verdadeiro mal que há no mundo: nosso orgulho, nosso egoísmo,
nossos vícios morais em suma.
Porém, em vez do bom combate, o que vemos no mundo de hoje é a luta do
mal contra o mal, a luta do intolerante contra quem pensa diferente dele, a
luta por converter o outro à minha religião, à minha ideologia, às minhas
convicções, como se a verdade pertencesse a mim, como se o bem fosse exclusivo
à minha forma de ser e de ver a vida e a realidade. E nessa luta do mal versus
o mal, o mal sempre vence.
Há uma frase atribuída a Mahatma Gandhi que diz: “Seja você a
transformação que você quer para o mundo”. Nada mais profundo e verdadeiro.
Enquanto o bem estiver em livros sagrados, em pregações, em debates e teorias,
continuará a ser apenas um misto de palavras vazias. Só existe o bem de fato
quando ele se converte em exemplos e atitudes para o bem daqueles que estão ao
nosso redor.
Jesus, nosso modelo e guia, conversava amorosamente com prostitutas e
cobradores de impostos, que eram pessoas consideradas de má vida; conversou,
também, com a samaritana no poço de Jacó, mesmo os samaritanos sendo
considerados um povo estrangeiro e herege pelos judeus. E essa conduta do
Cristo incomodava as chamadas “pessoas de bem” de sua época, os doutores da
lei, que, embora o perseguissem e tenham sido os principais responsáveis pela
sua condenação à cruz, não deixaram de receber de Jesus o ensinamento amoroso,
embora duro.
Por tudo isso, prefiro pensar que o bem costuma estar do lado de quem
percebe que tem muito a melhorar, que tem muito a aprender, que não sabe de tudo.
Prefiro acreditar que o bem está naquele que reconhece as suas mazelas morais e
procura corrigi-las, e não naqueles que se autointitulam “pessoas de bem”,
enquanto espalham o ódio, a violência e a hipocrisia, e apontam o dedo para os
erros alheios.
Artigo de: Alexandre Paredes
Não vamos
misturar os conceitos.
Hoje se comemora a Independência do Brasil, que deixou de ser uma
colônia de Portugal e passou a ser um país independente politicamente a partir
de 7 de setembro de 1822.
Mas independência não significa prosperidade, nem independência
econômica, nem garantia de liberdades, nem respeito aos direitos dos cidadãos,
nem mesmo uma sociedade justa ou menos desigual.
Há países independentes e pobres, como é o caso de diversos países da
América Latina e da África.
Há países independentes politicamente, mas dependentes economicamente
de outros países, como é o caso de todos os países do mundo, pois todos dependem,
em alguma medida, em algum grau, de outros países, com os quais estabelecem
relações de comércio.
Há países independentes e com grandes riquezas, mas profundamente desiguais, como é o
caso do Brasil. Nosso país é pródigo em terras férteis, em riquezas minerais,
petróleo, bacias hidrográficas, pecuária, produção de energia, mas com grande
parte da população vivendo na pobreza ou na miséria.
Há países independentes e que suprimem as liberdades de seus cidadãos,
por meio de ditaduras ou autocracias disfarçadas de democracias, como é o caso
da Venezuela, Belarus, Cuba, Rússia, Afeganistão, Coréia do Norte, China, entre
outros.
É muito justo, muito legítimo, usar a data da Independência do País
para fazer reivindicações e realizar manifestações por um Brasil melhor. Mas entendo
ser inadequado dizer que ainda não conquistamos a “verdadeira independência”.
Creio que não conquistamos, ainda, uma sociedade próspera, menos
desigual; não resolvemos o problema da fome, e nossa democracia anda meio
bamba, sob ataques, inclusive daqueles que acreditam defender a “verdadeira
independência”.
Ainda vivemos num País com sérias dificuldades para lidar com seus
problemas domésticos, como educação, emprego e saúde, mas nem por isso deixamos
de ser um país independente.
Quando o filho sai de casa e conquista sua independência, isto não quer
dizer que, dali por diante, tudo serão flores. Ele passará por dificuldades,
tropeços, cometerá erros e poderá até passar fome. Isso decorre do uso que ele
fará de sua liberdade para decidir os rumos de sua vida. Ninguém disse que a
liberdade seria fácil.
Parece que esse discurso de que “ainda não conquistamos a verdadeira
independência” traz uma espécie de terceirização tácita da nossa
responsabilidade, a responsabilidade por ditarmos o nosso destino, a de decidirmos
o nosso futuro.
É como o filho que saiu de casa, conquistou sua liberdade, sua
independência dos pais, mas, diante dos problemas e dificuldades, ele culpa os
seus pais. Ele tem sua independência, tem sua liberdade, mas, como a liberdade
é difícil, prefere responsabilizar alguém por seus fracassos.
Somos um país independente. Ponto. Se não conquistamos prosperidade, se
não garantimos as liberdades, não solucionamos o problema da fome, se ainda há
muitos excluídos em nossa sociedade, tudo isso são problemas que nós, enquanto
sociedade, enquanto povo, temos que resolver, juntos, unidos, e não ficar
aguardando que alguém dê mais um Grito do Ipiranga, e de uma hora para outra,
resolva todos os problemas da nação, como um salvador, um messias, que magicamente
inaugure um novo período de “verdadeira independência”.
Poema de: Alexandre Paredes
Quando a luz aumenta em nosso ambiente
O cristal
reluz, o branco parece mais branco
A mancha no
tapete torna-se mais aparente
E se revela aquela
sujeira encostada no canto
Quando a luz se
faz mais viva em nossa vida
A verdade se
impõe e se desvanece a ilusão
Nossa dor moral
não pode mais ser escondida
E não se pode
mais calar a voz do coração
Quando o Sol
amanhece em nossa caminhada
Mais nítidas
ficam as cores e a nossa sombra
A
gente vê com clareza os perigos da estrada
E o ponto do
caminho onde a gente se encontra
Luz não move
montanhas nem derruba muros
Mas nos faz ver
o que é preciso fazer, como agir
E ao iluminar
agora os caminhos antes escuros
Permite-nos
melhor escolher a trilha a seguir
Luz não é causa de tristeza, nem de
alegria
Tão somente
retira o véu de nosso interior
Mostra o que há
por trás de nossa fantasia
Que nos afasta da Unidade e do puro
amor
Quando acendemos
a luz que existe dentro
Não precisamos
mais usar nenhum disfarce
Pois vendo-nos
como somos, cem por cento
O que é real erige-se
e o que é mito desfaz-se
Luz no
intelecto é olhar para si e para a vida
Em toda sua
totalidade, em toda a sua beleza
É ver os
obstáculos que entravam a nossa lida
E redescobrir
onde está nossa maior riqueza
Luz no coração
é sentir em si e na realidade
Além da névoa
escura de orgulho e egoísmo
A fonte
inesgotável de amor e de bondade
Que banha o
jardim e o fundo do abismo
Luz na alma é encontrarmos
nossa essência
A que existe além
do mundo da aparência
Que traz em si a
semente, a força motriz
Da nossa capacidade
de se doar e ser feliz
Artigo de: Alexandre Paredes
Comparações fazem parte do nosso quotidiano, especialmente num mundo tão
competitivo como o nosso, em que, muitas vezes, o valor das pessoas é mensurado
com base em atribuição de notas acadêmicas, pontuações curriculares, número de
seguidores nas redes sociais, na quantidade de livros vendidos, de
visualizações do conteúdo publicado na web, no valor do contracheque ou no
tamanho do patrimônio. Mas é justamente essa cultura de comparação que nos leva
a não evoluirmos como pessoas, nem ajuda muito a tornar melhor a nossa
sociedade.
A inteligência, por exemplo, é uma capacidade do sujeito de aprender, de
compreender, de absorver e sintetizar ou produzir o conhecimento, de resolver
problemas novos. Mas são muitas as formas de inteligência. A inteligência de um
Albert Einstein é muito diferente da de um Pelé ou da inteligência de um Ludwig
Van Bethoven. Ainda que Pelé não
conseguisse compor uma Nona Sinfonia, talvez Bethoven não teria sido tão bom
com a bola nos pés. E mesmo que Einstein tenha sido tão brilhante em decifrar
os enigmas da Física, talvez ele não tivesse uma habilidade tão grande para
escrever um poema ou para criar uma coreografia.
Falta de inteligência seria uma limitação dessa capacidade. Mas há
muitas pessoas inteligentes em algumas áreas que apresentam uma desinteligência
em outras. É o exemplo de pessoas com grande inteligência para resolverem
problemas matemáticos ou lógicos, mas com grande dificuldade para lidar com as
próprias emoções.
O mesmo se pode falar sobre conhecimento e ignorância. Todos sabemos
muitas coisas e ignoramos outras. Há quem conheça as leis que regem o Universo,
as partículas subatômicas, que saiba como ocorrem o nascimento e a morte das
estrelas, mas ignore como se pesca um peixe. Não há nenhum problema nem ofensa
em ser ignorante em alguma coisa. O problema está em não reconhecer a própria
ignorância.
Não deveríamos nos sentir ofendidos por nos considerarem ignorantes,
porque o que sabemos é sempre um saber limitado, um saber relacionado à nossa
experiência de vida, acadêmica ou restrita ao que lemos ou estudamos. Todos
conhecemos algumas ou muitas coisas e desconhecemos muito mais.
Então, comparações são sempre deficientes e inoportunas, porque toda a
avaliação do que somos dependeria de uma referência externa. Somos limitados?
Inteligentes? Sábios? Ignorantes? Mas qual a referência? Sempre haverá alguém
mais inteligente ou menos inteligente do que nós; sempre haverá alguém mais
sábio ou menos sábio do que nós; mais belo ou mais feio, e assim por diante.
Se um grande músico erudito apresentasse sua mais bela composição diante
de uma plateia de metaleiros, sua música seria considerada entediante ou um
sonífero. Seria motivo de hostilidades e de ridicularização. E se uma grande
banda de Heavy Metal tocasse diante de intelectuais eruditos, essa plateia
provavelmente abandonaria o local. Que música é a melhor e qual a pior? Não
podemos dar essa resposta, porque o referencial estético é subjetivo.
A maioria de nós, ao comparar uma bela flor a uma aranha, talvez diga
que a flor seria bela, e a aranha, feia. Mas por que motivos teríamos elegido
esse animal, que tece uma teia de forma tão espetacular e se movimenta com
tanta agilidade, como modelo de algo repugnante? Talvez porque nossa mente
associe o belo a algo que nos seja agradável e o feio a algo que nos pareça
ameaçador. De qualquer modo, tanto a flor quanto a aranha são dotadas de uma
beleza única, incomparável.
Ainda que comparemos uma flor com outra flor, ou uma flor com outra da
mesma espécie, elas nunca serão iguais, ou seja, são de uma beleza única. Essa
questão nos leva a entender que as comparações que fazemos não são úteis, nem
são legítimas. A única comparação que nos é legítima é aquela que fazemos de
nós para com nós mesmos, quando comparamos o que somos com o que fomos, quando
comparo o meu “eu” de hoje com o de ontem, ou quando comparo o que sou com o
que eu almejo ser.
Quando nos comparamos a alguém, geralmente caímos na armadilha de nos
acharmos muito bons em algo, porque isso, de algum modo, excita o nosso ego,
traz-nos alguma compensação. O ego se sente confortável em saber que sou melhor
do que alguém em algo, mas essa postura apenas cria uma ilusão, pois me faz
permanecer de olhos fechados a todas as demais características nas quais aquela
pessoa está à minha frente. Essa comparação me faz permanecer acomodado na
minha zona de conforto, enquanto a comparação comigo mesmo me faria buscar ser
melhor do que já fui, e não melhor do que ninguém.
Outra situação destrutiva em nossas vidas é, ao me comparar às demais
pessoas, constatar o quanto elas são melhores do que eu, mais belas, mais bem
sucedidas, inteligentes e assim por diante. Esse olhar permanente para o outro
nos desloca de nós mesmos e esvazia nossa vida, na medida em que nos ausentamos
de nós mesmos, de nossa realidade, não nos permitindo valorizar nem vivenciar
plenamente as coisas boas que temos ou conquistamos.
É uma outra forma de ilusão, pois o que o outro me mostra ou que mostra
para o mundo é apenas uma fração de sua vida. Cada ser humano é como nossa Lua,
que só mostra uma face para o mundo, mantendo uma face oculta, muitas vezes de
dores, conflitos, injunções. Desconhecemos suas lutas íntimas, suas aflições,
os sacrifícios que passou para chegar aonde chegou. E como só vemos o lado bom
e glamouroso do outro, tendemos a achar nossa vida menos significativa e
passamos a alimentar um sentimento de menos valia, que é uma distorção da
realidade.
Em as Viagens de Gulliver, esse clássico literário de Jonatham Swift, o
personagem dessa história encontra um lugar de pessoas pequenas e depois
descobre uma terra de gigantes. Na terra de gigantes, ele se sentia um ser
minúsculo, enquanto na terra de pequeninos, ele se sentia um gigante. É uma
bela metáfora do que nos ocorre quando nos comparamos. Quando o referencial são
os outros, temos a tendência a fazer um julgamento distorcido de nós mesmos,
porque nos avaliamos com base naqueles que estão ao nosso redor.
Por mais virtudes ou qualidades que tenhamos, essa percepção sempre está
calcada na referência que temos de pessoas ao nosso redor. Se estamos rodeados
de pessoas que têm de sobra essas qualidades, tendemos a nos sentirmos
diminuídos, e se estamos rodeados por pessoas com deficiência dessas
qualidades, acabamos por nos sentirmos soberbos ou melhores do que os outros.
Mas, em essência, não mudamos em nada o que somos; permanecemos sendo as mesmas
pessoas. O que mudou foram tão somente os referenciais externos.
Quando alguém nos ofende, insultando-nos com adjetivos pejorativos a
respeito de nossas capacidades, limitações, características morais ou físicas,
geralmente sentimo-nos ofendidos ou diminuídos porque nos fixamos em
comparações. Se aprendermos a reconhecer o que temos de bom e único dentro de
nós e focamos em desenvolvermos as coisas boas que temos, não sofreríamos por
não sermos o que não somos, nem nos ofenderíamos com comparações.
Imagine se o grande jogador de futebol Romário se sentisse ofendido
porque tivesse sido chamado de péssimo goleiro, zagueiro ou nadador. Ele tinha
uma habilidade única diante do gol do adversário, mas provavelmente não teria
sido um bom zagueiro, porque não era uma característica sua ser um grande
marcador. Isso não diminuiria em nada suas virtudes como jogador de futebol,
pois ele tinha mais vocação para ser goleador, e não defensor.
Acredito que todas as pessoas têm algo dentro de si único, um potencial
latente que a torna especial. Quando nos ocupamos demais em nos comparar com as
demais pessoas, caímos no erro de querermos ser como elas e deixamos de fazer
brilhar aquilo de especial que há em nós.
Talvez o pintor Pablo Picasso tivesse sido considerado um pintor
medíocre caso houvesse buscado ser como os demais pintores e pintar conforme o
padrão artístico vigente em sua época. O que seria das artes plásticas, por
exemplo, sem a excentricidade de um Van Gogh? Se ele tivesse dedicado sua vida
a produzir uma arte “normal”, o mundo só teria a perder.
Seguindo esse mesmo raciocínio, talvez não teríamos o brilho da cantora
Shakira no mundo Pop caso ela tivesse ficado paralisada pelas críticas que
pessoas fizeram à sua voz quando ela começou a cantar, porque, comparavam-na
com as demais cantoras e diziam que sua voz parecia com a de um “bode”.
Todos temos arestas a aparar, imperfeições a corrigir, deficiências a
consertar, porém, em muitas ocasiões, aquilo que parece ser nosso maior defeito
pode ser, na realidade, uma virtude, dependendo da perspectiva. E ninguém
consegue transformar a si mesmo desvalorizando a si próprio, rejeitando o que
se é em nome do que se quer ser; ninguém se torna uma pessoa melhor sem amar a
si mesmo com tudo o que é, com tudo o que tem, suas luzes e suas sombras, suas
flores e seus espinhos.
É necessário, antes de tudo, olhar para si mesmo com amor, porque cada
um de nós é um ser único; cada um de nós é uma centelha; cada um traz em si uma
semente, que guarda o potencial de uma árvore imensa ou de uma delicada planta
com belas flores, ou possuímos várias sementes, de dons, de habilidades, de
capacidades únicas e incríveis, que esperam ser descobertas, amadurecidas, desenvolvidas,
aguardando de nós o comando do “brilhe vossa luz”. E essa luz não será acionada
enquanto permanecermos nos comparando às demais pessoas.
Letra e Música: Alexandre Paredes
Terra, a nossa casa, está despida
E aquecida pela frieza do coração
Terra, a sua água está poluída
E esquecida pela cegueira da ambição
Vem, me dá tua mão
Vamos mudar
A direção do nosso lar
Quero um lugar de um céu azul
E escutar a ave cantadeira
Quero acordar num véu de luz
E respirar o ar da cachoeira
Vem, vamos mudar a direção
Tomar consciência
Resgatar nossa essência
Fazer parte da solução
Quero acordar o mundo azul
E escutar a voz da natureza
Quero a paz, o bem comum
E resgatar a nossa natureza
Quero acordar, quero lutar
Por um mundo verde
Ver-te eu quero despertar
Vamos mudar, acreditar
Que ser melhor é da nossa natureza
Artigo de: Alexandre Paredes
Como o próprio nome indica, preconceito quer dizer um conceito
previamente formado, ou seja, pré-estabelecido mesmo antes de se conhecer
aquilo que se apresente para nós ou o que acreditamos conceituar ou conceber.
Geralmente, está associado a uma percepção negativa prévia sobre algo ou alguém,
que faz com que a pessoa o rejeite antes que possa conhecê-lo de forma mais
aprofundada.
O preconceito pode ser sobre qualquer coisa: um estilo musical; a
aparência exterior de uma pessoa ou de um objeto, que nos leva a julgá-lo mesmo
sem conhecê-lo; um produto à venda por determinada marca, que é avaliado, por
exemplo, segundo algo que ouvimos falar; pode ser sobre uma determinada
cultura, religião ou povo; uma ideologia política; um alimento, que, pela sua
aparência ou cheiro, julgamos previamente seu sabor; além das clássicas e mais
danosas formas de preconceito, baseadas na cor da pele de uma pessoa, na sua
orientação sexual ou seu gênero.
Ninguém está a salvo de ser preconceituoso, porque, de modo geral, todos
temos crenças, visões de mundo, experiências ou percepções cristalizadas. E
quanto mais avançamos na idade, mais difícil se torna reformular conceitos e
demolir preconceitos cristalizados, que são como verdades dentro de nós que não
ousamos contestar, questionar, porque são, de algum modo, convenientes ou
cômodas.
Ideias preconcebidas ou preconceituosas não costumam ter uma base
racional, simplesmente porque, para se formar um conceito ou estabelecer
qualquer julgamento sobre algo ou alguém, são necessários, primeiramente, o
conhecimento, a observação e a formulação de argumentos que darão sustentação àquelas
ideias.
Se tivéssemos o hábito de questionar a nós mesmos, diariamente, sobre o porquê
de acreditarmos no que acreditamos, quais os fundamentos racionais que
sustentam nossas verdades, nossas crenças, iríamos nos surpreender.
Porém, o que ocorre é que a nossa mente prega peças. Não raro,
elaboramos sofisticados sistemas de crenças, aparentemente racionais, para
justificar nossas paixões, vícios, condutas não muito corretas ou coerentes, e
torná-las moralmente aceitáveis aos nossos próprios olhos e aos olhos da
sociedade, fazendo com que nos sintamos mais confortáveis em permanecer
alimentando as paixões ou vícios aos quais nos entregamos.
Assim, os nossos sistemas de crenças, que parecem tão lógicos e
racionais, geralmente são subvertidos pelas nossas paixões, nossos fracassos,
traumas, medos, experiências psicológicas não bem digeridas e coisas que nos
ensinaram quando éramos crianças. É como um iceberg: nossos sistemas racionais
estão, na verdade, apoiados em uma montanha que fica submersa, e que é bem
maior que a parte emersa. Essa parte de nós escondida, em grande medida influencia
ou comanda nossos raciocínios.
O preconceito, então, tem origem muito mais em aspectos psicológicos e
emocionais do que em bases racionais. Por isso que é tão difícil mudar sistemas
de crenças e preconceitos, porque eles estão apoiados em questões subjetivas do
ser humano. Podemos citar o exemplo do preconceito de raça. Não há uma base
lógica para sustentar que uma determinada raça seja superior a outra.
Em primeiro lugar, porque do ponto de vista genético, não existem
propriamente “raças”. Uma pessoa de aparência caucasiana, seja ela de qualquer
lugar do mundo, terá genes de diversas etnias. Pessoas de diversos locais do
planeta, quando submetidas a um mapeamento genético, descobrem,
invariavelmente, que são o resultado do cruzamento de diversas “raças”, ou
seja, possuem ancestrais de diversas etnias, mesmo aqueles que se consideram
raças “puras”.
Desse modo, aquilo que consideramos “raças” são apenas aparências
exteriores, que geralmente não condizem com a realidade genética de cada ser
humano. Uma pessoa nascida na Europa, por exemplo, será invariavelmente
descendente de várias etnias que se entrecruzaram durante séculos no
continente, como os Mouros, os Visigodos, os Ostrogodos, Anglos, Saxões, Celtas,
Gauleses, Vândalos e daí por diante.
Em segundo lugar, porque os argumentos utilizados para validar a tese de
que determinadas raças ou determinados povos seriam superiores a outros parece
desprezar o aspecto histórico e cultural. Os povos europeus, de modo geral,
alimentaram, durante muito tempo, a ideia de superioridade em relação a outros
povos, mas essa pretensa superioridade somente se deu pela ação da força
militar, da violência, da subjugação. Os povos vencidos nas guerras eram
escravizados e, naturalmente, não puderam se desenvolver tanto quanto os povos
vencedores.
Os romanos venceram os gregos no século III antes de Cristo, de modo que
se tornaram escravos na sociedade romana, mas isto não significa que os gregos eram
ou sejam inferiores. Basta lembrarmos das conquistas de Alexandre, o Grande, da
Macedônia, que expandiu a cultura grega por grande parte da Europa, Ásia Menor
e África. Por razões históricas, em um dado momento, os gregos foram sobrepujados
pelos romanos, pela força, mas sua cultura permaneceu influenciando o mundo
romano, assim como nos influencia até hoje. O mesmo se deu com o povo hebreu,
que foi subjugado pelos romanos, e até hoje estudamos a Bíblia, que é um dos
seus legados.
Roma poderia ter diversas virtudes, como o impulso civilizatório, os
avanços na engenharia e as ideias de justiça, porém trazia também
características execráveis, como a violência e a escravização de seres humanos,
que foi uma das mais perversas da história da humanidade.
Então, se os povos indígenas e africanos foram sobrepujados pela força,
isto não indica inferioridade desses povos em relação aos europeus. O que
ocorreu foi a dominação de um povo sobre outro por meio da violência, seja ela
explícita, como a imposição pelas armas, seja ela um pouco mais velada, que é a
imposição cultural. E a violência, por mais que seja generalizada no mundo,
deve ser vista como uma característica negativa de um povo, e não como uma boa qualidade.
Ocorre que a história que estudamos foi contada pelos vencedores, ou seja, pelos
mais violentos ou aqueles que conseguiram superioridade tecnológica-militar
para vencer e escravizar outros povos.
Mas tanto a cultura indígena quanto a africana influenciam-nos até hoje.
Sem a contribuição indígena, não conheceríamos, por exemplo, as riquezas da
nossa flora para uso medicinal ou para alimentação. O hábito de tomar banho
diariamente é também um legado dos povos indígenas brasileiros. Ainda hoje,
temos muito a aprender com os indígenas sobre sua relação com a natureza, uma
vez que nossa cultura ocidental tem ocasionado a destruição do planeta.
Sem a contribuição africana, provavelmente não teria nascido o Rock, certamente
o Pop não teria surgido como o conhecemos, não teríamos conhecido o Hip Hop, o
Street Dance nem o Break Dance. Sem o legado dos afro-americanos no Brasil,
certamente não teríamos conhecido o Samba e nossa cultura seria infinitamente
mais pobre e menos alegre; teríamos, também, muito menos riqueza na área da
espiritualidade.
Diante dessas questões, por que, então, existe o racismo? Basicamente, o
racismo é ensinado, passado de pai para filho por meio da educação, ou
deseducação neste caso. Mas ele nasce, e se fixa, principalmente da necessidade
do ser humano de se sentir superior a outro ser humano, ou seja, nasce da
exaltação do ego, do orgulho em suma.
Para se sentir melhor que as demais pessoas, criam-se ideias de que
minha cidade é melhor do que a sua, meu país é melhor do que o do outro, a raça
ou cor de pele a que pertenço é melhor do que a do outro, assim como o time de
futebol que elegi para torcer é melhor do que o seu.
Trata-se do mesmo mecanismo que nos faz pensar que eu sou melhor que
alguém porque tenho um carro sofisticado ou porque uso uma roupa de marca, ou
porque tenho uma bela casa, que sou melhor do que os outros porque pertenço a
uma classe social superior. Se participo de classe social inferior, eu ressalto
que não sou como essas pessoas de nariz empinado, ou seja, que supero esses que
se sentem superiores a mim devido à minha “humildade”. Na verdade, esse tipo de
humildade é só mais uma forma de orgulho camuflado.
Não há nada de prévio que possa determinar que uma pessoa seja melhor do
que a outra. Sua cor de pele, seu status, a roupa que veste, seu sotaque, sua
religião, sua ideologia política, seu grau de escolaridade, seu país, sua
cidade de nascimento, seu vocabulário, nada disso torna uma pessoa, a priori,
melhor do que ninguém. São as nossas atitudes que nos definem,
independentemente da embalagem por meio da qual nós nos apresentemos.
O
preconceito de raça nasce, também, da falsa percepção de que o outro pode ser
uma ameaça para mim. Se é diferente de mim, se vem de fora, é alguém que não
faz parte da “minha” comunidade. Esse tipo de preconceito é facilmente
ilustrado pela xenofobia, a aversão ao estrangeiro, que é visto como alguém ou
um grupo que pode tirar nossos empregos, subverter nossos valores, tornar nossa
sociedade pior ou deturpar nossa identidade.
Quando ocorrem ataques terroristas, por exemplo,
essa xenofobia se torna mais clara e evidente. Se nosso país é atacado por
pessoas que se dizem islâmicas, passamos a alimentar o preconceito contra
pessoas que usam burca ou leem o Alcorão, ainda que essas pessoas nada tenham a
ver com o terrorismo e ainda que a religião islâmica não endosse atitudes
violentas.
Às vezes, esse sentimento de ameaça vem de dentro. Nos
Estados Unidos, após a Guerra da Secessão e abolição da escravidão, algumas
comunidades de afro-americanos daquele país começaram a prosperar, a ter algum
poder aquisitivo e se tornaram uma população numerosa. Essa população começou a
reivindicar os mesmos direitos dos demais cidadãos. Assim, aquela parcela da
população que ainda alimentava ideias escravocratas, sentindo-se ameaçada,
patrocinou chacinas a afrodescendentes e criou leis discriminatórias e de
segregação racial, que somente ao custo de muitas lutas, perseguições e vidas
perdidas, foram sendo derrubadas ao longo de várias décadas.
No Brasil, não houve uma guerra da secessão, não
houve, exatamente, uma segregação de maneira formal, mas eles foram segregados de
forma cultural. A discriminação e o preconceito foram naturalizados. Os
próprios brasileiros acreditavam que não havia preconceito racial no Brasil,
afinal não se jogam cascas de bananas nos estádios e Pelé foi e ainda é o maior
ídolo do país.
Sempre se acreditou na fantasia de que os negros e
os mestiços sempre foram bem tratados no Brasil, assim como na fantasia de que,
na época da escravidão, os escravos viviam bem, servindo aos seus senhores, que
eram humanos e gentis. Essa realidade mudou quando pessoas com cor de pele
escura passaram a conseguir, com muito custo e muita luta, ascender
socialmente.
Enquanto o negro permanecer na senzala ou,
traduzindo para os dias atuais, nos empregos de menor expressão social ou de
subserviência, os preconceituosos não se sentem ameaçados e permanecem
silenciosos, dando a sensação de que eles nunca existiram por estas bandas. Entretanto,
basta que os afrodescendentes conquistem postos na sociedade e empoderem-se,
para que os racistas se sintam ameaçados, saiam de sua situação de conforto, e
apareçam para atacar e mostrar suas garras.
Pessoas racistas têm problemas com sua própria autoestima. Podem até
parecer que são bem resolvidas consigo mesmas, com sua aparência, com sua vida,
com seu emprego, mas têm necessidade de ficarem se autoafirmando, precisam
dizer ou mostrar para o mundo que têm bens, que são bem-sucedidas, que são
superiores, que são melhores do que outros, que têm um belo corpo ou que são
muito inteligentes. Quando não têm nada disso, maior é o motivo de se autoafirmarem
por meio da falsa ideia de que sua cor de pele é superior à cor da pele do
outro. É um mecanismo de compensação. Sempre que precisamos mostrar, de forma
exagerada, algo para o mundo, repetir, é porque não nos sentimos seguros se
somos tão bons mesmo quanto a propaganda que fazemos de nós mesmos.
Isto explica a atitude de uma pessoa que humilha outra em público por
conta de sua cor de pele. É uma necessidade de autoafirmação. No fundo, ela
precisa humilhar a outra pessoa, ressaltando aquilo que ela crê ser um motivo
de inferioridade – no caso, a cor da pele – porque tem necessidade de se sentir
superior, e só tem necessidade de se sentir superior quem se sente
inferiorizado por algum motivo, ou quem tem dúvidas quanto às próprias
virtudes, qualidades, quanto à própria capacidade de ser atraente,
interessante, somente por conta de suas características morais ou físicas.
Às vezes, ocorre também
quando a pessoa tem uma bela aparência ou status, e até sabe disso, e fixa-se
de forma obsessiva nessas questões exteriores porque se sente insegura quanto
às próprias qualidades morais ou intelectuais. Então ataca aqueles que, segundo
crê, sejam menos belos ou sejam de classe social inferior, por meio do
desprezo, da ironia, do deboche, que nada mais são do que declarações, em alto
e bom som, de que tal pessoa só tem isso a que se agarrar, porque crê que lhes
faltam as qualidades interiores.
Ocorre que o preconceituoso geralmente não se percebe como tal. Ele
acredita que suas ideias preconcebidas são uma verdade. Como a verdade do
preconceituoso não tem base racional, ela se parece com um dogma religioso, que
é uma verdade imposta por uma autoridade, verdade à qual a pessoa se entrega
porque lhe traz algum conforto. No caso do racismo, a pessoa está tão identificada
com aquela ideia, que sequer pensa na possibilidade de revisá-la, porque ela
precisa continuar acreditando no que acredita, por razões emocionais.
Em vez de ouvir o contraditório, percebendo o erro em que permanece
voluntariamente, o racista procura pessoas como ele, preconceituosas, para
reforçar as crenças que nutre, porque lhes trazem algum tipo de compensação;
fazem-no crer em sua pretensa superioridade, e rever essa crença seria
colocá-lo nu diante de si mesmo. Deparar-se com a verdade do que é, sem
ilusões, pode ser algo desagradável, apesar de libertador.
Pode ser que seu preconceito tenha nascido daquilo que seus pais
ensinaram, que, por sua vez, foi ensinado pelos pais deles. E de algum modo,
existe um vínculo emocional entre o preconceituoso e aqueles que lhe ensinaram
o preconceito. Repetir aquilo que os pais diziam pode ser algo que, para ele,
de algum modo, honre a memória dos seus pais ou educadores. Discordar seria um
ato de rebeldia, mas até atos de rebeldia partem de um princípio. Não raro, os
filhos que se rebelam contra os pais, contra seus exemplos e ensinamentos,
acabam, inconscientemente, repetindo os mesmos erros que os pais cometiam, porque,
acima de tudo, os pais são uma referência, são o exemplo, e nós tendemos a
seguir muito mais os exemplos do que as palavras.
Parece que vivemos um tempo sem precedentes na luta contra o
preconceito. Hoje, cenas de injúria racial são filmadas e os responsáveis são
criminalizados em alguns casos, com muita luta da sociedade, enquanto, no
passado, o racismo não era sequer percebido pelas pessoas, porque as piadas de
mau gosto pareciam apenas piadas inocentes, embora não o fossem.
Vivemos numa época em que ainda se ofendem minorias, avilta-se a
dignidade de alguns grupos, e ainda se praticam violências com base no
preconceito, sob as vistas grossas do poder policial ou sob a chancela do poder
público, mas essa realidade não está mais sendo tolerada pelo homem do século
XXI. E quanto mais os aviltados pelo preconceito se levantam, mais barulho
fazem os preconceituosos e racistas, que, antes, se sentiam confortáveis com a
discriminação, e agora não podem mais tripudiar o próximo e continuarem saindo ilesos.
Esse levante e aparente tolerância zero contra o preconceito, louváveis
e necessários, tem gerado um movimento cultural que nem sempre atinge o fim visado.
O que se percebe, em grande parte das ocasiões, é uma mudança na linguagem, que
se torna mais polida, porém não é capaz de mudar o preconceito que está no
coração das pessoas. Se é certo que as palavras mais adequadas podem conduzir
as pessoas a ideias mais precisas, mais corretas, mesmo assim parece que o
preconceito resiste.
Podemos usar como exemplo os termos afro-americanos ou afrodescendentes
em substituição a termos pejorativos para designar esse grupo, como negros ou
pretos. De fato, a substituição das palavras é adequada, porque ninguém deveria
ser definido pela sua cor de pele. Por outro lado, palavras diferentes usadas
pela boca de pessoas preconceituosas não mudarão o seu preconceito, assim como
não farão com que esses grupos que sofrem o preconceito deixem de se sentir, de
algum modo, humilhados, por aquela parcela da sociedade preconceituosa e que
teima em se sentir melhor do que os outros. Ou seja, mudam-se os nomes, os
termos, e o preconceito acompanha os novos termos. Os novos termos se desgastam
e é preciso criar novos termos.
É muito comum, por exemplo, pessoas que solicitam benefício para
invalidez perante a Previdência Pública sentirem-se ofendidas porque elas não
são, de fato, “inválidas” no sentido de que não tenham valor. Então o termo é
ofensivo. Ocorre que esse é ainda o termo que vige na legislação brasileira.
Mas não deixa de ser um estigma ser aposentado por “invalidez” (para o
trabalho), porque esse termo afeta a dignidade humana.
Porém, altere-se o termo para um outro mais adequado e as pessoas que se
sentem inferiorizadas por terem essa condição continuarão a se sentirem
inferiorizadas enquanto a sociedade tratá-las como inferiores, não lhes dando
oportunidades. É muito triste, por exemplo, ter um filho amado que tenha alguma
condição incapacitante e seja taxado de inválido pela sociedade.
Há algum tempo, as empregadas domésticas sentiam-se estigmatizadas por
serem chamadas de “empregadas”, porque o termo remetia à ideia de uma pessoa
que tinha um emprego visto pela sociedade como de menor relevância ou menos
digno. Ocorre que o termo empregada ou empregado é adequado, e todo emprego é
digno. Podemos ser empregados de uma empresa, assim como podemos ser empregados
de um patrão só ou uma patroa.
Então, muda-se o termo para “doméstica”, “ajudante” ou “secretária do
lar”, para não diminuir a dignidade da pessoa. Mas não é o termo que diminui
ninguém; é o preconceito que existe na sociedade e na própria pessoa que se
sente estigmatizada. Mudam-se os nomes e o preconceito continua, porque o
orgulho daqueles que se sentem superiores permanece, ou, muitas vezes, permanece
o orgulho ferido de quem se sente inferiorizado com sua condição social.
Se é difícil mudar o preconceito do preconceituoso, não menos árdua é
curar as feridas de quem foi ou é vítima do preconceito. Quando uma pessoa foi ferida
ou aviltada na sua dignidade, oprimida pelo preconceito durante toda a sua vida,
é comum tornar-se um militante da causa antirracista, porque ela sentiu e sente
na pele a violência moral e psicológica que é ser vítima de tratamento
diferenciado, opressivo, discriminatório gerado pelo preconceito, que se
manifesta quase sempre de forma velada, disfarçada.
A causa antirracista e antipreconceito é sempre muito digna e muito
justa, mas às vezes a militância esbarra em algumas dificuldades. Comumente, a
pessoa ferida pelo preconceito pode ter uma visão distorcida dos fatos e dos
acontecimentos que a ferem. Uma pessoa com um nervo exposto tende a sentir dor
mesmo quando esbarre em algum objeto inerte e inofensivo. Alguém que tenha
sofrido preconceito durante toda a sua vida ou, pelo menos, na fase de infância
e adolescência, tende a enxergar no tratamento ríspido ou menos respeitoso do
outro sempre um ato de preconceito, ainda quando não o seja de fato.
Neste caso, muitas vezes, a pessoa vítima da situação desrespeitosa
coloca-se como vítima do preconceito racial mesmo quando não seja o caso, situação
que acaba por ocasionar um desserviço à causa que defende.
A militância antirracista, para fazer frente à parcela da população que
é racista, preconceituosa e discriminatória, acaba por reforçar, justamente,
aquilo que pretende combater, que é o pré-julgamento de qualquer pessoa em
razão de sua cor da pele. Para corrigir as injustiças históricas contra a
população de afro-americanos, é comum, por parte de alguns, por exemplo, a
reinvindicação de ações políticas que, de algum modo, favoreçam pessoas com
determinada cor de pele em detrimento de outras.
Essa questão é bastante complexa e delicada. Se aqueles que são vítimas
do preconceito não ocupam um lugar de fala na sociedade e não reforçam o
orgulho que têm por serem como são, por pertencerem ao grupo a que pertencem, e
se não denunciam a violência, se não a expõem e não a retiram da condição de
violência velada para colocá-la à luz do dia, quem o fará?
Por outro lado, a militância pode incorrer no erro, especialmente quando
se trata de uma pessoa emocionalmente ferida, de tratar com preconceito pessoas
que, por questões de nascimento, tenham o aspecto exterior aparentemente
privilegiado. Se é certo que pessoas de cor de pele clara e olhos claros não
são vítimas do preconceito de raça, avaliá-las como pessoas privilegiadas é uma
forma de julgamento pré-concebido – ou seja, uma forma de preconceito – pois
desconhecemos as dificuldades e sofrimentos pelos quais essa pessoa passou
durante toda a sua vida.
Desse modo, voltamos à questão inicial, de que ninguém deve ser avaliado
pela sua embalagem, mas pelo seu conteúdo. Ninguém pode ser julgado a priori,
nem por ter pele escura, nem por ter pele clara, nem por seu gênero, sua
orientação sexual, sua religião, sua condição ou aparência física, seu sotaque,
sua classe social, seu vocabulário, nem por seu discurso.
Ninguém pode ser considerado uma pessoa boa, nem ruim, apenas por ser
antirracista, feminista, defensor das pessoas LGBTQIA+, defensor dos animais,
por ser vegano, por ter esta ou aquela preferência política, ou por ser
militante da causa antipreconceito. A causa que a pessoa defende, por si só,
não indica que ela seja uma pessoa boa nem má; são suas ações, sua conduta
perante a sociedade que a definirão. E se suas ações não são boas ou não são coerentes,
a causa que defende fica prejudicada.
O mesmo já não se pode dizer com relação a pessoas que defendem ideias
ou posturas que causem sofrimento ou firam a dignidade de outrem. Alguém que
nutre ideias preconceituosas que causam opressão a outras pessoas não pode ser
boa, por mais que, seja uma pessoa bem posicionada socialmente, que seja,
perante a sociedade, aparentemente gentil, educada ou até religiosa.
Pessoas com ideias machistas, racistas, homofóbicas podem até ter um
verniz de educação, mas suas ideias e posturas, por mais inofensivas que
pareçam, são o combustível que gera a opressão e a violência social para com
alguns grupos, a injustiça, a indiferença dos governantes, a exclusão, a
humilhação de muitos e, em última instância, promovem o genocídio, o
feminicídio, o bullying, destroem vidas em suma, sendo corresponsáveis pelas
violências que outros cometem com base nas ideias que eles alimentam.
O preconceituoso, muitas vezes, justifica seus crimes ou os crimes que
outros praticaram pelo fato de que a vítima, na verdade, teria o que merece.
Para o homofóbico, por exemplo, pessoas da comunidade LGBTQIA+ é que estariam
cometendo delitos, apenas por serem o que são, apenas por existirem. Então, os
crimes praticados contra essa população, sejam de injúria, agressão ou
homicídio, estariam tacitamente perdoados, porque o homofóbico crê que tais
pessoas não deveriam participar da sociedade ou que o fato de serem como são se
dá por uma escolha pessoal, e que essa escolha pessoal seria um crime aos seus
olhos, o que não é o caso. É somente o preconceito que o mantém na ignorância
voluntária, a ignorância da real natureza do outro, do diferente de si mesmo,
que ele não compreende e não quer compreender.
Em países democráticos, vivemos a liberdade de expressão. Mas essa
liberdade de expressão vai até o limite em que posso ferir a dignidade ou a
integridade de outro ser humano. Uma pessoa tem o direito de acreditar no que
quiser, mas não tem o direito de expressar-se no sentido de ferir o direito de
outrem, de ameaçar sua dignidade ou sua vida com discursos de ódio, ainda que
esses discursos estejam calcados em crenças religiosas.
Enquanto houver pessoas que alimentam preconceitos que atentem contra a
dignidade de outrem, haverá holocaustos, chacinas praticadas por policiais,
ataques físicos ou morais a pessoas que não pensem como eu ou que sejam
diferentes de mim; haverá a tirania da maioria sobre a minoria, a tirania dos
mais fortes sobre os mais fracos, a opressão social, a injustiça. É uma
violência invisível, naturalizada, normalizada, aparentemente inofensiva, mas
que é a causa dos maiores desastres da humanidade.