sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Pelo Amor ou Pela Dor

 Texto de: Alexandre Paredes













“Vai pelo amor ou pela dor”...

 

Você já deve ter ouvido esta sentença. Pode se referir à forma com que a pessoa se converte à determinada religião; pode ser que se refira à nossa transformação íntima, a uma mudança de patamar de consciência, à nossa melhoria como seres humanos ou a uma melhoria significativa em nossa forma de viver que nos traga mais paz ou mais felicidade.

 

Que o amor nos transforma não resta dúvidas. E também é certo que o amor bem compreendido nos impede de enveredarmos por alguns caminhos que nos levam a aflições. Mas nem sempre o amor, por si só, é capaz de evitar que soframos. Porque há aflições que simplesmente fazem parte da vida humana, as quais não dependem do que fazemos no aqui e agora, e que nenhuma ação de nossa parte poderia evitá-las.

 

Há, também, quem desperdice os ensinamentos que recebeu, a educação amorosa que obteve, e persista nos descaminhos da vida. É o livre arbítrio. E aí, não há dúvidas: vem a dor.

 

Mas a verdade é que a dor, por si só, não nos transforma. Por mais contraditório que pareça, a gente só se transforma quando se rende. Isso mesmo. Quando a gente se rende.

 

Por mais que os coachs, os oradores de autoajuda, os vendedores de sucesso, prescrevam uma força de vontade inabalável, uma determinação inquebrantável, indiquem fórmulas de sucesso baseadas em sete, dez ou doze passos, receitem aquela disciplina rigorosa para atingirmos nossos objetivos, o fato é que precisamos nos render. Mas nos render a quê? À dor que bate à nossa porta.

 

Ela é o convite para auscultarmos a vastidão do nosso mundo interior. E quando insistimos em não a escutar, a dor se dilata. A dor é somente um aviso de que algo precisa de atenção, senão vai infeccionar, vai piorar.

 

Se a gente caminha descalço numa vereda de espinhos, vai doer. E se a gente insiste em caminhar dessa forma, vai doer mais ainda, e vai infeccionar, sangrar, e piorar muito. Então, não adianta tapar os ouvidos diante do grito interior da dor que nos chama a atenção. É preciso escutá-lo, percebê-lo, entendê-lo. É preciso entender qual o recado que a dor está nos dando.

 

Você também já deve ter ouvido falar de que “aquilo que a gente cala, o corpo fala”. Nada mais verdadeiro. Mas nem sempre entendemos a linguagem daquilo que o nosso corpo está nos comunicando. Ou melhor, insistimos em não prestar atenção naquilo que ele está nos dizendo.

 

Daí vêm aqueles casos de pessoas que insistem em trabalhar muito além do que o corpo suporta, e o corpo grita; aquelas situações em que alguém carrega um mundo nas costas, suportando responsabilidades que estão além das que lhe são devidas de fato, e a coluna trava; aqueles momentos em que a raiva contida se transforma em problemas no estômago, no fígado ou alguma inflamação.

 

Não existem fórmulas universais para todos, assim como os medicamentos são muito diferentes para cada paciente, porque cada um traz consigo um roteiro de vida diferente, problemas distintos, dificuldades específicas, idiossincrasias. Receitar as mesmas fórmulas de felicidade e sucesso para todos seria o mesmo que receitar a mesma aspirina para todos os pacientes, para todos os tipos de problemas de saúde.

 

Mas se render à dor não significa desistir de lutar, entregar-se, desistir de ser feliz nem desistir da vida. Isto seria interpretar ao pé da letra e de forma injusta nossas palavras. Render-se significa que aquilo em que estamos insistindo talvez não esteja funcionando; que talvez tenhamos que mudar a direção de nossas vidas.

 

Render-se à dor, por outro lado, pode ser, para determinadas pessoas, uma necessidade de não mais se autossabotarem, romper com o padrão de desistirem ao contato com os primeiros obstáculos. Porque pode ser que, para algumas pessoas, o padrão de comportamento que gera a dor seja exatamente este: a falta de insistência, de perseverança, de força de vontade para vencer.

 

Por isso que não se pode generalizar regras, prescrever receitas fáceis para problemas complexos. Pois há pessoas em que a dor vem dizer exatamente o oposto: “pare de insistir nesse caminho”.  É como a metáfora do aguilhão, uma espécie de espeto que os pastores de ovelhas utilizavam para cutucar as ovelhas desgarradas do rebanho, aquelas que se afastavam do caminho. Quanto mais a ovelha insistir em sair do caminho, mais ela sofre o aguilhão que a espeta para retornar ao rebanho.

 

Render-se à dor é especialmente despir-se de todo orgulho, perceber-se como aprendiz da vida, e não como aquela pessoa que já tem todas as respostas. Gosto muito da metáfora da taça cheia, da sabedoria oriental, representando aquelas pessoas que, por já estarem tão cheias de conhecimentos e de falsa sabedoria, não estão dispostas a receber o líquido precioso, a água pura dos novos conhecimentos que podem ser adquiridos com as lições que a vida nos traz.

 

Como saber o recado que a vida nos dá por meio da dor? Ouvindo a voz interior da consciência. Mas não a voz que nos julga, nos condena, nos oprime; nem a voz que nos elogia, nos enaltece ou nos faz ter fantasias sobre nós mesmos. Essa ainda não é a voz da consciência.

 

Falo de uma voz que é calma, amorosa, serena. Só é possível escutá-la quando cessamos o burburinho das justificativas, dos medos, dos julgamentos, das ilusões, fantasias que usamos para fugir de nós mesmos, quando aceitamos, enfim, a dor. Ou seja, quando nos rendemos a ela, para então nos reerguermos como a pessoa que realmente somos, mais forte, mais pura, mais real. Menos idealizada, porém mais realizada. Pois olhamos de frente para a nossa verdade interior, sem o peso das máscaras que carregamos penosamente há tanto tempo.