segunda-feira, 31 de maio de 2021

Ciência e Ser Humano

Artigo de: Alexandre Paredes










Existe uma tendência no pensamento do homem contemporâneo em considerar os conhecimentos obtidos por meio da Ciência como sendo os únicos válidos ou que tenham uma supremacia em relação aos demais saberes. Para muitos, essa é até uma questão lógica, que nem caberia ser debatida, mas não é bem assim.

 

Se é certo que a Ciência apresenta uma forma segura de obtenção do conhecimento, não podemos esquecer que aquilo o que a Ciência, hoje, consegue abarcar ainda é um pequeno universo. Nos dizeres de Isaac Newton, cientista que formulou as leis da Gravitação Universal: “O que sabemos é uma gota; o que desconhecemos é um oceano”.

 

Então, se o único saber a ser considerado válido for o obtido por meio da Ciência positiva, teremos que, necessariamente, reconhecer nossa ignorância na maioria dos assuntos a que nos aventuramos conhecer.

 

E mesmo aquilo que, hoje, a Ciência já pôde comprovar por meio da observação, um dia foi somente teoria, especulação, intuição. Quando Albert Einstein teorizou, em 1916, sobre a existência de ondas gravitacionais, aquela teoria somente ganhou o status de verdade científica em 2016, quando um grupo de cientistas detectou o fenômeno. Ou seja, aquilo que Einstein já havia percebido pela intuição – e não pela observação, como se possa crer – já era verdade em 1916, e era verdade desde sempre. O que ocorreu em 2016 foi apenas a comprovação dessa verdade por meio da observação.

 

A existência do átomo foi teorizada pela primeira vez pelo filósofo grego Demócrito, 2.400 anos atrás. Naquela época, não existia a Ciência tal como a concebemos hoje, porque não havia meios de verificação e comprovação, e também porque a utilização do método experimental, que envolve a realização de experimentos manuais, além da utilização da matemática e instrumentos de observação para a comprovação de teorias, surgiu somente a partir de Galileu Galilei, no século XVII.

                                      

Até a Idade Média, o conhecimento obtido pela razão pura, pelo pensamento abstrato, era visto como superior, até porque a realização de trabalhos manuais, como exige a Ciência, era tida como uma atividade inferior, realizada por escravos. Com isso podemos notar que a Ciência, nos moldes como a conhecemos atualmente, é uma atividade bem recente na história da humanidade.

 

Essas questões nos levam a pensar que deve existir uma infinidade de saberes apreendidos pela intuição humana e que, por insuficiência dos meios de verificação e comprovação, ainda não puderam ganhar o status de verdades científicas. Mas é claro, também, que existe uma série de interpretações da realidade, teorias e intuições que não correspondem à verdade.

 

Assim, o fato de a Ciência não ter comprovado determinada ideia, teoria ou percepção da realidade não significa, necessariamente, que tal saber seja equivocado ou falso. Como dizia Carl Sagan, o grande astrofísico americano: “Ausência de evidência não é o mesmo que evidência de ausência”.

 

Ele quis dizer com isso, por exemplo, que a ausência ou insuficiência de evidências quanto à existência de uma alma independente do corpo não é o mesmo que dizer que há evidências de que a alma não existe. O mesmo poderia ser aplicado à existência ou não de Deus, de civilizações extraterrestres, de vida após a morte, reencarnação ou qualquer outro tema que seja rejeitado pela cosmovisão predominante em nosso tempo.

 

O máximo que os verdadeiros representantes da Ciência podem dizer a respeito de temas assim é que não haveria evidências científicas suficientes para comprovar tais ideias, mas que também não haveria evidências suficientes para refutá-las.

 

Desse modo, quando observamos ateus ou materialistas convictos, às vezes militantes, daqueles que estão plenamente convencidos de que não existe nada além da matéria, fica evidente que eles não percebem que apenas trocaram um sistema de dogmas por outro sistema de dogmas.

 

Porque se a Ciência não pode, de fato, afirmar a inexistência de algo sem a devida comprovação dessa inexistência, quando o ateu ou o materialista afirma, muitas vezes em nome da Ciência, que Deus não existe ou que não existe vida após a morte, ele está se pautando em seu sistema de crenças, e não em evidência de ausência, e muito menos em Ciência.

 

Tanto o sistema de crenças daqueles que são chamados de crédulos, homens de fé, quanto o sistema de crenças daqueles que não creem em nada que vá além da percepção dos cinco sentidos são, ambos, sistemas de crenças. E como tais, podem conter percepções verdadeiras ou falsas da realidade.

 

Não é raro encontrarmos pessoas que se dizem incrédulas ou céticas terem uma percepção de que se libertaram de dogmas, superstições ou crendices, como se houvesse uma superioridade de sua “não crença” em relação à crença daqueles que acreditam em coisas que ainda não são passíveis de verificação ou comprovação por meio do método científico.

 

Como o que a Ciência sabe com certeza é apenas uma gota e o que a Ciência desconhece é um oceano, as lacunas daquilo que não se sabe são preenchidas por crenças e especulações. Por exemplo, como a Ciência não tem meios, de acordo com a tecnologia atual, de visitar todos os bilhões de mundos existentes em nossa galáxia, assim como os bilhões de mundos existentes em cada uma das bilhões de galáxias existentes, não tem como afirmar se a vida e a vida inteligente são abundantes ou raras no Universo.

 

Essa lacuna, então, é preenchida por nossas crenças. Alguns não conseguem crer que um Universo tão grande e tão diverso tenha reservado a vida somente para este pequeno planeta azul. Outros preferem somente crer quando verem, mas, enquanto não vejam um fato patente, alimentam, queiram ou não, uma crença interior: a de que existe ou não existe vida inteligente em outros mundos.

 

O ceticismo como postura rigorosa diante dos fatos, uma forma metódica de não se deixar levar pelo entusiasmo pelas próprias crenças, e de somente aceitar como fato aquilo que possa ser verificado e comprovado pela observação é uma atitude louvável e recomendável àquele que busca a verdade. É uma forma de não cair na armadilha de procurar em tudo o que vê uma forma de confirmação das próprias crenças, em vez de estar aberto à verdade como ela se mostra pelos fatos, pela verificação dos fenômenos como eles se mostram.

 

Porém, à parte esse ceticismo como método de investigação, existe um tipo de ceticismo que se caracteriza mais pela negação de determinadas possibilidades de realidade que vão de encontro ao sistema de crenças do que se intitula cético. Trata-se do cético materialista ou com uma visão de mundo preconcebida, que, mesmo diante de evidências robustas sobre a existência de uma consciência que independe do corpo físico – como as Experiências de Quase Morte (EQM), as lembranças espontâneas de vidas passadas, as comunicações de espíritos e as experiências de projeção astral – prefere dar, sistematicamente, outro tipo de explicação que seja mais “racional”, como se a explicação de que existe uma alma independente do corpo material não fosse uma explicação racional e natural.

 

Além de dar uma explicação improvável, é característico a esse tipo de pessoa não se aprofundar nas evidências levantadas por pesquisadores sérios, daqueles que se dedicaram uma vida inteira ao estudo do fenômeno. É como se abeirassem do oceano e apenas colocando um pé na água do mar, pudessem se julgar conhecedores do oceano, emitindo parecer sobre aquilo que não estudaram. São pessoas assim que, embora conhecendo o assunto apenas superficialmente, dão seu parecer final, com opiniões do tipo de que todos os relatos são produzidos por charlatanismo, ilusões ou mentes supersticiosas.

 

Esse tipo de ceticismo se parece muito mais com o dogmatismo do religioso, que se cristalizou na sua visão de mundo definida pelos parâmetros dos livros sagrados ou dos grupamentos religiosos constituídos. Em vez de adequar ou rever seu sistema de crenças com base nas evidências e nas observações, prefere encontrar as explicações mais estapafúrdias para os fenômenos cuja explicação mais simples é vista por ele como sobrenatural, e por isso passível de descrédito. Na verdade, o que é tido por sobrenatural é apenas o natural que não tem explicação dentro do paradigma vigente.

 

Nos casos de projeção astral, encontramos estudos documentados de pessoas que, embora sentadas numa cadeira ou deitada numa cama e um estado alterado de consciência, sentem-se saindo do próprio corpo, visitam e descrevem lugares que nunca tinham visto ou estado anteriormente. Há relatos, por exemplo, de pessoas em estado de coma, que dizem ter caminhado ou flutuado pelo hospital e descrevem detalhes precisos de situações que ocorreram do lado de fora do hospital.

 

Há centenas de relatos documentados, estudados por muitos pesquisadores, de crianças que se lembram de sua vida passada. Em um desses relatos, por exemplo, encontramos o caso de uma criança que dizia o nome e o sobrenome que tinha na outra vida; informa os nomes dos companheiros que lutaram com ele na guerra, o nome do porta-aviões e a marca do avião que ele pilotou e que foi abatido por um avião japonês. A criança, de apenas três anos de idade, descreve o ângulo que o avião foi alvejado pelo inimigo e circunstâncias detalhadas de sua morte.

 

Neste caso, os pais pesquisaram na internet e, posteriormente, num museu, e constataram, com surpresa, que todas as informações de que o menino se recordava e relatava correspondiam aos fatos. Os pais dessa criança chegaram a visitar a irmã daquele militar americano cuja vida e morte a criança se recordava como sendo ela mesma em sua vida anterior. A irmã, já bem idosa, recebeu os pais e a criança e, após algumas horas de conversa, ela disse acreditar que, de fato, aquele menino era o seu irmão reencarnado.

 

A explicação mais provável – digo provável porque em se tratando da mente humana, não há como a Ciência ter uma resposta com certeza absoluta – é a de que aquela criança estava realmente se recordando de uma experiência vivida numa existência passada. Porém, é comum, nesses casos, ouvir dos céticos de sistema, quer dizer, os céticos com uma cosmovisão preconcebida, que “deve haver uma explicação racional para isso”. Ocorre que a explicação de que a criança está rememorando outras vidas é uma explicação racional, porém não é uma explicação que confirma a visão de mundo daqueles que querem uma explicação “racional”, isto é, outra explicação, porque simplesmente a explicação mais simples não é aceita.

 

Interessante que, geralmente, os céticos de sistema utilizam o argumento de que somente acreditam naquilo que veem ou que é percebido pelos sentidos. Se os nossos sentidos são confiáveis, então por que não confiar nos sentidos daqueles que afirmam ver pessoas que já morreram e que conversam com elas da mesma forma com que conversam com uma pessoa viva? Neste caso, a explicação mais “racional” aventada pelo cético de sistema é qualquer uma que não seja a de que o médium esteja, de fato, vendo e conversando com um espírito desencarnado.

 

Para esse tipo de fenômeno, encontramos algumas explicações interessantes, como, por exemplo, a de uma ilusão ou delírio. É curioso explicar o fenômeno como delírio. Primeiro porque ninguém sabe o que é exatamente um delírio, qual a sua natureza, que condições o produzem, apesar de que a hipótese de delírio não pode ser afastada. É explicar algo que não se conhece por outro fenômeno que também não se conhece muito bem. Segundo, e principalmente, porque há muitos relatos de fenômenos de encontro com espíritos em que várias pessoas veem o fenômeno ao mesmo tempo. Não é uma explicação muito racional a de que todos juntos tiveram um delírio coletivo.

 

É contraditório que, para esse tipo de cético, os sentidos seriam uma fonte confiável de conhecimento, porque é comum ouvir afirmações do tipo “só acredito vendo”. Porém, se os sentidos daquele que testemunhou um fato não são confiáveis, de modo que a explicação mais racional seria a do delírio coletivo, como o cético pode confiar plenamente na própria experiência sensorial ou no próprio testemunho, quando este ocorrer? É por esse motivo que tal tipo de pessoa, ao se deparar com o fenômeno que ele próprio testemunha, continua negando, porque – acredita ele – sabe que é impossível. Ou seja, para a aceitação de determinadas realidades, não basta ver, é preciso compreender e estar aberto a outras formas de enxergar o mundo e interpretar a vida.

 

A postura do cético de sistema é a da negação, e não a da busca da melhor explicação para o fenômeno, ainda que ela vá de encontro às suas próprias crenças. Nesse ponto é que tal comportamento é muito semelhante ao do dogmático, que simplesmente nega determinadas explicações porque vão de encontro aos dogmas estabelecidos pela sua religião. O dogmático faz diversos malabarismos teóricos, acredita em teorias da conspiração e nega as evidências para continuar acreditando no que acredita.

 

De modo não muito diferente ocorre com o cético de sistema. Diante de fenômenos que fogem ao seu paradigma de visão de mudo, ele busca explicações improváveis, simplesmente porque determinadas verdades não lhe entram na cabeça. É comum, por exemplo, diante de inúmeros relatos de aparições de objetos voadores não identificados, a explicação mais “racional” para o cético é a de que se trata de um fenômeno atmosférico, um meteoro, um balão, uma invenção ou uma ilusão, ainda que os relatos indiquem que os objetos faziam revoluções, andavam em zigue-zague, acompanhavam o avião, paravam no ar e aceleravam a uma velocidade que seria impossível diante das leis físicas conhecidas; ainda que o evento tenha sido testemunhado por inúmeras pessoas, detectado por radares, e o objeto tenha sido perseguido por pilotos da força aérea.

 

Como a Ciência deve estar aberta à verdade, não deve descartar nenhuma explicação nem assumir uma única explicação para determinado fenômeno, exceto quando as observações dos fatos assim o permitam. Ocorre que muitas explicações para determinados fenômenos, principalmente os que seriam enquadrados como paranormais ou sobrenaturais, são muitas vezes descartadas pelo senso comum, porque são erroneamente entendidos como fatos fora das leis da natureza ou tidos como fantásticos.

 

Não raro, aqueles que estudam tais fenômenos como Ciência são ridicularizados ou vistos com desconfiança pela sociedade, como é o caso dos ufólogos, dos pesquisadores de EQM ou de relatos de memórias sobre vidas passadas, como se tais pesquisas não fossem Ciência, como se não fossem sérias. Sobre essa questão, as palavras de Artur Schopenhauer, filósofo do século XIX, são muito pertinentes: “Toda verdade passa por três estágios. No primeiro, ela é ridicularizada. No segundo, é rejeitada com violência. No terceiro, é aceita como evidente por si própria”.

 

O que o senso comum entende por Ciência nem sempre corresponde ao que é Ciência de fato, e o que as pessoas dizem que a Ciência diz nem sempre é o que a Ciência diz. O modelo que vem à cabeça das pessoas quando se fala em Ciência é o das Ciências Exatas: Física, Química, Astrofísica, Astronomia, Geologia. Mas existem outros ramos do conhecimento que também são Ciência, embora não possam utilizar dos mesmos métodos e não sejam tão passíveis de verificação e comprovação como ocorre nas Ciências vinculadas a fenômenos exclusivamente materiais.

 

A Psicologia, por exemplo, não deixa de ser uma Ciência, porque também se pauta na observação empírica dos fatos, embora seja muito difícil realizar a verificação e comprovação de seus postulados com o mesmo grau de certeza de como ocorre com a Química ou a Física. Como ter certeza absoluta, por exemplo, de que “as emoções que reprimimos em nós tendem a ser fortalecidas, ficam no inconsciente, e são posteriormente liberadas de outra forma”? É devido a essa imprecisão que, para muitos, a Psicologia não é considerada Ciência. Aliás, essa linha divisória entre a Ciência e a Não Ciência não é bem definida.

 

As Ciências Humanas, como a Ciência Política, a Sociologia, a Economia e a História têm o componente humano e, por isso mesmo, carreiam um grau expressivo de subjetividade. Essa subjetividade não tem como ser eliminada, mas isto não implica que tais Ciências deixem de ser Ciência. O que ocorre é que os métodos utilizados pelas Ciências Humanas não podem ser os mesmos que os das Ciências Exatas.

 

A História, por exemplo, não pesquisa somente fatos, datas, nomes, ou faz a descrição fria do que aconteceu no passado. Ela tem um componente de interpretação dos fatos, busca saber por que ocorreram, quais os fatores que os causaram e as suas consequências. Mas não há como ter uma certeza absoluta de que uma narrativa sobre determinado momento histórico é totalmente verdadeira do mesmo modo como se pode afirmar que a molécula da água é formada de dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio.

 

Com o sucesso das Ciências que estudam os fenômenos meramente materiais, as quais permitiram ao ser humano ter uma maior compreensão e domínio da natureza, como o uso da energia elétrica, a invenção do automóvel, do avião, dos meios de comunicação de massa, das técnicas e cirurgias para intervenção em saúde e todas as maravilhas da civilização, essas Ciências passaram a ser vistas como um modelo para as demais Ciências, sendo o modelo de Ciência melhor percebido pelo senso comum.

 

Ocorre que cada ramo da Ciência tem suas especificidades. A Medicina, por exemplo, tem uma característica interessante: apresenta, ao mesmo tempo, a precisão dos fenômenos químicos, orgânicos, materiais, e a subjetividade do ser humano. Quando a Medicina enxerga o ser humano apenas no seu componente material, orgânico, ela se limita a uma visão reducionista da realidade, pois desconsidera o componente subjetivo do ser humano, a sua mente e a interação desta com o organismo. Isto fez com que, durante muito tempo, o ser humano fosse visto pelos médicos apenas como um corpo, um organismo, uma máquina.

 

Esse modelo de visão do ser humano como máquina, um relógio, assim como a visão do Universo como uma grande máquina, em que cada parte é uma peça de uma grande engrenagem, vem do pensamento do filósofo do século XVI René Descartes. O pensamento mecanicista cartesiano é, até certa medida, o modelo ainda replicado pelo pensamento contemporâneo, que separa os saberes por partes, para melhor compreensão do todo. Para Descartes, o todo seria dividido em partes para melhor solução dos problemas.

 

Assim, encontramos na Medicina várias especialidades, cada uma tendo um grande conhecimento sobre uma parte desse grande organismo, essa grande máquina na visão cartesiana, que é o corpo humano. O pneumologista vê os pulmões; o cardiologista vê o sistema cardiovascular; o gastroenterologista, o sistema digestório; o neurologista, o sistema nervoso e psicomotor; o psiquiatra e o psicólogo, a mente, o cérebro e o comportamento. Essa compartimentalização do conhecimento permite que conheçamos cada parte de forma mais aprofundada, mas falta o conhecimento que permita unir todos os saberes. Nossa sociedade ocidental carece de saberes que olhem para o todo e não somente para as partes.

 

Esse grande todo, que é o ser humano, é muito mais do que somente a soma das partes do seu organismo. Existe uma interação entre as partes e uma interação entre mente e corpo que não é devidamente considerada pela Medicina Ocidental, porque ela se reduziu a ver o ser humano como um corpo, ou a separar corpo e alma conforme a visão cartesiana. Então, para os problemas do corpo, busca-se a Medicina; para as questões da alma, busca-se a religião.

 

Há uma necessidade de resgatarmos uma visão holística do ser humano, que não pode ser dissociado de sua natureza biológica, psicológica, social e espiritual. Qualquer forma de ver que despreze uma dessas condições é reducionista e, por isso, fadada a não lograr êxito na busca por melhores condições de saúde.

 

Essa compartimentalização do conhecimento, sem visão holística e ecológica da realidade é também uma característica da Ciência. Na sociedade existem os físicos, biólogos, químicos, médicos, economistas, cientistas políticos, sociólogos, historiadores, geólogos, psicólogos, cada qual observando a realidade do ponto de vista da sua parte. Mas carecemos de pessoas que consigam unir os saberes, tendo uma visão do todo, que não é somente a soma das partes.

 

O físico, por exemplo, verá a realidade do ponto de vista da Física e tentará explicar todos os fenômenos como sendo de natureza física. Mas nem tudo se pode explicar pela Física. Quando a Física tenta explicar o porquê de o Universo ter surgido por meio da teoria do Big Bang – a de que toda a matéria do Universo estava reunida, há 14 bilhões de anos, num só ponto com massa infinita e, em dado momento, houve uma grande explosão – essa teoria não estaria explicando o “porquê”, mas o “como”. A explicação do “porquê” o Universo existir e por que ele é assim e não de outro jeito está além da Física.

 

Quando um cientista explica o porquê da chuva, que ela ocorre devido à evaporação da água e, posteriormente, da condensação das gotículas de vapor de água nas nuvens, ele não está explicando o “porquê”; está apenas explicando “como” o fenômeno acontece. O “porquê” é porque Deus quis que fosse assim, se fôssemos recorrer ao entendimento do religioso. Ou seja, a explicação da teoria científica do Big Bang e a explicação do “Fiat Lux” (E Deus disse: “faça-se a luz”, e a luz se fez – Gênesis – 1, 1-3) não existe grande diferença.

 

A única diferença é a de que na visão bíblica, há um Deus que, por força da ação da sua vontade, fez o Universo, enquanto na visão científica não há, necessariamente, um Deus que tudo criou. A Ciência, por ser uma forma de conhecimento que se baseia na experiência sensível, ou seja, que toca os sentidos, não é capaz de formular um meio de comprovar a existência de um Ser que esteja além da matéria e além dos sentidos físicos. Daí a grande dificuldade de se comprovar a existência de Deus pelo método científico, uma vez que, na concepção teológica, Ele é um ser imaterial.

 

A explicação de que todo o Universo teria surgido de um Big Bang apenas descreve uma cena, mas não explica por que o Universo possui as leis que tem, por que existem essas leis em vez de não existirem ou existirem de outra forma, nem o que existia antes do Big Bang. É como se, ao perguntarmos à Ciência por que Jesus morreu (desconsiderando a ressureição), a resposta fosse “falência múltipla dos órgãos”, e desconsiderasse toda a trama que levou Jesus à crucificação, a traição de Judas, a conspiração dos fariseus, a atitude de Pôncio Pilatos e todas as razões que culminaram na sua condenação.

 

Essas questões que levaram Jesus à cruz estão além da Física. O mesmo poderia se dizer em relação ao porquê da criação do Universo. A Física poderá apenas descrever como aconteceu, mas a explicação do porquê está além da Física, daí a palavra Metafísica (meta – além de; Metafísica – além da Física). E aquilo que está além da Física não é da alçada da Física ou das Ciências materiais.


Tais reflexões conduzem-nos, naturalmente, ao pensamento do eminente cientista francês do século XIX Louis Pasteur: “Um pouco de Ciência nos afasta de Deus. Muita, nos aproxima”. Parece que a humanidade ainda se encontra na fase de ter conquistado um pouco de Ciência, o que levou-a, momentaneamente, a se afastar de Deus, da ideia de que todo efeito inteligente é precedido de uma causa inteligente. Mas quanto mais nos aprofundamos acerca do conhecimento sobre o Universo, sobre nosso micro-universo que é o nosso planeta e nosso corpo humano, mais nos apercebemos da necessidade de um Grande Arquiteto do Universo, de uma Causa Primária Inteligente, para tudo o que observamos.

 

Com o avanço da Ciência, houve uma profusão de explicações científicas para fenômenos que o senso comum já percebia como verdade. Por exemplo, minha avó já dizia que amar faz bem, que ter amigos e bons relacionamentos faz bem para a saúde. A Ciência vem acrescentar que, de acordo com observações, quando temos uma interação afetiva com alguém, nosso organismo libera um hormônio chamado ocitocina, que nos daria uma sensação de bem-estar. Não houve, nessa explicação, um acréscimo significativo à explicação da minha avó; apenas explicou o “como” o fenômeno acontece e atesta que, de fato, a minha avó tinha razão.

 

Mas é comum para aqueles que só enxergam a matéria e ainda se apegam ao modelo de ser humano como uma máquina entender que o que produz o amor seja a ocitocina, e não o inverso. Se é certo que esse hormônio produz uma sensação de bem-estar, o que produz a liberação desse hormônio? O amor. No paradigma materialista, nosso comportamento seria apenas o resultado de reações químicas no cérebro, mas o que produz as reações químicas no cérebro? A mente. Para o materialista, a mente é um produto do cérebro, assim como o ácido clorídrico é um produto do estômago. Mas não há nenhuma falta de lógica em pensar que a mente apenas se utiliza do cérebro como um instrumento de sua manifestação.

 

A Ciência, diferentemente do que muitas pessoas pensam, não é uma forma de obtenção de conhecimento estanque, ou seja, não detém uma palavra final absoluta sobre tudo. À medida que novas observações são realizadas, algumas teorias precisam ser revisadas, aperfeiçoadas, como é o caso da Teoria da Evolução das Espécies, que desde Jean Baptiste Lamarck e Charles Darwin já sofreu algumas revisões com base em observações científicas posteriores.

 

Isto ocorre porque a Ciência não é o produto do pensamento de um cientista ou de alguns cientistas de determinada época; é o produto dos estudos de uma comunidade de cientistas ao longo de séculos. É uma produção humana coletiva, controlada, sistematizada e verificada por essa coletividade de cientistas.

 

O método indutivo, utilizado pela Ciência, permite a produção de conhecimentos novos, a partir da observação de fatos particulares para o estabelecimento de teorias universais. Por exemplo: 01 corvo é preto; 02 corvos são pretos; 1.000 corvos observados são pretos; isto leva à conclusão de que os corvos são pretos. Mas não há nada, do ponto de vista lógico, que garanta que o corvo observado de número 10.001 seja preto. Pode ser que seja amarelo, o que leva à necessidade de revisão da teoria ou de considerar a exceção como parte da regra universal estabelecida.

 

Para o filósofo escocês do século XVIII David Hume, não há nenhuma garantia lógica de que o Sol nascerá amanhã. O que ocorre é que, pelo método da indução, a partir de observações particulares – no caso, o de que o Sol sempre nasceu no leste e se pôs no oeste – é estabelecida uma lei universal: O Sol sempre nasce no leste e se põe no oeste. Mas, neste exemplo, poderia existir, numa hipótese exagerada, algum fenômeno desconhecido, até então, que fizesse com que o Sol não nascesse no horizonte em algum dia. Com o estudo e conhecimento desse novo fenômeno, a lei universal é revisada, de modo a contemplar a nova situação até então desconhecida.

 

Esse tipo de raciocínio nos leva a entender a humildade com que os verdadeiros homens de Ciência devem se revestir, porque o conhecimento científico é sempre passível de aperfeiçoamento, de ajustes, decorrentes de novas observações. Em algum momento, os conhecimentos científicos atingirão uma culminância, que permitirá ao ser humano a solução de inúmeros de seus problemas de ordem material, social, psicológicos ainda insolúveis, bem como a percepção da realidade de forma mais ampla e verdadeira. Mas a Ciência sozinha, limitada ao estudo dos fenômenos físicos, não é capaz de dar todas as respostas.

 


As Ciências materiais trouxeram-nos conforto material, avanços na medicina que permitiram curar doenças e postergar a morte, possibilitou-nos a comunicação com o mundo em tempo real, levou o homem à Lua e trouxe grandes avanços civilizatórios, mas o ser humano ainda se encontra diante das mesmas questões fundamentais que o afligem: Existe um sentido na vida? Qual seria? Por que estamos aqui? De onde viemos? Para onde vamos?

 

A primazia das Ciências materiais em relação aos demais saberes contribuiu para que a humanidade se abeirasse de sua autodestruição, em decorrência das armas de destruição em massa e da destruição do meio ambiente em escala jamais vista. Isto porque, com o sucesso que essas Ciências alcançaram, os demais saberes passaram a ser vistos como de segunda classe ou Não Ciência.

 

Como resultado, as nossas escolas ensinam Matemática, Física, Química, Biologia, História, Gramática, mas não ensinam como lidarmos com nossas emoções, nossos conflitos interiores, não ensinam a compreender o quão vital é a nossa interação com o meio ambiente, nem a nos desenvolvermos na arte da boa convivência, nem a termos pensamento crítico em relação a tudo o que acontece na nossa vida e ao nosso redor.

 

Com isso, o ser humano, hoje, está apto a conhecer a composição química de um mundo situado a 100 anos-luz daqui, mas está cada vez mais imaturo para lidar consigo mesmo, para desenvolver empatia e respeito; é imaturo política, social e eticamente. Vivemos numa sociedade tecnológica e centrada na informação, o que nem sempre corresponde ao que chamamos de formação e conhecimento.

 

Atualmente, há uma disponibilidade imensa de informações, mas falta ao ser humano a capacidade de filtrar essas informações; falta-lhe formação. A diferença entre informação e a formação pode ser compreendida na seguinte metáfora. Imagine que você está precisando se submeter a uma cirurgia e suponhamos que existiram duas opções para a sua realização: A primeira opção seria realizá-la com um médico formado; a segunda opção seria realizá-la com uma pessoa que passou anos vendo vídeos do Youtube sobre como realizar aquela cirurgia. Sem dúvida escolheríamos realizar a cirurgia com o médico.

 

Ao se deparar com um volume enorme de informações, que vêm pelas redes sociais, televisão, internet, o ser humano de hoje sente-se apto a opinar sobre qualquer coisa, porque de tudo já leu um pouco. E mesmo que já tenha lido muito sobre o assunto ou visto vários vídeos, isto não garante a sua formação, que é um processo mais elaborado, que lhe permitirá filtrar as informações.

 

Some-se a isso o fato de que vivemos em “bolhas” de conhecimento, que seriam os guetos virtuais, os grupos de redes sociais, em torno dos quais reúnem-se pessoas com mesmas crenças ou afinidades, de modo que o que se lê, o que se publica ou o que se compartilha nesses grupos é apenas aquilo que reforça as próprias crenças das pessoas que deles participam, situação que contribui para o descolamento da realidade e para o da transformação de verdades científicas em objeto de opinião.

 

Daí surge o fenômeno anti-Ciência que podemos perceber em parcela da sociedade, que a tudo relativiza, tudo tenta politizar, inclusive a própria Ciência. É por conta desse fenômeno que observamos, em pleno século XXI, um movimento anti-vacinas, que parece ameaçar uma conquista alcançada pela humanidade com grande esforço, justamente porque a opinião, no mundo atual, parece ter tanto peso quanto a própria Ciência, o que é um engodo.

 

A Ciência continua sendo um farol a iluminar a humanidade e dela não podemos nos distanciar, para não cairmos na armadilha de achar que tudo pode ser levado para o terreno da opinião. Por outro lado, temos que reconhecer que a humanidade está carente de outros saberes, situados entre os extremos do dogmatismo religioso e do ceticismo de sistema, ou o ceticismo da negação; de saberes que nos permitam ter uma visão integral do ser humano e sua relação com o meio ambiente, com o Universo e consigo mesmo.

 

Porém, sejam quais forem os nossos saberes, é certo que a razão e a Ciência têm limites. Você pode, por exemplo, saber tudo sobre os golfinhos, seus hábitos, sua inteligência, suas características, sua linguagem, mas jamais saberá, por meio da razão ou da Ciência, o que é ser um golfinho de fato, como é estar na consciência ou na pele de um golfinho.

 

O mesmo pode ser dito com relação a várias outras coisas. Uma pessoa pode saber tudo sobre o amor, ter lido vários livros e realizado estudos sobre o amor, ter entrevistado inúmeras pessoas e até ter escrito um artigo científico sobre o assunto, mas a sua experiência, sua vivência em torno do amor é única e é o que definirá sua percepção e concepção sobre o amor.

 

Se você foi amado por sua mãe e seu pai na infância, esse amor será uma referência para a vida toda, pois você sentiu o que é o amor de algum modo. Automaticamente, quando alguém lhe fala sobre o amor, sua mente faz alguma analogia com o que você vivenciou, sentiu.

 

Agora imagine uma criança que nunca foi amada, o pai foi abusador, a mãe foi indiferente, teve irmãos violentos e desconheceu, durante sua vida, exemplos de pessoas amorosas ou pessoas que a amassem. A visão dela sobre o amor será imprecisa, incompleta, distorcida ou inexistente, por mais que se lhe apresentem teorias, conceitos, explicações.

 

Assim, a sua capacidade de compreensão do que é o amor, ou qualquer outro conceito, está vinculada a uma linguagem, e a linguagem está limitada às suas vivências. Alguém pode lhe falar o que é um cavalo e você nunca ter visto um cavalo, nem por meio de fotos, nem de filmagens. Ela lhe explicará que é um animal que corre em quatro patas, poderá descrevê-lo, mas você só entenderá a explicação se você souber o que é um animal e o que são patas. Nossa mente faz analogias com coisas que conhecemos e já vivenciamos.

 

Daí a grande dificuldade de nos entendermos uns aos outros. Usamos as mesmas palavras para designar as mesmas coisas, sentimentos, qualidades, mas o significado real de cada palavra que usamos varia de pessoa para pessoa segundo a vivência de cada um.

 

É por isso que, para alcançarmos a real sabedoria, não basta conhecer todas as Ciências, não basta ler todos os livros ou ter feito todas as experiências possíveis; não basta ter todas as informações disponíveis na internet ou em pesquisas. Há uma parte do conhecimento que depende de vivência, e essa vivência nenhuma outra Ciência poderá nos dar senão a própria Ciência e Arte de viver.

 

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