Artigo de: Alexandre Paredes
A utilização dos termos esquerda e
direita em política teve início após a Revolução Francesa. No parlamento,
sentavam-se à direita aqueles que defendiam a manutenção dos privilégios dos
aristocratas (nobres e donos de terras) e do clero (membros da Igreja
Católica), enquanto à esquerda sentavam-se aqueles que defendiam os interesses
da burguesia, que era a classe que sustentava os privilégios das classes
favorecidas, ou seja, pagavam a conta.
Por razões óbvias, aqueles que
detinham os maiores privilégios da sociedade lutavam por conservá-los, enquanto
as demais classes lutavam por mudanças. O clero, como era uma classe
privilegiada, evocava a ideia do direito divino ou da vontade de Deus para que
as classes permanecessem como estavam.
A burguesia era uma classe recente
na história da civilização. Surgiu do comércio num mundo que era, na Idade
Média, governado pelos donos de terras, os aristocratas. Só posteriormente, a
burguesia tornou-se sinônimo de classe privilegiada, quando o capital tornou-se
o valor maior da sociedade. Mas, até a Revolução Francesa, ainda era uma classe
em ascensão.
Nunca haverá paz e justiça social enquanto
houver privilégios e privilegiados, que legislam para si mesmos, para a
manutenção de seus benefícios injustificados. Também não é possível ter uma
sociedade justa se houver ascensão social sem esforço, sem trabalho, ou quando
se veem como inimigos aqueles que geram empregos e pagam salários.
Mas também é uma ilusão imaginar
que, no sistema Capitalista puro e simples, sem as proteções e iniciativas do
Estado, possa haver emprego digno para todos ou oportunidades minimamente
semelhantes para todos. Esse sistema, por estar calcado numa competição
desigual, em que uns nascem com oportunidades que lhes dão grandes vantagens
sobre os demais, e outros que vivem sem acesso a uma educação de qualidade, em um
ambiente social hostil e desfavorável, produz, cada vez mais, pessoas à margem
da sociedade.
Isto aumenta, gradativamente, as
desigualdades sociais, na medida em que os mais bem dotados de condições sociais,
culturais e econômicas de nascimento tendem a ampliar sua vantagem sobre os
demais membros da sociedade. E numa sociedade em que os ricos tendem a ficar
mais ricos, e os pobres, cada vez mais pobres, é de se esperar que haja
conflitos sociais e violência.
Outra ilusão é crer que se possa
estabelecer a igualdade por meio da força, por meio de sistemas ou decretos.
Primeiro, porque leis e sistemas são incapazes de mudar o interior do ser
humano, suas ambições, a inveja, a cobiça, o desejo de ser mais e de se
sobressair sobre as demais pessoas. Leis são impotentes para inibir ódios ou
para tornar o ser humano mais amoroso ou gentil. Depois, porque os seres
humanos são desiguais por natureza, desiguais no modo de encarar a vida, nas
aptidões, nas competências, nos desejos e nos valores que abraçam como os mais
importantes para uma vida significativa ou feliz.
A associação da esquerda ao
Socialismo e ao Comunismo veio somente no Século XIX, com as ideias de Karl Marx
e Friedrich Engels. Sem querer entrar no mérito das ideias desses pensadores, a
que queremos ressaltar é a da “ditadura do proletariado”, que seria uma
consequência natural, segundo eles, da ascensão do proletariado ao poder em
virtude da evolução da luta de classes. Na época desses pensadores, o
proletariado é que estaria à esquerda, enquanto a burguesia, que era a classe
que detinha o poder do capital, estaria à direita.
Essa premissa da “ditadura do
proletariado” é ingenuamente falsa, porque aquele que antes foi de uma classe
menos favorecida, ao ascender ao poder, torna-se um detentor de privilégios, de
condições materiais e de vida mais favoráveis. Desse modo, à exceção dos homens
virtuosos e desprendidos do poder e de riquezas, ele logo se esquece de sua
situação anterior e dos seus companheiros menos afortunados para desfrutar das
benesses que o poder permite, ou seja, deixa de ser do proletariado.
É por essa razão que os homens que
chegam ao poder, independentemente de ideologias, de esquerda ou de direita, partidos
políticos a que estão filiados, podem ser corrompidos ou podem tornar-se
indiferentes à população para cuidar dos seus interesses pessoais, situação que
se agrava quando se suprime a liberdade em nome da igualdade.
Então, não importa se aquele que ascendeu
ao poder é um monarca, um proletário ou um empreendedor; não importa se veio de
família pobre ou de família rica; se defende ideias de esquerda ou de direita:
Todo ser humano está sujeito a esquecer tudo o que foi e tudo o que defende
para atuar em benefício de seus interesses próprios. “Queres conhecer uma
pessoa; dá-lhe o poder”, diz o ditado.
Assim, associar a corrupção à
esquerda ou à direita é uma ideia ingênua ou apaixonada, destituída de
racionalidade, quando não de má-fé, porque não são as ideologias, nem partidos
que são corrompidos ou que corrompem; são os seres humanos. E geralmente são
corrompidos ou corrompem aqueles que se encontram no poder, independentemente
da sigla a que estão afiliados.
O mesmo se pode dizer com relação
à ditadura, que tem ou teve representantes tanto na esquerda quanto na direita,
porque o autoritarismo é uma condição humana, de líderes com mentalidade
autoritária e de liderados que buscam no líder um messias, um salvador da
pátria, em vez de serem protagonistas na melhoria da sociedade em que estão
inseridos.
É um erro comum associar a
esquerda à ditadura. Se é certo que os pensadores do Comunismo e do Socialismo teorizaram
a “ditadura do proletariado”, fica claro que essa visão política de mundo
polarizada entre esquerda e direita veio anteriormente às ideias de Marx e
Engels.
Então, a esquerda, em linhas
gerais, apenas defende os interesses das classes menos favorecidas, o fim de
privilégios injustificados das classes mais favorecidas e mudanças progressivas
na sociedade, sendo o Comunismo apenas uma vertente dos pensadores de esquerda.
Ou seja, o Comunismo e o Socialismo surgiram das ideias de pensadores de
esquerda, mas a esquerda não se resume a esses regimes.
Muitas pessoas trazem em si uma visão maniqueísta do
mundo e da sociedade: a de que o bem está de um lado e o mal de outro; a de que
o bem somos nós e o mal são os outros, ou aqueles que pensam diferente de mim;
a de que o bem está na direita e o mal está na esquerda ou vice-versa. O bem e
o mal, a verdade e o erro, a honestidade e a hipocrisia, a virtude e o vício
estão espalhados em todas as nações e visitam, de forma indiferente, todas as
classes sociais, todas as ideologias, todos os sistemas, todos os seres humanos,
todos os partidos, todos os políticos.
Essa visão de mundo, dividida
entre esquerda e direita é, e sempre será, estreita, tacanha, por razões muito
simples. Primeiro, porque essa visão de partido é partida, fragmentada, e toda
forma de ver que se foca somente numa parte, deixa de considerar o todo.
Depois, porque ela parte do princípio de que existe e sempre haverá uma
permanente luta de classes e que, ao invés de solucioná-la, fomenta-a,
polarizando a sociedade.
Trata-se de uma visão reducionista
da realidade, porque reduz nossa percepção de mundo e nossa opinião sobre
vários temas intrincados da nossa vida em sociedade, como liberdade, direitos
humanos, casamento homoafetivo, aborto, porte de armas, desenvolvimento
sócio-econômico, costumes e regras sociais, propriedade privada, entre outros,
à pauta de uma infindável luta de classes, que se antagonizam perpetuamente.
É como se colocássemos toda a
complexidade da vida e das questões debatidas dentro de uma perspectiva de um
cabo de guerra, em que cada um de nós pudesse escolher apenas um lado, e a
partir do momento em que escolhêssemos um dos lados, tivéssemos que aderir por
tabela a todas as pautas defendidas pelo lado escolhido. Após essa escolha
realizada, passamos a fazer força para puxar a corda para um lado ou para
outro, como se nossas escolhas como sociedade, como humanidade, pudessem ser
resumidas a ser a favor ou contra alguma coisa.
A partir do momento em que as
pessoas escolhem o lado com o qual mais se afinizam, as ideias com as quais
mais se identificam, geralmente passam a ter uma relação afetiva com aqueles
políticos, partidos ou nações que o representam. Essa relação acontece, não
muito raramente, de forma apaixonada, de forma semelhante ao que ocorre com uma
torcida de um time de futebol.
Nada mais irracional do que a discussão entre torcedores
de times de futebol rivais, que sempre interpretam algum lance irregular do
jogo sob a ótica da paixão, sob a ótica da defesa do meu time em detrimento do
outro, tornando-me cego perante os méritos do outro time ou perante a justiça
do árbitro.
Como toda paixão é cega, o que se observa,
frequentemente, é uma cegueira seletiva: Só enxergamos o mal, a corrupção, a
incompetência, o erro, no “time” adversário, e ficamos cegos perante essas
mesmas circunstâncias quando se trata do “time” que elegemos para torcermos.
Algo semelhante ocorre no
julgamento de um crime na sociedade em que vivemos. Os advogados de uma parte
ou outra, na maioria das vezes, não contribuem para a vitória da verdade e da
justiça, mas lutam para a vitória sobre a outra parte, usando, não raro, de
artifícios escusos e de mentiras diante do tribunal.
Essa forma apaixonada e interesseira de ver o
mundo distorce a verdade, o que resulta numa guerra de discursos e de
narrativas sobre os fatos. Para que possamos enxergar a verdade e julgar com
discernimento, seria necessário colocarmo-nos na condição do juiz, na metáfora
do julgamento no tribunal, e não do advogado de uma parte ou de outra.
Há um grande abismo entre
discursos e práticas, tanto na esquerda quanto na direita, o que gera grande
confusão na mente das pessoas. No caso da direita, não é incomum, por exemplo,
observar países que adotam o discurso do liberalismo econômico como melhor
alternativa para a economia, porém adotam medidas protecionistas em relação aos
seus próprios mercados. No caso da esquerda, não é raro, por exemplo,
observarmos a luta de determinadas classes pelo fim de privilégios das classes
mais favorecidas, enquanto defendem a manutenção dos próprios privilégios.
Em nosso tempo, observarmos a direita levantar a
bandeira, por exemplo, da defesa dos costumes tradicionais, do Cristianismo, da
pena de morte e do porte de armas. Mas por que razões o ser humano, no decorrer de
sua história pôde associar a pena de morte e o porte de armas generalizado ao
Cristianismo, se Jesus pregava o perdão incondicional e sem limites, o amor até
mesmo aos inimigos? se foi o próprio Cristo que, no alto da cruz, disse, em
relação aos seus algozes “Pai, perdoai-os, pois eles não sabem o que fazem”? e
se foi, também, Jesus, no momento em que seria preso, que disse a Simão Pedro
“Põe tua espada na bainha, pois quem com ferro fere, com ferro será ferido”?
Não há coerência em associar Jesus a essas bandeiras.
Por outro lado, a esquerda tem por pilar maior a defesa
da igualdade de condições entre os cidadãos. Em seus discursos, geralmente
observamos a defesa dos direitos dos excluídos, das minorias oprimidas, dos
trabalhadores, dos mais pobres. Porém, não raro, veem-se líderes de esquerda
que se deixam levar pela corrupção ou pelo luxo, e passam a defender seus
próprios interesses, enquanto mantêm sua retórica em defesa dos menos
favorecidos. É, no mínimo, incoerente e hipócrita.
O que dizer também, por exemplo, da defesa do aborto
provocado e industrial, como se fosse uma ideia progressista, já que se trata
de um assassinato (exceto quando em caso de risco de morte da mãe) a uma
minoria oprimida e sem voz, que são os fetos nos ventres das mães? Embora a
esquerda esteja alinhada a um discurso auto-intitulado de “progressista”, não
há como se esperar progresso por meios como este, mas apenas a decadência de
uma sociedade.
O termo “conservador” é utilizado para designar aquelas
pessoas com princípios de moralidade rígidos, geralmente baseados em dogmas
religiosos ou de doutrinas, ou a pessoas que não são muito favoráveis a
mudanças na sociedade e nos costumes, enquanto o termo “progressista” é
geralmente utilizado para as pessoas que buscam e querem mudanças na sociedade
e nos costumes. Ocorre, porém, que nem todas as mudanças são para melhor, ou
seja, mudança nem sempre é sinônimo de progresso. Um assassinato, por exemplo,
será sempre um crime, seja hoje ou daqui a alguns séculos, ainda que chancelado
por uma sociedade inteira, e nunca será precursor do progresso.
Não há como um assassinato ser realizado em boas condições,
e isto vale tanto para a pena de morte, geralmente defendida pela direita,
quanto para o aborto provocado ou o suicídio assistido, geralmente defendidos
pela esquerda. Os nazistas se felicitavam por terem encontrado uma forma “asséptica”
e pretensamente indolor de exterminar pessoas indesejadas, como foi o caso das
câmaras de gás. Mas isto não tornou o crime menos criminoso. Pelo contrário, a
frieza e a racionalidade com que se cometiam assassinatos contra judeus, ciganos, homossexuais,
deficientes e outras minorias tornaram tais crimes ainda mais cruéis e
hediondos, porque foram realizados por uma sociedade civilizada e avançada
intelectualmente.
Vivemos numa incessante batalha de discursos, de teorias,
de retóricas, em que a esquerda geralmente refugia-se num futuro utópico,
enquanto a direita busca o retorno a um passado idealizado e que nunca existiu
de fato. Basta um breve olhar para a história da humanidade para percebermos
que a ideia de que houve um tempo em que tudo era melhor, e em que,
pretensamente, havia um maior senso moral não se sustenta.
Na batalha de narrativas em que nos encontramos
mergulhados, é comum associar as ideologias que abraçamos como melhores ou mais
verdadeiras aos exemplos dos países bem-sucedidos que adotam ou adotaram ao
longo de sua história tais ideologias. Esquecemo-nos, porém, de que muitos dos
países que usamos como modelos de sucesso conquistaram sua condição de
liderança econômica, militar e/ou política a partir do espólio dos países
vencidos, vitimados por injustiças e pela tirania dos países mais poderosos.
Poderíamos, por exemplo, usar o antigo Império Romano
como modelo de sucesso civilizatório, dada a forma com que se organizava sua
sociedade, porém não se pode esquecer a avassaladora escravização de seres
humanos da época e o massacre de vários povos denominados bárbaros, vencidos,
escravizados, espoliados. O mesmo raciocínio poderia ser aplicado à realidade
atual: Não existe modelo de sociedade bem-sucedida enquanto ela estiver baseada
na subjugação de outros povos, ou na opressão de seu próprio povo ou de suas minorias.
Sobre essa incessante busca da
humanidade por soluções políticas para seus males, ora pendendo para a
esquerda, ora para a direita, gosto de utilizar uma figura para ilustração. Imagine
um edifício que está sendo tomado por um incêndio de grandes proporções. Os
ocupantes do prédio dos andares superiores ao local do fogo fogem para o
terraço e correm para a esquerda e para a direita, sucessivamente, sem acharem
uma saída para o dilema, pois o fogo, que se aproxima cada vez mais, vem de
baixo e o calor se intensifica a cada minuto. A única saída possível seria por
cima, num resgate de helicóptero.
Essa é a metáfora do que parece
ser essa busca da humanidade por uma saída de suas mazelas, como a fome, a
guerra, as desigualdades sociais, a violência urbana, o abandono, a destruição
dos recursos naturais, o desemprego e a falta de saneamento básico. Talvez seja
necessário transcender a esses conceitos tão enraizados de direita, esquerda e
centro, para buscarmos soluções que estejam além de sistemas e teorias que nos
têm levado aos mesmos lugares que já conhecemos.