Artigo de: Alexandre Paredes
Comparações fazem parte do nosso quotidiano, especialmente num mundo tão
competitivo como o nosso, em que, muitas vezes, o valor das pessoas é mensurado
com base em atribuição de notas acadêmicas, pontuações curriculares, número de
seguidores nas redes sociais, na quantidade de livros vendidos, de
visualizações do conteúdo publicado na web, no valor do contracheque ou no
tamanho do patrimônio. Mas é justamente essa cultura de comparação que nos leva
a não evoluirmos como pessoas, nem ajuda muito a tornar melhor a nossa
sociedade.
A inteligência, por exemplo, é uma capacidade do sujeito de aprender, de
compreender, de absorver e sintetizar ou produzir o conhecimento, de resolver
problemas novos. Mas são muitas as formas de inteligência. A inteligência de um
Albert Einstein é muito diferente da de um Pelé ou da inteligência de um Ludwig
Van Bethoven. Ainda que Pelé não
conseguisse compor uma Nona Sinfonia, talvez Bethoven não teria sido tão bom
com a bola nos pés. E mesmo que Einstein tenha sido tão brilhante em decifrar
os enigmas da Física, talvez ele não tivesse uma habilidade tão grande para
escrever um poema ou para criar uma coreografia.
Falta de inteligência seria uma limitação dessa capacidade. Mas há
muitas pessoas inteligentes em algumas áreas que apresentam uma desinteligência
em outras. É o exemplo de pessoas com grande inteligência para resolverem
problemas matemáticos ou lógicos, mas com grande dificuldade para lidar com as
próprias emoções.
O mesmo se pode falar sobre conhecimento e ignorância. Todos sabemos
muitas coisas e ignoramos outras. Há quem conheça as leis que regem o Universo,
as partículas subatômicas, que saiba como ocorrem o nascimento e a morte das
estrelas, mas ignore como se pesca um peixe. Não há nenhum problema nem ofensa
em ser ignorante em alguma coisa. O problema está em não reconhecer a própria
ignorância.
Não deveríamos nos sentir ofendidos por nos considerarem ignorantes,
porque o que sabemos é sempre um saber limitado, um saber relacionado à nossa
experiência de vida, acadêmica ou restrita ao que lemos ou estudamos. Todos
conhecemos algumas ou muitas coisas e desconhecemos muito mais.
Então, comparações são sempre deficientes e inoportunas, porque toda a
avaliação do que somos dependeria de uma referência externa. Somos limitados?
Inteligentes? Sábios? Ignorantes? Mas qual a referência? Sempre haverá alguém
mais inteligente ou menos inteligente do que nós; sempre haverá alguém mais
sábio ou menos sábio do que nós; mais belo ou mais feio, e assim por diante.
Se um grande músico erudito apresentasse sua mais bela composição diante
de uma plateia de metaleiros, sua música seria considerada entediante ou um
sonífero. Seria motivo de hostilidades e de ridicularização. E se uma grande
banda de Heavy Metal tocasse diante de intelectuais eruditos, essa plateia
provavelmente abandonaria o local. Que música é a melhor e qual a pior? Não
podemos dar essa resposta, porque o referencial estético é subjetivo.
A maioria de nós, ao comparar uma bela flor a uma aranha, talvez diga
que a flor seria bela, e a aranha, feia. Mas por que motivos teríamos elegido
esse animal, que tece uma teia de forma tão espetacular e se movimenta com
tanta agilidade, como modelo de algo repugnante? Talvez porque nossa mente
associe o belo a algo que nos seja agradável e o feio a algo que nos pareça
ameaçador. De qualquer modo, tanto a flor quanto a aranha são dotadas de uma
beleza única, incomparável.
Ainda que comparemos uma flor com outra flor, ou uma flor com outra da
mesma espécie, elas nunca serão iguais, ou seja, são de uma beleza única. Essa
questão nos leva a entender que as comparações que fazemos não são úteis, nem
são legítimas. A única comparação que nos é legítima é aquela que fazemos de
nós para com nós mesmos, quando comparamos o que somos com o que fomos, quando
comparo o meu “eu” de hoje com o de ontem, ou quando comparo o que sou com o
que eu almejo ser.
Quando nos comparamos a alguém, geralmente caímos na armadilha de nos
acharmos muito bons em algo, porque isso, de algum modo, excita o nosso ego,
traz-nos alguma compensação. O ego se sente confortável em saber que sou melhor
do que alguém em algo, mas essa postura apenas cria uma ilusão, pois me faz
permanecer de olhos fechados a todas as demais características nas quais aquela
pessoa está à minha frente. Essa comparação me faz permanecer acomodado na
minha zona de conforto, enquanto a comparação comigo mesmo me faria buscar ser
melhor do que já fui, e não melhor do que ninguém.
Outra situação destrutiva em nossas vidas é, ao me comparar às demais
pessoas, constatar o quanto elas são melhores do que eu, mais belas, mais bem
sucedidas, inteligentes e assim por diante. Esse olhar permanente para o outro
nos desloca de nós mesmos e esvazia nossa vida, na medida em que nos ausentamos
de nós mesmos, de nossa realidade, não nos permitindo valorizar nem vivenciar
plenamente as coisas boas que temos ou conquistamos.
É uma outra forma de ilusão, pois o que o outro me mostra ou que mostra
para o mundo é apenas uma fração de sua vida. Cada ser humano é como nossa Lua,
que só mostra uma face para o mundo, mantendo uma face oculta, muitas vezes de
dores, conflitos, injunções. Desconhecemos suas lutas íntimas, suas aflições,
os sacrifícios que passou para chegar aonde chegou. E como só vemos o lado bom
e glamouroso do outro, tendemos a achar nossa vida menos significativa e
passamos a alimentar um sentimento de menos valia, que é uma distorção da
realidade.
Em as Viagens de Gulliver, esse clássico literário de Jonatham Swift, o
personagem dessa história encontra um lugar de pessoas pequenas e depois
descobre uma terra de gigantes. Na terra de gigantes, ele se sentia um ser
minúsculo, enquanto na terra de pequeninos, ele se sentia um gigante. É uma
bela metáfora do que nos ocorre quando nos comparamos. Quando o referencial são
os outros, temos a tendência a fazer um julgamento distorcido de nós mesmos,
porque nos avaliamos com base naqueles que estão ao nosso redor.
Por mais virtudes ou qualidades que tenhamos, essa percepção sempre está
calcada na referência que temos de pessoas ao nosso redor. Se estamos rodeados
de pessoas que têm de sobra essas qualidades, tendemos a nos sentirmos
diminuídos, e se estamos rodeados por pessoas com deficiência dessas
qualidades, acabamos por nos sentirmos soberbos ou melhores do que os outros.
Mas, em essência, não mudamos em nada o que somos; permanecemos sendo as mesmas
pessoas. O que mudou foram tão somente os referenciais externos.
Quando alguém nos ofende, insultando-nos com adjetivos pejorativos a
respeito de nossas capacidades, limitações, características morais ou físicas,
geralmente sentimo-nos ofendidos ou diminuídos porque nos fixamos em
comparações. Se aprendermos a reconhecer o que temos de bom e único dentro de
nós e focamos em desenvolvermos as coisas boas que temos, não sofreríamos por
não sermos o que não somos, nem nos ofenderíamos com comparações.
Imagine se o grande jogador de futebol Romário se sentisse ofendido
porque tivesse sido chamado de péssimo goleiro, zagueiro ou nadador. Ele tinha
uma habilidade única diante do gol do adversário, mas provavelmente não teria
sido um bom zagueiro, porque não era uma característica sua ser um grande
marcador. Isso não diminuiria em nada suas virtudes como jogador de futebol,
pois ele tinha mais vocação para ser goleador, e não defensor.
Acredito que todas as pessoas têm algo dentro de si único, um potencial
latente que a torna especial. Quando nos ocupamos demais em nos comparar com as
demais pessoas, caímos no erro de querermos ser como elas e deixamos de fazer
brilhar aquilo de especial que há em nós.
Talvez o pintor Pablo Picasso tivesse sido considerado um pintor
medíocre caso houvesse buscado ser como os demais pintores e pintar conforme o
padrão artístico vigente em sua época. O que seria das artes plásticas, por
exemplo, sem a excentricidade de um Van Gogh? Se ele tivesse dedicado sua vida
a produzir uma arte “normal”, o mundo só teria a perder.
Seguindo esse mesmo raciocínio, talvez não teríamos o brilho da cantora
Shakira no mundo Pop caso ela tivesse ficado paralisada pelas críticas que
pessoas fizeram à sua voz quando ela começou a cantar, porque, comparavam-na
com as demais cantoras e diziam que sua voz parecia com a de um “bode”.
Todos temos arestas a aparar, imperfeições a corrigir, deficiências a
consertar, porém, em muitas ocasiões, aquilo que parece ser nosso maior defeito
pode ser, na realidade, uma virtude, dependendo da perspectiva. E ninguém
consegue transformar a si mesmo desvalorizando a si próprio, rejeitando o que
se é em nome do que se quer ser; ninguém se torna uma pessoa melhor sem amar a
si mesmo com tudo o que é, com tudo o que tem, suas luzes e suas sombras, suas
flores e seus espinhos.
É necessário, antes de tudo, olhar para si mesmo com amor, porque cada
um de nós é um ser único; cada um de nós é uma centelha; cada um traz em si uma
semente, que guarda o potencial de uma árvore imensa ou de uma delicada planta
com belas flores, ou possuímos várias sementes, de dons, de habilidades, de
capacidades únicas e incríveis, que esperam ser descobertas, amadurecidas, desenvolvidas,
aguardando de nós o comando do “brilhe vossa luz”. E essa luz não será acionada
enquanto permanecermos nos comparando às demais pessoas.