sábado, 23 de março de 2019

Depressão e Modernidade

Artigo: Alexandre Paredes



A depressão é uma epidemia da era moderna. E não é por acaso, pois ela está intimamente ligada ao estilo de vida do nosso tempo e ao nosso modo de ver as coisas.
Desde cedo acumulamos muitas atividades, aprendemos a ser escravos do relógio e da agenda, e estamos desaprendendo a curtir o tempo livre, a sentir os prazeres simples da vida e a viver o inesperado.
A correria da vida moderna exige-nos velocidade, pressa, excesso de afazeres e responsabilidades, e não conseguimos desacelerar para dormir e descansar; vivemos em constante ansiedade.
Vivemos sob modelos de perfeição, seja física ou moral. Isso não nos ensina a lidar com a imperfeição, seja nossa, do nosso corpo, dos outros ou da vida. Temos dificuldade em nos aceitarmos como somos, em aceitar as coisas como são, em aceitar a vida como ela é.
Sempre nos disseram que temos que vencer na vida; não temos aprendido a perder, como parte do processo natural da nossa caminhada, nem a aprender com os nossos próprios fracassos, nem, simplesmente, a viver.
Num mundo altamente competitivo, nunca somos bons o suficiente, o que nos leva a nos consideramos perdedores ou inadequados. Não entendemos que as pessoas são diferentes, têm aptidões e aspirações diferentes, e quando não conseguimos nos adequar ao que o padrão social espera de nós porque somos naturalmente diferentes, únicos, sentimo-nos inferiorizados ou incapazes, em vez de sermos valorizados pelo que temos de diferente, singular. Enfim, não temos aprendido a nos amar.
Para os considerados vencedores na vida, os invejados do mundo, o preço a pagar é, por vezes, muito alto. Carregam nos ombros o fardo de tantas responsabilidades e enfrentam de tal modo as intrigas humanas que nem sempre conseguem suportar a pressão.
A civilização multiplicou comodidades, facilidades, soluções prontas e rápidas para tudo – medicamentos e cirurgias para todo tipo de sofrimento, livros de autoajuda para todos os tipos de problema nas prateleiras, algumas religiões prometem soluções fácies para atender às nossas necessidades imediatistas –; tudo isso não nos ensina a lidar com a frustração nem a exercitar a nossa própria sabedoria na solução de problemas, pois algo superior, exterior, ou alguém habilitado irá resolvê-los por nós.
Nosso mundo está poluído de imagens, que distorcem a nossa realidade, o que nos leva a valorizar e a acreditar mais na imagem da realidade do que na própria realidade; isso nos leva a viver uma vida de faz de conta, para aparentar sermos tão felizes e bem-sucedidos quanto aqueles das imagens que admiramos. Essa situação distancia-nos da nossa verdade interior, única que pode nos levar ao nosso desenvolvimento, para que possamos nos tornar pessoas plenas e felizes.
Olhamos tanto no espelho e fazemos tantas selfies que estamos nos esquecendo de olhar para dentro de nós e sermos sinceros com nós mesmos. Parece que não pega bem termos tristeza, angústia, ansiedade; não aprendemos a olhar para a nossa dor e buscarmos acolhê-la, compreendê-la, para que, com autoconhecimento, transformemo-nos com a ajuda da dor, ouvindo o que ela tem a nos dizer. Aqueles que nos cercam também não estão interessados em nos ver tristes, porque eles também não querem olhar para as próprias aflições que carregam. Então fugimos e disfarçamos, buscando uma alegria aparente e efêmera, muitas vezes com a ajuda do álcool ou outras drogas.
Se não aprendemos a lidar com nossas frustrações e com nossa dor, também não aceitamos que nossos filhos sofram ou tenham frustrações. Na tentativa de impedir que eles sofram, evitamos dizer não, impor limites, damos-lhes conforto, facilidades, compensações; queremos dar-lhes as alegrias que não tivemos e impedir que sofram o que sofremos, mas isso não os ensina nem os prepara para viverem a própria vida.
A sociedade de consumo promete a satisfação de nossas necessidades, que são confundidas com a real satisfação interior. Carros, viagens, casas dos sonhos, roupas de marca, festas, ótimos restaurantes, bebidas alcoólicas e até drogas prometem satisfação, mas que é efêmera, irreal, gerando novas necessidades de consumo ao infinito, deixando para trás a ilusão e o vazio interior, pois a verdadeira satisfação interior nunca se obtém por meio de coisas.
Há uma supervalorização do novo e desvalorização do velho, tido como obsoleto, ultrapassado, descartável. A velhice é vista como algo ruim, que deve ser evitada, escamoteada ou postergada a todo custo, e não como um evento natural; isso gera ansiedade e tristeza diante das transformações do corpo e da vida.
O paradigma materialista, que ainda vige em nosso tempo, prega que nada existe além de nossa matéria visível: nem alma, nem vida após a morte, nem Deus. Nossas vidas seriam um jogo de coincidências e as grandes aflições, um resultado de acasos infelizes. Sem uma esperança no porvir, não encontramos nenhuma consolação na dor, nenhuma razão em sofrer, nenhum sentido em viver, já que a vida, cedo ou tarde, findará. Essa visão de mundo se instala de forma imperceptível e conduz ao suicídio.
A Ciência nos trouxe grandes avanços em nossa forma de enxergar o mundo e o Universo; novas tecnologias vieram minimizar os sofrimentos humanos, aplacar as dores físicas, aliviar sofrimentos psíquicos, diminuir as distâncias, facilitar as comunicações, aumentar a expectativa de vida, mas ainda está longe de responder aos nossos questionamentos mais fundamentais: qual o sentido da vida? Por que e para que sofremos? Por que estamos aqui? A vida terá fim? O que há após a morte? Reencontraremos nossos entes queridos que se foram? Somos meras obras de acontecimentos aleatórios ou estamos sujeitos a desígnios superiores que guiam nossas vidas?
Por outro lado, para fazer face ao paradigma materialista e à dispersão de referenciais morais, num mundo cada vez mais plural e heterogêneo, algumas instituições religiosas tentam, a todo custo, levar adeptos por meio de promessas que não conseguem cumprir, arrebanhar fiéis para suas crenças baseadas em dogmas, verdades impostas, que naufragam diante da evidência e da razão, deixando para trás a frustração e a revolta, em virtude de desejos imediatistas não atendidos.
A depressão é uma doença, uma desordem mental-emocional e do sistema nervoso, que afeta e é afetada pelas funções e disfunções neuroquímicas do cérebro e, como tal, necessita de tratamento, com psicoterapia e medicação, além do apoio de amigos e familiares, bem como do suporte de algum tipo de fé e espiritualidade.
Mas além de ser uma doença de um indivíduo, é uma doença de uma sociedade inteira, que gera pessoas deprimidas; que esvazia do ser humano a sua humanidade; uma sociedade que, maravilhada com os avanços da ciência, mas também atordoada com a capacidade humana de gerar infelicidade, crueldade, abandono e esquecimento, não consegue dar respostas aos verdadeiros sofrimentos humanos, que persistem sob os mais variados nomes, classificados nos livros técnicos de patologias mentais.