Texto de: Alexandre Paredes
“Vai pelo amor ou pela dor”...
Você já deve ter ouvido esta sentença. Pode se
referir à forma com que a pessoa se converte à determinada religião; pode ser
que se refira à nossa transformação íntima, a uma mudança de patamar de consciência,
à nossa melhoria como seres humanos ou a uma melhoria significativa em nossa
forma de viver que nos traga mais paz ou mais felicidade.
Que o amor nos transforma não resta dúvidas. E
também é certo que o amor bem compreendido nos impede de enveredarmos por
alguns caminhos que nos levam a aflições. Mas nem sempre o amor, por si só, é
capaz de evitar que soframos. Porque há aflições que simplesmente fazem parte
da vida humana, as quais não dependem do que fazemos no aqui e agora, e que
nenhuma ação de nossa parte poderia evitá-las.
Há, também, quem desperdice os ensinamentos que
recebeu, a educação amorosa que obteve, e persista nos descaminhos da vida. É o
livre arbítrio. E aí, não há dúvidas: vem a dor.
Mas a verdade é que a dor, por si só, não nos
transforma. Por mais contraditório que pareça, a gente só se transforma quando
se rende. Isso mesmo. Quando a gente se rende.
Por mais que os coachs,
os oradores de autoajuda, os vendedores de sucesso, prescrevam uma força de
vontade inabalável, uma determinação inquebrantável, indiquem fórmulas de sucesso
baseadas em sete, dez ou doze passos, receitem aquela disciplina rigorosa para
atingirmos nossos objetivos, o fato é que precisamos nos render. Mas nos render
a quê? À dor que bate à nossa porta.
Ela é o convite para auscultarmos a vastidão do
nosso mundo interior. E quando insistimos em não a escutar, a dor se dilata. A
dor é somente um aviso de que algo precisa de atenção, senão vai infeccionar,
vai piorar.
Se a gente caminha descalço numa vereda de
espinhos, vai doer. E se a gente insiste em caminhar dessa forma, vai doer mais
ainda, e vai infeccionar, sangrar, e piorar muito. Então, não adianta tapar os
ouvidos diante do grito interior da dor que nos chama a atenção. É preciso
escutá-lo, percebê-lo, entendê-lo. É preciso entender qual o recado que a dor
está nos dando.
Você também já deve ter ouvido falar de que “aquilo
que a gente cala, o corpo fala”. Nada mais verdadeiro. Mas nem sempre
entendemos a linguagem daquilo que o nosso corpo está nos comunicando. Ou
melhor, insistimos em não prestar atenção naquilo que ele está nos dizendo.
Daí vêm aqueles casos de pessoas que insistem em
trabalhar muito além do que o corpo suporta, e o corpo grita; aquelas situações
em que alguém carrega um mundo nas costas, suportando responsabilidades que
estão além das que lhe são devidas de fato, e a coluna trava; aqueles momentos
em que a raiva contida se transforma em problemas no estômago, no fígado ou
alguma inflamação.
Não existem fórmulas universais para todos, assim
como os medicamentos são muito diferentes para cada paciente, porque cada um
traz consigo um roteiro de vida diferente, problemas distintos, dificuldades
específicas, idiossincrasias. Receitar as mesmas fórmulas de felicidade e
sucesso para todos seria o mesmo que receitar a mesma aspirina para todos os
pacientes, para todos os tipos de problemas de saúde.
Mas se render à dor não significa desistir de lutar,
entregar-se, desistir de ser feliz nem desistir da vida. Isto seria interpretar
ao pé da letra e de forma injusta nossas palavras. Render-se significa que
aquilo em que estamos insistindo talvez não esteja funcionando; que talvez
tenhamos que mudar a direção de nossas vidas.
Render-se à dor, por outro lado, pode ser, para
determinadas pessoas, uma necessidade de não mais se autossabotarem, romper com
o padrão de desistirem ao contato com os primeiros obstáculos. Porque pode ser
que, para algumas pessoas, o padrão de comportamento que gera a dor seja
exatamente este: a falta de insistência, de perseverança, de força de vontade
para vencer.
Por isso que não se pode generalizar regras, prescrever receitas fáceis para problemas complexos. Pois há pessoas em que a dor vem
dizer exatamente o oposto: “pare de insistir nesse caminho”. É como a metáfora do aguilhão, uma espécie de
espeto que os pastores de ovelhas utilizavam para cutucar as ovelhas
desgarradas do rebanho, aquelas que se afastavam do caminho. Quanto mais a
ovelha insistir em sair do caminho, mais ela sofre o aguilhão que a espeta para
retornar ao rebanho.
Render-se à dor é especialmente despir-se de todo
orgulho, perceber-se como aprendiz da vida, e não como aquela pessoa que já tem
todas as respostas. Gosto muito da metáfora da taça cheia, da sabedoria
oriental, representando aquelas pessoas que, por já estarem tão cheias de
conhecimentos e de falsa sabedoria, não estão dispostas a receber o líquido
precioso, a água pura dos novos conhecimentos que podem ser adquiridos com as
lições que a vida nos traz.
Como saber o recado que a vida nos dá por meio da
dor? Ouvindo a voz interior da consciência. Mas não a voz que nos julga, nos
condena, nos oprime; nem a voz que nos elogia, nos enaltece ou nos faz ter
fantasias sobre nós mesmos. Essa ainda não é a voz da consciência.
Falo de uma voz que é calma, amorosa, serena. Só é
possível escutá-la quando cessamos o burburinho das justificativas, dos medos,
dos julgamentos, das ilusões, fantasias que usamos para fugir de nós mesmos,
quando aceitamos, enfim, a dor. Ou seja, quando nos rendemos a ela, para então
nos reerguermos como a pessoa que realmente somos, mais forte, mais pura, mais
real. Menos idealizada, porém mais realizada. Pois olhamos de frente para a
nossa verdade interior, sem o peso das máscaras que carregamos penosamente há
tanto tempo.

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