domingo, 9 de outubro de 2022

Imagine

Poema de: Alexandre Paredes 









Imagine só se, um dia, pudesse a gente

Aportar num imenso país, de repente

Numa época futura de grande tribulação

Onde as pessoas se reunissem em manifestação

Não para reivindicarem mais pão ou liberdade

Nem para melhores condições de sua sociedade

Mas, vestindo as cores da sua bandeira, fossem à rua

Estampar cartazes pedindo a volta da funesta ditadura

 

Imagine só que, nesse futuro imaginado,

De norte a sul, o mundo inteiro tivesse sido assolado

Por uma grande epidemia, que trouxe muita dor e agonia

E nesse país, onde quase 700 mil pereceram na pandemia

O povo tenha sido incitado a visitar hospitais e suas UTIs

Não para prestar solidariedade, mas, com desejos vis

De desmascarar a imaginária farsa criada pela imprensa

Que teria inventado a grande crise causada pela nova doença

 

Imagine só, nesse futuro sem sentido, bastaria ao presidente

Na sua condição de maior autoridade e de modo mais eficiente

Ter ele mesmo visitado os hospitais para constatar eventual embuste

Mas nessa distopia da minha imaginação, não importa o quanto custe

É necessário semear a desconfiança a respeito de qualquer informação

Para que toda a verdade seja relativizada e, assim, manipulada a população

Nessa estória sem pé nem cabeça, a imprensa livre é chamada de lixo

Os repórteres são sistematicamente agredidos, tratados pior do que bicho

 

Imagine um país em que o seu presidente, querendo fazer pouco caso

Da terrível pandemia, imite um paciente adoentado, quase asfixiado

Sob aplausos e risadas de uma claque orquestrada para banalizar a dor

Para que não se manche a figura de messias do presidente salvador

Que chamou a enfermidade que assolou o mundo de simples gripezinha

Só pra não ter que enfrentar o problema, sob pretexto de salvar a economia

Como se não bastasse, ainda por cima, fez campanha contra a vacina

E insistiu em defender aos quatro cantos desse lugar a ineficaz cloroquina

 

Imagine quantos terão morrido vítimas do tratamento não científico

E enquanto o presidente dizia que a vacina causava AIDS, de modo cínico

Quando viu que a vacina foi a salvadora, quis assumir para si os louros

Diante dos esquecidos eleitores, que foram mentindo para si aos poucos

Fingindo que ele não disse que quem se vacinasse poderia virar jacaré

Nem teria mentido dizendo que as vacinas eram experimentais, usando de má-fé

No fim, vale tudo para poder ganhar mais votos, até manter a narrativa falaciosa

De que o país somente teve ampla vacinação graças à sua ação vitoriosa

 

Imagine só, que esse país em luto parece ter voltado à Idade das Trevas

Quando, por conta de crenças religiosas, se realizaram as piores guerras

Em que se usava o nome de Jesus para promover a Cruzada e a Inquisição

Nesse país imaginado, o nome do Nazareno também é utilizado em vão

O Cristo pregou o amor e a compaixão, e ensinou a amar até o inimigo

E disse, ainda, que “aquele que com ferro fere com o ferro será ferido”

Mas o presidente e seus seguidores têm um fetiche por balas e fuzis

Dizendo que, em vez do feijão, as armas são o que o povo sempre quis

 

Nesse futuro, o lema “Pátria acima de tudo, Deus acima de todos”

É repetido como um mantra, que esconde um dos maiores engodos

Pois nessa imaginação de mau gosto, Deus parece ter sido esquecido

Enquanto se defendem os valores cristãos, todo mundo vira inimigo

E a Pátria parece ser somente para aqueles que estão do mesmo lado

O que pensa diferente ou não segue a mesma cartilha é mesmo odiado

De repente, o povo passou a odiar grandes países parceiros, como a China

E pelas palavras desrespeitosas do presidente, quase não chegou a vacina

 

Imagine, foi criada a narrativa de que “nós somos o bem e eles são o mal”

Ressuscitando da Guerra Fria o Comunismo e demonizando a Nova Ordem Mundial

Dois inimigos imaginários, criados para fazer o rebanho se unir e se agrupar

E combater o inimigo do presidente, sob pretexto de defender a família e o lar

Se quem pensa diferente é o mal, então vale tudo, até o opositor ser eliminado

Não foi sem razão, que nessa imaginação, briga política acabou em assassinato

Porque quando somos o bem, e os outros, o mal, todo mal que se faz se justifica

E parece um bem para aquele que defende o bem, pelo menos assim ele acredita

 

Nesse meu delírio, as florestas são queimadas e os culpados são os índios

Parte da população fecha os olhos à destruição de suas matas e rios

As imagens de satélites e os institutos de pesquisas são desacreditados

Aqueles que defendem o planeta são combatidos ou ridicularizados

Ou vistos como conspiradores, que cobiçam as riquezas desse país

Sem notarem que um país sem florestas e águas não tem futuro nem diretriz

Nessa louca nação, muitos gritam a plenos pulmões que “é nosso este chão”

Esquecidos de que pouco restará a defender após a grande devastação

 

Imagine que esse presidente, que nunca escondeu defender a ditadura

Depois que assumiu o cargo, perseguiu sistematicamente, na cara dura

Os demais poderes, incitando seguidores a atacar Judiciário e Congresso

Com o intuito de fechá-los, seja de forma velada ou de modo expresso

Chegando ao ponto de chamar um juiz do Superior Tribunal de canalha

Ameaçando descumprir suas decisões, transformando tudo numa batalha

Para manter-se no poder a qualquer custo, inclusive o da própria democracia

Ameaçando agir fora das “quatro linhas” e, assim, instituir uma autocracia

 

A essa altura, a imaginação parece um pesadelo do qual se quer acordar

Esse imenso país, que tem uma das mais belas gentes que se possa imaginar

Agora se divide entre nós e os outros; a festa da democracia vira uma guerra

Pessoas antes amigas agora se odeiam; não há paz nessa grandiosa terra

A mentira é disseminada de forma articulada, por meio de mídias sociais

E uma realidade paralela, fictícia, é construída; debater ninguém quer mais

O que se quer é tão somente lacrar, derrotar a qualquer preço o oponente

Pra se perpetuar no poder e garantir mais um mandato do messias presidente

 

Imagine, enquanto o povo passa fome, e o desemprego é uma grande aflição

O presidente põe em xeque as urnas eletrônicas, temendo perder a eleição

Antevendo a derrota, semeia a desconfiança; desacredita o processo eleitoral

Que nunca antes foi questionado e sempre foi motivo de orgulho nacional

Então, seus fiéis seguidores começaram a imaginar conspiração e fraude

Inventam evidências de fraudes anteriores, e os juízes eleitorais, debalde

Demonstram a segurança da apuração, com base em fatos peremptórios

Mas, diante do fanatismo e interesse, quaisquer esforços se tornam inglórios

 

Imagine só que esse imaginado presidente, por mais que fale mil absurdos

A multidão fiel parece venerá-lo cada vez mais, talvez fazendo-se de surdos

Talvez porque a vontade de acreditar seja maior do que a própria realidade

Talvez porque o desejo de ter esperança seja para o povo a maior necessidade

Pois a decepção e desencanto com políticos anteriores tenha sido enorme

Ou talvez porque o pensar e o sentir dessa multidão esteja apenas conforme

As ideias dissonantes desse pseudo-líder, como a apologia ao golpe e à tortura

Talvez os seus seguidores apenas tenham para com essas ideias afinidade pura

 

Imagine só que esse presidente é então visto como uma boa pessoa por muitos

Porém Jesus nos disse que “uma árvore boa não pode produzir maus frutos”

Agora imagine que essa “boa pessoa” tenha dito a uma mulher deputada colega

Que “jamais estupraria você, porque você não merece”, então como se enxerga

Nessa agressão torpe algum fruto bom? Assim, essa pessoa jamais poderia ser boa

Pois sua triste fala só reflete o que está cheio o coração, e sua voz apenas ressoa

Sua paisagem interior, carregada de misoginia, machismo e de moral deturpada

Será que, em algum contexto, alguma mulher no mundo mereceria ser estuprada?

 

Imagine, ainda, que tal presidente seja chamado de mito por seus apoiadores

Enquanto a população padecia nos hospitais, ele parecia insensível às suas dores

Enquanto o povo temia o contágio e a morte, dizia que era feito de “maricas” o país

A Ciência recomendava a máscara, mas ele disseminava o contágio de forma infeliz

Incentivando a aglomeração sem máscara e pondo a vida de milhares em risco

Tudo só para poder continuar conduzindo o seu grande rebanho para o seu aprisco

Talvez seja por tudo isso que, nesse futuro distópico, ele seja, de fato, um mito

Uma lenda, uma estória de fantasia, um conto de mentirinha em algum lugar escrito

 

Porque não pode existir amor à pátria sem o devido cuidado com a população

Não pode haver Deus acima de todos quando não se demonstra compaixão

Não é possível coexistir Cristianismo com a defesa da tortura, do mal em suma

Onde há a agressão verbal e a misoginia, o bem não sobrevive de forma alguma

Mas para a turba com cegueira seletiva, ainda permanece o mito na imaginação

A de que o presidente salvador messias é um exemplo na luta contra a corrupção

Fingindo não ver que a maior operação contra a corrupção dessa nação, a Lava-Jato

Foi por ele encerrada, pois “não havia mais corrupção”, deixando o país estupefato

 

Imagine, esse imaginário herói contra a corrupção decretar sigilo de 100 anos

Sobre o que jamais deveria ser segredo, enquanto a massa prefere passar pano

Afinal, se a maior imagem que se quer passar é de lisura moral e honestidade

Não faz o menor sentido ocultar e encobrir por tanto tempo do povo a verdade

Parece legal destinar 5 bilhões da Saúde e Educação para um Orçamento Secreto?

Nem mesmo funcionários fantasmas poderão se esconder por meio desse decreto

É honesto um presidente que afasta delegados de polícia que investigam sua família

Por práticas ilegais realizadas durante muito tempo, conhecidas como rachadinha?


E pensar que, nessa estória singular, esse presidente que tem por armas fascínio

Em discurso quando era deputado, chegou até a elogiar grupos de extermínio!

Enquanto ele e seus filhos defendem os valores da família e do lar cristão

Adoram fazer pose de arminha, ensinando até criancinhas essa vil abominação

Quem me lê deve estar pensando que minha imaginação foi até longe demais

Que nem o pior dos roteiristas de Holywood poderia escrever absurdos tais

Sob pena de ser considerado escritor de mau gosto ou de inventar puerilidade

Pois então, agora imagine que toda essa estória imaginada aconteceu de verdade!