Texto de: Alexandre Paredes
No Brasil de hoje, se eu disser que houve tortura e ditadura, sou chamado de lulopetista.
Se eu falar que o País não pode mais compactuar com a corrupção que vivemos nos últimos anos, me veem como bolsonarista.
Se defendo os direitos humanos e o meio ambiente, dizem que tenho um viés ideológico.
Se menciono que é preciso tornar a máquina estatal menos onerosa e mais eficiente, me chamam de neoliberal.
Se defendo que as prostitutas são seres humanos, que devem ser tratadas com respeito e dignidade, se defendo o direito de minorias oprimidas, se defendo o direito das mulheres, me chamam de esquerda.
Se falo que sou contra a legalização do aborto provocado, porque o feto também tem direito à vida, me chamam de coxinha.
Se digo que o Estado deve ser laico e que as religiões no mundo, aliadas à política, foram responsáveis pelas piores guerras e os maiores absurdos contra a humanidade, me chamam de subversivo.
Se argumento que uma sociedade sem Deus e sem valores morais é uma sociedade condenada à decadência, me chamam de gado.
Se defendo o direito dos gays e lésbicas de terem o casamento reconhecido pela sociedade, dizem que sou progressista.
Se valorizo o empreendorismo, o trabalho, o esforço e o progresso, em vez do assistencialismo, me chamam de conservador.
Se digo que não se reformam sistemas sem reformar mentalidades, e que nenhum sistema econômico ou político logrará êxito sem reformarmos a nós mesmos, me chamam de anarquista.
Se afirmo que nunca houve comunismo de fato, e que as experiências socialistas que já existiram firmaram-se com base em grandes mentiras, me chamam de capitalista.
Se digo que a nossa sociedade deve lutar pela igualdade de direitos de acesso à educação e saúde de qualidade, e às mesmas oportunidades, me taxam de socialista.
Se explico que, entre os extremos, existe o caminho do bom senso e da construção coletiva da nossa realidade, não com base em ideologias prontas de teóricos de séculos passados, me chamam de ignorante ou ingênuo.
Quando foi que passamos a ver o outro como um rótulo, uma embalagem, uma ideia pronta?
Quando foi que deixamos de ouvir, escutar o que outro tem a dizer e a defini-lo antes mesmo que ele diga alguma coisa? Quando foi que passamos a nos tornar os donos da verdade?
Quando foi que nos tornamos cegos, de uma cegueira seletiva, em que insistimos em não ver aquelas evidências que nos obrigariam a rever nossos posicionamentos arraigados e apaixonados?
Temos que sair dessa visão tosca e míope do mundo. Nenhum teórico do século XIX tem a solução pronta para nossos problemas de hoje, apesar de nos trazerem belas reflexões.
Muitas ideologias são boas, mas qualquer ideologia sucumbe diante do interesse pessoal. Até quem defende uma não-ideologia já está apresentando uma ideologia, pois elas são sistemas de ideias e nada se implanta no mundo sem o amparo de ideias.
Quando foi que deixamos de refletir, estudar com profundidade, para aderirmos tão facilmente a discursos vazios, partidarismos estéreis e a fake news?
Como foi que deixamos que a Sociologia e Filosofia nas Universidades passassem a serem vistas como desperdício de dinheiro do contribuinte? Acredito que uma sociedade que soubesse pensar, questionar, repensar a si mesma com o mínimo de ponderação e equilíbrio daqueles que estudam com profundidade não estaria nessa polarização tão grande e nesse embate tão improfícuo de nossos dias.