Artigo de: Alexandre Paredes
A liberdade geralmente é imaginada como uma
condição em que podemos fazer o que quisermos. Mas a gente sabe que não é assim
que as coisas funcionam. Como já dizia minha avó, “quem só faz o que quer,
recebe o que não quer”, ou “quem fala o que quer, escuta o que não quer”. Ou seja, a liberdade total, sem limites, é uma
ilusão, não existe, pois sempre estaremos limitados pelo direito de outrem.
O homem poderia considerar-se livre para fazer o
que quiser somente se vivesse completamente só, isolado do mundo. Mas o ser
humano tem necessidade de viver em sociedade, seja por necessidade de afeto,
necessidade da proteção do outro, dos serviços dos outros. Aquilo que me falta,
em inteligência, em capacidades, em habilidades, sobra no outro. Nós, seres
humanos, somos dependentes de outros seres humanos.
Então, não há como fugir das relações com outras
pessoas e, por conseguinte, da limitação que a vida em sociedade nos impõe; não
há como desconsiderar as necessidades e direitos das outras pessoas. E ainda
que eu vivesse completamente sozinho, o mundo material e a força das
circunstâncias impõem suas exigências, que, por sua vez, cerceiam minha
liberdade.
Podemos dizer que nossa liberdade está,
basicamente, sujeita a quatro variáveis: o que eu quero, o que eu posso, o que
eu devo e o que eu necessito. Nem tudo que eu quero, eu posso; nem tudo que eu
posso, eu quero; nem tudo que quero e posso, eu devo; nem tudo o que eu devo,
posso ou quero; há coisas que quero, mas não necessito, e há ainda coisas de
que necessito, mas não quero ou evito. Há ainda uma quinta variável, que são os
condicionamentos do meio, seja o meio social ou as condições físicas, como já
mencionado e que falaremos mais adiante.
QUERER E PODER.
Quero voar, por exemplo, mas não posso,
simplesmente porque meu corpo me impõe o limite e me incapacita de voar. Mas o
ser humano tem a liberdade de criar equipamentos, com sua inventividade, usar
recursos financeiros e técnicas para voar, seja de parapente, asa delta ou
avião. Não é a mesma coisa que voar como um pássaro, mas podemos exercitar
nossa liberdade para buscar essa aproximação com a liberdade total de voar.
Uma pessoa que, por uma doença qualquer ou em razão
de algum acidente, esteja restrita a uma cadeira de rodas ou a um leito, pode
querer muito se levantar e andar, locomover-se, ter autonomia, mas não o pode, uma
vez que seu corpo não lhe permite.
Assim, os adeptos de ideias como “querer é poder”,
de forma literal, iludem-se e iludem aqueles que os ouvem. Nesse momento da
nossa sociedade, em que há uma profusão e proliferação de escritores e oradores
de autoajuda, é muito comum observarmos esse tipo de ideia sendo difundida e
reproduzida sem muita reflexão. Com alguma alteração aqui, outra ali, a ideia
de fundo, seja para fins motivacionais, terapêuticos, ou apenas para o lucro
mesmo dos autores de livros ou palestrantes de autoajuda, é a de que tudo
depende só da nossa vontade; que, se tivermos vontade firme, sim, nós podemos.
E quando o leitor incauto ou o ouvinte dessas
ideias não consegue obter aquilo que almejava, a justificativa dada pelo autor
de obras de autoajuda é muito simples: dizer ao leitor ou ouvinte que, se ele
não conseguiu, se ele não alcançou o que queria, é porque faltou-lhe vontade
firme, faltou-lhe fé ou é porque sua mente está sintonizada com a falta, com a
carência, com o insucesso, o fracasso.
Assim, quem dita as receitas de bolo de autoajuda
continua bem na fita, pois a culpa de não ter dado certo é sempre daquele que
não acreditou o suficiente, daquele que não seguiu a “receita” corretamente.
Ocorre que a experiência nos tem demonstrado que
nem tudo que eu quero eu posso. Não se trata de desqualificar ou ignorar as
palavras de Jesus quando disse que “a fé transporta montanhas”. Não duvido do
poder da fé, nem duvido da força da vontade interior, mas não podemos ignorar
que, para se construir um prédio, são necessários engenheiros, centenas de
trabalhadores, equipamentos pesados, muito concreto, aço e muito trabalho. Sem
recursos e sem mão de obra, o prédio não se fará por si mesmo, apenas por ato
do nosso querer.
É
importante lembrar também das palavras de Tiago, o apóstolo, quando disse que
“a fé sem obras é morta”. Ou seja, a fé pode transportar montanhas, mas é
preciso mobilizar nossas forças, colocá-las em ação, para que nossa fé não se
restrinja a palavras vãs.
Quando
Jesus disse que “com a fé, nada nos seria impossível”, creio que muitas coisas
que acreditamos ser impossíveis podem ser realizadas se tivermos fé, mas levar
essas palavras ao pé da letra não é muito diferente de querer “arrancar um olho
se ele for motivo de escândalo”, conforme também palavras de Jesus, mas que
certamente não devem ser compreendidas em sentido literal. É necessário
discernir aquilo que está em nossas mãos, aquilo que está na nossa
governabilidade, daquilo que não está.
Nesse
aspecto, gosto muito da Oração da Sabedoria, atribuída a São Francisco de
Assis: “Senhor, dai-me força para mudar o que pode ser mudado, resignação para
aceitar o que não pode ser mudado, e sabedoria para distinguir uma coisa da
outra”. Penso que é um ato de fé, também, resignar-se diante de algo que não
pode ser mudado, aceitar os desígnios de Deus para nossa vida quando, pelo
discernimento, percebermos que se trata de algo que não está em nossas mãos
mudar.
Quando o Titanic começou a afundar, imagino que os
passageiros e a tripulação queriam, com todas as suas forças, que o navio não
naufragasse nas águas gélidas do Atlântico Norte. Mas, naquele momento, com o
casco completamente avariado, após ter sido rasgado por um iceberg, não haveria
nenhuma força de querer, nenhuma força de pensamento que pudesse ser capaz de
evitar a tragédia e impedir que o transatlântico fosse para o fundo do oceano.
O maior problema dessas receitas de autoajuda é
pressupor que aquilo que funcionou comigo ou funcionou com algumas pessoas
funcionará com todas as pessoas. Cada pessoa é única. Uma pessoa pode não ter
limitações físicas, neurológicas, mas pode ter limitações psicológicas, traumas
que sequer conseguimos imaginar, porque não fomos nós quem os vivenciamos.
Então, dizer para alguém, simplesmente, que se ele
quer ele consegue é, no mínimo, uma forma de eu não me aprofundar no drama que
essa pessoa viveu ou está vivenciando, uma forma de me afastar da dor do outro,
de não ter empatia pelo outro. E quando aplicamos essas fórmulas rasas em nossa
vida, também não deixa de ser um modo de não entrar em contato com a raiz de
nossos problemas, que precisam ser conhecidos, compreendidos, para serem
enfrentados.
Podemos, então, dizer que o “querer” é uma força poderosa,
e é nisso que está a sabedoria do provérbio “querer é poder”, mas não no
sentido de que tudo o que quisermos nós poderemos obter, e que, se não
conseguimos algo, é porque nos teria faltado a força de vontade.
QUERER, PODER E DEVER.
Se eu passar por um banco e encontrá-lo com as
portas abertas, sem guardas de segurança, o cofre aberto, sem câmeras de
segurança e o dinheiro estiver ao alcance das minhas mãos, eu posso querer
pegar o dinheiro, eu posso ter condições de pegar o dinheiro, porque está fácil
de pegá-lo, mas não devo, porque o dinheiro não é meu.
Mesmo que ninguém veja, eu estou vendo o que estou
fazendo. Ainda que seja garantido que a polícia não irá me pegar, eu não me
sentirei em paz em me beneficiar com um dinheiro que não é meu.
A gente costuma imaginar que a privação da
liberdade só acontece quando somos constrangidos pela justiça dos homens. Mas,
na verdade, existe uma privação da nossa liberdade quando cometemos algum ato
que sabemos não ser correto, não ser devido: a liberdade da nossa consciência
tranquila, a liberdade da mente.
Há quem não se sinta nem um pouco incomodado, é
verdade, em causar dano a outrem, mas não acredito que essa inconsciência dure
para sempre. Em algum momento, seja nesta vida ou na vida futura, essa pessoa
que causou algum dano perceberá seu erro e sentirá a dor na consciência, que é
a pior privação da liberdade.
Se existe algum lugar ou alguma dimensão do ser
humano em que ele possa dispor de liberdade total, seria a sua própria mente ou
sua própria alma. E, certamente, aquele que não está em paz com sua consciência
será escravo da necessidade de reparação até que ela aconteça de fato.
Para muitos – e é bem compreensível – o dever
parece uma limitação, uma prisão ou algo que nos escraviza. Mas podemos
enxergar o dever de outro modo, não como as grades da prisão, mas, sim, como a
chave dessa prisão, que nos permite entrar e sair quando quisermos. Aquele que
cumpre seu dever tem sua consciência livre e fortalecida, assim como não se
deixa dominar pelo jugo das paixões.
À primeira vista, a liberdade parece ser exatamente
a possibilidade de satisfazermos os nossos desejos e paixões, mas uma reflexão
mais acurada nos faz perceber que a satisfação desenfreada das paixões é mais
escravidão que liberdade.
Citemos o caso de pessoas que se entregam a vícios
de qualquer natureza, como drogas, por exemplo. No início, a droga traz uma
sensação de prazer efêmera e intensa. Para obter essa mesma sensação, o usuário
precisa de quantidades cada vez maiores da droga, pois o organismo se acostuma
com aquela substância. Em pouco tempo, a pessoa torna-se escrava da droga. Tudo
em sua vida gira em torno do uso daquele entorpecente.
Não é muito diferente o caso das pessoas que se
acostumam com o cigarro, o álcool e até mesmo com relacionamentos abusivos. Há
pessoas que não conseguem sentir prazer, se divertir, se não tiveram um copo de
bebida alcoólica ou um cigarro na mão, da mesma forma como há pessoas que não
conseguem viver sem a presença da pessoa com quem se relaciona, ainda que essa
pessoa lhe infrinja humilhações, agressões e sofrimentos de todo tipo. Nesse
aspecto, o prazer que buscamos torna-se mais escravidão que liberdade.
A prática do dever nos fortalece perante a sedução
das paixões escravizantes. Eu posso até querer fazer algo, mas quando não devo,
não faço. Então, há uma força dentro de mim que se sobrepõe à força que queira
me levar a fazer o que não seja bom, não seja útil ou devido para mim.
Como dizia Paulo de Tarso: “Tudo me é lícito, mas
nem tudo me convém”. Ou seja, eu até posso fazer o que é ilegal, ou o que é
considerado imoral, ou o que não seja ético, ou o que não seja bom para a minha
saúde, mas isso terá consequências boas para mim? Essa é a pergunta que sempre
devemos fazer no exercício da nossa liberdade.
Mas qual o limite do dever? Onde ele começa e onde
termina? Essa resposta ninguém a tem, pois não existe um gabarito disponível
sobre isso em algum lugar. O exercício de procurar saber qual é o nosso dever é
uma consulta diária à nossa consciência. Porém, é necessário ter o cuidado para
discernir aquilo que é, de fato, o que minha consciência fala daquilo que a
sociedade me impõe como dever, daquilo que as religiões instituídas por seres
humanos falíveis me impõem como dever e daquilo que meus pais me ensinaram como
dever.
Daí nascem grandes dificuldades para o exercício do
nosso livre arbítrio, que é a nossa capacidade de escolher e decidir o que é
bom e o que não é bom, o que é justo e o que não é justo, o que é correto e o
que é errado, para então exercermos nossa liberdade de seguir um caminho em vez
de outro.
Em nossa caminhada, nos deparamos com a Igreja que
nos estabelece o dever de frequentarmos semanalmente o culto religioso, para
poder estar com Deus, ou então, o de pagarmos o dízimo para que estejamos
quites com a religião; é comum muitos pais exigirem dos filhos deveres
excessivos para com eles, sob pena de os filhos serem tidos por ingratos; há o
dever imposto pela Pátria de assassinar pessoas desconhecidas de outros países,
para atender, não raro, a interesses escusos de governantes que só querem mais
poder.
Se fizermos um exame de consciência profunda,
podemos chegar à conclusão de que muitos desses deveres não o são de fato; são
deveres que o meio social quer nos impor, mas que estão distantes do dever que
nossa consciência entende por dever. E a consciência sempre terá a liberdade de
perceber o dever de forma diferente do que a sociedade nos impõe.
Se assim não o fosse, leis humanas nunca seriam
mudadas, nunca haveria revoltas de determinados grupos sociais. As leis
evoluem, modificam-se, justamente porque a percepção do que é justo e injusto,
certo e errado, vai mudando com a evolução da sociedade. E a sociedade somente
evolui porque sempre há a possibilidade de cada pessoa optar por pensar e agir
diferentemente do que a sociedade estabeleceu como regra, norma ou dever.
NECESSIDADE.
Enquanto estamos imersos num corpo material, somos
acometidos pela necessidade o tempo todo. Temos necessidade do oxigênio, de
água, de alimento; temos necessidade de nos proteger do frio, do calor e da
chuva; precisamos de abrigo contra as intempéries da natureza; precisamos
atender às nossas necessidades fisiológicas; temos necessidade de repouso;
temos necessidades sexuais, bem como necessidade de afeto.
Há pessoas que usam sua própria vontade, usam sua
liberdade para evitar aquilo que podemos considerar como necessidades. Por
exemplo, há quem realize longos jejuns, evitando o alimento, com vistas a
alcançar um estado mental de maior liberdade perante o jugo que a matéria
exerce sobre nossa mente. Há quem escolha o celibato como uma forma de alcançar
algum tipo de contrapartida, seja espiritual, seja visando uma maior liberdade
espiritual. Temos essa liberdade de buscar impor nossa vontade sobre nossas necessidades,
mas há sempre um grande esforço para isso, há um preço a pagar.
Deixar de se alimentar, privar-se do sono, do sexo,
do prazer, expor-se ao frio por um motivo qualquer, sempre é possível quando se
tem uma vontade firme, mas a necessidade sempre está ali, rondando nossa mente.
Quando a necessidade não é satisfeita, não deixa de existir uma espécie de
escravidão mental em relação àquilo de que a pessoa está sendo privada. É muito
comum, por exemplo, em reality shows
de programas de TV relacionados a testes de sobrevivência, as pessoas que se
encontram nessa situação somente falarem sobre uma boa comida, água pura, um
bom banho, ou seja, sobre tudo o que lhes falta naquele momento.
Essa constatação nos leva a concluir que aquilo que
mais falamos ou pensamos o tempo todo é o que mais sentimos falta. O que
sentimos mais necessidade não deixa de ser, desse modo, uma forma de escravidão
mental, uma privação da liberdade. A necessidade impõe, assim, limite à minha
liberdade. Preciso satisfazer à minha necessidade ou, no caso de alguns,
preciso me esforçar, me disciplinar, para me sobrepor à força coercitiva da
necessidade, de modo a me libertar um pouco do seu jugo.
Algumas necessidades eu consigo postergar, suportar
ou até suprimir, mas sempre pagando um determinado preço. Pessoas conseguem
ficar sem respirar por 6 a 7 minutos, ou até muito mais; sem água por 3 a 5
dias; é possível ficar sem alimento por algumas semanas. Mas quanto tempo
podemos ficar sem amor, sem prazer, sem carinho, sem afeto?
Há pessoas que passam uma vida sem terem essas
necessidades satisfeitas, porém isso afeta profundamente sua liberdade. Da
mesma forma como alguém que suprime sua respiração fica escravo mentalmente da
necessidade de respirar; do mesmo modo que alguém que não bebe água há 3 dias
fica aprisionado à necessidade de se hidratar, a pessoa que não tem suas
necessidades psicológicas atendidas vê-se escravo dessas necessidades, ou seja,
sua liberdade está sendo cerceada pela necessidade.
Muitos conseguem sublimar essas necessidades
psicológicas, direcionando sua energia para coisas saudáveis. Por exemplo, há
quem não tenha recebido amor, afeto dos pais na infância e sublime essa
carência realizando obras úteis, praticando ações de amor ao próximo, o que
demonstra, fortemente, que sempre há uma alternativa, sempre há uma possibilidade
de fazermos escolhas diferentes daquelas que a vida nos conduziu.
Essa reflexão nos conduz a perceber toda a real
complexidade que envolve a palavra liberdade. E a necessidade é um componente
de peso na questão da liberdade, pois a impossibilidade de atender às minhas
necessidades pode me escravizar. Uma pessoa que esteja sofrendo de uma dor
lancinante, por exemplo, será escrava dessa dor que a atormenta, até que lhe
seja atendida a sua necessidade de alívio.
O mesmo exemplo pode ser estendido a doenças, sejam
elas físicas ou psiquiátricas. A doença nos limita ou nos incapacita
momentaneamente de realizarmos aquilo que gostaríamos de fazer, como um lazer
ou um trabalho, por exemplo. Já a doença psiquiátrica é uma forma de limitação
da minha liberdade bem mais profunda, pois afeta a minha liberdade de
consciência, de pensamento, que é, como já dissemos, a dimensão onde teríamos a
mais ampla liberdade.
Nem toda necessidade que acreditamos ter é, de
fato, uma necessidade. Há necessidades que são criadas de modo artificial,
forjadas pela sociedade. Um exemplo disso são as falsas necessidades
estabelecidas pelo consumismo. A necessidade de escoamento da produção cria um
bombardeio de propagandas sobre o que precisamos para sermos felizes, como se
fossem necessidades.
A roupa nova de marca, o carro esportivo de luxo, a
casa dos sonhos, as viagens para lazer a todo momento são necessidades criadas
pelo meio social. Não são necessidades reais. Temos, sim, necessidade de nos
vestirmos, de nos locomovermos, de realizarmos atividades de lazer, prazerosas,
necessidade de abrigo, porém o consumismo nos leva a crer que temos mais
necessidades do que as que realmente temos.
Essas falsas necessidades geradas pelo consumismo
nos levam a uma escravidão mental maior, tornando-nos seres desejantes e
insatisfeitos o tempo todo. Uma vez satisfeito o desejo, tido por necessidade,
desejamos outra coisa, e depois outra. Isto é da natureza humana. O consumismo
é só o reflexo dessa nossa condição humana, mas que é potencializada pela
estrutura social da vida moderna, que criou indústrias, empregos, produtos, e
precisa que seus produtos sejam consumidos, para que se gerem mais indústrias,
empregos, produtos, num ciclo interminável.
O resultado disso é que vivemos aprisionados às
falsas necessidades criadas pelo consumismo, sendo necessário nossa consciência
avaliar, a cada dia, o que é, de fato, necessário e o que é apenas desejo sem
controle, sem disciplina, sem limites.
FORÇA COERCITIVA DO MEIO.
São muitas as influências que o meio nos impõe,
seja o meio físico ou o meio social. Recebemos influências da educação, do
afeto ou a falta dele que recebemos de nossos pais; somos influenciados pela
cultura de nosso país, pelo clima, pelos costumes sociais vigentes, pelas leis
do país que habitamos; sofremos influência das pessoas com as quais interagimos
durante nossa vida, e essas interações podem ter sido abusivas, violentas, traumáticas,
ou positivas, estimulantes, benéficas.
Somos influenciados pelas estações do ano, pelos
dias de Sol e pelos dias de chuva. Mas como essa influência é percebida por
cada pessoa varia muito. Há quem fique deprimido nos dias sem Sol e no inverno,
mas há quem se sinta confortável em momentos assim.
Assim como o Astro-Rei nos influencia, também somos
influenciados, de modo mais sutil, pelos ciclos lunares. E se somos
influenciados pelo Sol e pela Lua, não há nada de absurdo na ideia de que somos
influenciados pelos demais planetas e estrelas.
Mas essas influências não determinam o que nós
somos; apenas definem as condições em que nos situamos e nos desenvolvemos. Se
uma planta nasce num terreno pedregoso, árido, rochoso, terá condições mais
adversas para se desenvolver. Com um pouco de cuidado, adubagem e tecnologia, é
possível enfrentar essas adversidades.
Da mesma forma, se sofremos as piores influências
possíveis do meio, ainda assim podemos nos desenvolver, embora o esforço
interior de nos sobrepormos às adversidades seja grande. Como dizia o filósofo
Jean-Paul Sartre: “Não importa o que a vida fez de você, mas o que você faz com
o que a vida fez de você”.
Sejam quais forem as forças que cerceiam nossa
liberdade, sempre dispomos da liberdade de escolher como queremos agir, sempre
temos a possibilidade de pensarmos diferente e tomar o rumo para nossas vidas
que a nossa consciência nos fala.
INFLUÊNCIA DO ORGANISMO
Do mesmo modo, nosso organismo, nossa genética nos
influencia. Para o materialista, aquele que não enxerga no ser humano senão um
conjunto de células e órgãos, nós seríamos o produto da nossa genética. Nosso
pensamento seria produto do nosso cérebro, assim como o suco gástrico é um
produto do nosso estômago.
Para o materialista, o livre-arbítrio seria uma
ilusão, já que o nosso pensamento, nossa vontade, nossos pendores, habilidades,
nossas tendências seriam apenas produto do cérebro. Mas quem pode afirmar ou
negar, com certeza, que nosso cérebro não seria apenas um órgão pelo qual se
manifesta nossa alma?
Existem inúmeros relatos de pessoas consideradas
mortas, ou em estado de coma, que se veem flutuando sobre o corpo, têm
experiências fora do corpo, pensam, sentem alegria, paz, felicidade, visitam
lugares considerados paradisíacos, conversam com familiares que já morreram,
tudo isso num estado em que o cérebro não poderia estar em atividade. Isto é um
indício de que o cérebro, assim como os demais órgãos físicos, apenas permite a
manifestação desse ser que está momentaneamente imerso na matéria.
O corpo físico é como um instrumento musical. O musicista
– no caso, a alma da pessoa – pode ser talentoso e grande instrumentista, mas
se o instrumento está desafinado ou defeituoso, não poderá resultar disso uma
bela música. Se o musicista não é um bom músico e o instrumento for da mais
alta qualidade, ainda assim a música produzida não será boa. Porém, se o músico
for bom e o instrumento também, a música produzida será de ótima qualidade. A
música, nessa metáfora, seria a forma como a pessoa vive, suas ações, suas decisões,
como exerce sua liberdade no mundo.
O instrumento, por si só, não faz uma boa música,
mas pode limitar a ação do músico – no caso, a alma. Isso mostra que o corpo
exerce enorme influência sobre a alma, mas a alma não é produto do corpo. O
corpo pode limitar a manifestação da alma, estabelecendo freios, limites, ou pode
permitir a sua mais livre manifestação. Porém, o corpo é apenas o veículo de
manifestação da alma, sendo mais ou menos maleável a manifestação dessa
essência que pensa, sente e tem livre arbítrio.
ENFIM, LIVRE.
Creio que a liberdade plena somente pode ser
imaginada e compreendida quando, num exercício de pensamento, pudermos imaginar
o ser humano liberto da matéria, das suas necessidades, assim como liberto das
paixões que o escravizam. Se a alma é um ente independente da matéria, não há
nada de absurdo imaginar que ela sobrevive à morte do corpo e continua sua
jornada.
E nessa jornada de progressão infinita, de
exercício incessante da liberdade, com a constante colheita das consequências
das escolhas que faz, a alma vai aprendendo e se aperfeiçoando cada vez mais,
vivendo em diversos corpos materiais, em diversas experiências carnais que lhe
permitam o desenvolvimento de sua consciência.
Nessa caminhada de aprendizado sem fim, chegará um
momento em que a consciência da alma será tão afinada com as leis da vida, que
ela sequer irá desejar o que não deve ou o que não é bom para ela. Será então quando
o Ser fará somente o que deve, porque quer. Sua única necessidade será o bem, compreendido
em toda a sua plenitude. Mas, longe de ser uma necessidade escravizante,
imagino que o bem supremo, sentido, praticado e escolhido, seja a libertação
definitiva de nosso ser.
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