quinta-feira, 15 de abril de 2021

Esquerda e Direita

Artigo de: Alexandre Paredes 









A utilização dos termos esquerda e direita em política teve início após a Revolução Francesa. No parlamento, sentavam-se à direita aqueles que defendiam a manutenção dos privilégios dos aristocratas (nobres e donos de terras) e do clero (membros da Igreja Católica), enquanto à esquerda sentavam-se aqueles que defendiam os interesses da burguesia, que era a classe que sustentava os privilégios das classes favorecidas, ou seja, pagavam a conta.

Por razões óbvias, aqueles que detinham os maiores privilégios da sociedade lutavam por conservá-los, enquanto as demais classes lutavam por mudanças. O clero, como era uma classe privilegiada, evocava a ideia do direito divino ou da vontade de Deus para que as classes permanecessem como estavam.

A burguesia era uma classe recente na história da civilização. Surgiu do comércio num mundo que era, na Idade Média, governado pelos donos de terras, os aristocratas. Só posteriormente, a burguesia tornou-se sinônimo de classe privilegiada, quando o capital tornou-se o valor maior da sociedade. Mas, até a Revolução Francesa, ainda era uma classe em ascensão.

Nunca haverá paz e justiça social enquanto houver privilégios e privilegiados, que legislam para si mesmos, para a manutenção de seus benefícios injustificados. Também não é possível ter uma sociedade justa se houver ascensão social sem esforço, sem trabalho, ou quando se veem como inimigos aqueles que geram empregos e pagam salários.

Mas também é uma ilusão imaginar que, no sistema Capitalista puro e simples, sem as proteções e iniciativas do Estado, possa haver emprego digno para todos ou oportunidades minimamente semelhantes para todos. Esse sistema, por estar calcado numa competição desigual, em que uns nascem com oportunidades que lhes dão grandes vantagens sobre os demais, e outros que vivem sem acesso a uma educação de qualidade, em um ambiente social hostil e desfavorável, produz, cada vez mais, pessoas à margem da sociedade.

Isto aumenta, gradativamente, as desigualdades sociais, na medida em que os mais bem dotados de condições sociais, culturais e econômicas de nascimento tendem a ampliar sua vantagem sobre os demais membros da sociedade. E numa sociedade em que os ricos tendem a ficar mais ricos, e os pobres, cada vez mais pobres, é de se esperar que haja conflitos sociais e violência.

Outra ilusão é crer que se possa estabelecer a igualdade por meio da força, por meio de sistemas ou decretos. Primeiro, porque leis e sistemas são incapazes de mudar o interior do ser humano, suas ambições, a inveja, a cobiça, o desejo de ser mais e de se sobressair sobre as demais pessoas. Leis são impotentes para inibir ódios ou para tornar o ser humano mais amoroso ou gentil. Depois, porque os seres humanos são desiguais por natureza, desiguais no modo de encarar a vida, nas aptidões, nas competências, nos desejos e nos valores que abraçam como os mais importantes para uma vida significativa ou feliz.

A associação da esquerda ao Socialismo e ao Comunismo veio somente no Século XIX, com as ideias de Karl Marx e Friedrich Engels. Sem querer entrar no mérito das ideias desses pensadores, a que queremos ressaltar é a da “ditadura do proletariado”, que seria uma consequência natural, segundo eles, da ascensão do proletariado ao poder em virtude da evolução da luta de classes. Na época desses pensadores, o proletariado é que estaria à esquerda, enquanto a burguesia, que era a classe que detinha o poder do capital, estaria à direita.

Essa premissa da “ditadura do proletariado” é ingenuamente falsa, porque aquele que antes foi de uma classe menos favorecida, ao ascender ao poder, torna-se um detentor de privilégios, de condições materiais e de vida mais favoráveis. Desse modo, à exceção dos homens virtuosos e desprendidos do poder e de riquezas, ele logo se esquece de sua situação anterior e dos seus companheiros menos afortunados para desfrutar das benesses que o poder permite, ou seja, deixa de ser do proletariado.

É por essa razão que os homens que chegam ao poder, independentemente de ideologias, de esquerda ou de direita, partidos políticos a que estão filiados, podem ser corrompidos ou podem tornar-se indiferentes à população para cuidar dos seus interesses pessoais, situação que se agrava quando se suprime a liberdade em nome da igualdade.

Então, não importa se aquele que ascendeu ao poder é um monarca, um proletário ou um empreendedor; não importa se veio de família pobre ou de família rica; se defende ideias de esquerda ou de direita: Todo ser humano está sujeito a esquecer tudo o que foi e tudo o que defende para atuar em benefício de seus interesses próprios. “Queres conhecer uma pessoa; dá-lhe o poder”, diz o ditado.

Assim, associar a corrupção à esquerda ou à direita é uma ideia ingênua ou apaixonada, destituída de racionalidade, quando não de má-fé, porque não são as ideologias, nem partidos que são corrompidos ou que corrompem; são os seres humanos. E geralmente são corrompidos ou corrompem aqueles que se encontram no poder, independentemente da sigla a que estão afiliados.

O mesmo se pode dizer com relação à ditadura, que tem ou teve representantes tanto na esquerda quanto na direita, porque o autoritarismo é uma condição humana, de líderes com mentalidade autoritária e de liderados que buscam no líder um messias, um salvador da pátria, em vez de serem protagonistas na melhoria da sociedade em que estão inseridos.

É um erro comum associar a esquerda à ditadura. Se é certo que os pensadores do Comunismo e do Socialismo teorizaram a “ditadura do proletariado”, fica claro que essa visão política de mundo polarizada entre esquerda e direita veio anteriormente às ideias de Marx e Engels.

Então, a esquerda, em linhas gerais, apenas defende os interesses das classes menos favorecidas, o fim de privilégios injustificados das classes mais favorecidas e mudanças progressivas na sociedade, sendo o Comunismo apenas uma vertente dos pensadores de esquerda. Ou seja, o Comunismo e o Socialismo surgiram das ideias de pensadores de esquerda, mas a esquerda não se resume a esses regimes.

Muitas pessoas trazem em si uma visão maniqueísta do mundo e da sociedade: a de que o bem está de um lado e o mal de outro; a de que o bem somos nós e o mal são os outros, ou aqueles que pensam diferente de mim; a de que o bem está na direita e o mal está na esquerda ou vice-versa. O bem e o mal, a verdade e o erro, a honestidade e a hipocrisia, a virtude e o vício estão espalhados em todas as nações e visitam, de forma indiferente, todas as classes sociais, todas as ideologias, todos os sistemas, todos os seres humanos, todos os partidos, todos os políticos.

Essa visão de mundo, dividida entre esquerda e direita é, e sempre será, estreita, tacanha, por razões muito simples. Primeiro, porque essa visão de partido é partida, fragmentada, e toda forma de ver que se foca somente numa parte, deixa de considerar o todo. Depois, porque ela parte do princípio de que existe e sempre haverá uma permanente luta de classes e que, ao invés de solucioná-la, fomenta-a, polarizando a sociedade.

Trata-se de uma visão reducionista da realidade, porque reduz nossa percepção de mundo e nossa opinião sobre vários temas intrincados da nossa vida em sociedade, como liberdade, direitos humanos, casamento homoafetivo, aborto, porte de armas, desenvolvimento sócio-econômico, costumes e regras sociais, propriedade privada, entre outros, à pauta de uma infindável luta de classes, que se antagonizam perpetuamente.

É como se colocássemos toda a complexidade da vida e das questões debatidas dentro de uma perspectiva de um cabo de guerra, em que cada um de nós pudesse escolher apenas um lado, e a partir do momento em que escolhêssemos um dos lados, tivéssemos que aderir por tabela a todas as pautas defendidas pelo lado escolhido. Após essa escolha realizada, passamos a fazer força para puxar a corda para um lado ou para outro, como se nossas escolhas como sociedade, como humanidade, pudessem ser resumidas a ser a favor ou contra alguma coisa.

A partir do momento em que as pessoas escolhem o lado com o qual mais se afinizam, as ideias com as quais mais se identificam, geralmente passam a ter uma relação afetiva com aqueles políticos, partidos ou nações que o representam. Essa relação acontece, não muito raramente, de forma apaixonada, de forma semelhante ao que ocorre com uma torcida de um time de futebol.

         Nada mais irracional do que a discussão entre torcedores de times de futebol rivais, que sempre interpretam algum lance irregular do jogo sob a ótica da paixão, sob a ótica da defesa do meu time em detrimento do outro, tornando-me cego perante os méritos do outro time ou perante a justiça do árbitro.

 Como toda paixão é cega, o que se observa, frequentemente, é uma cegueira seletiva: Só enxergamos o mal, a corrupção, a incompetência, o erro, no “time” adversário, e ficamos cegos perante essas mesmas circunstâncias quando se trata do “time” que elegemos para torcermos.

 Algo semelhante ocorre no julgamento de um crime na sociedade em que vivemos. Os advogados de uma parte ou outra, na maioria das vezes, não contribuem para a vitória da verdade e da justiça, mas lutam para a vitória sobre a outra parte, usando, não raro, de artifícios escusos e de mentiras diante do tribunal.

 Essa forma apaixonada e interesseira de ver o mundo distorce a verdade, o que resulta numa guerra de discursos e de narrativas sobre os fatos. Para que possamos enxergar a verdade e julgar com discernimento, seria necessário colocarmo-nos na condição do juiz, na metáfora do julgamento no tribunal, e não do advogado de uma parte ou de outra.

 Há um grande abismo entre discursos e práticas, tanto na esquerda quanto na direita, o que gera grande confusão na mente das pessoas. No caso da direita, não é incomum, por exemplo, observar países que adotam o discurso do liberalismo econômico como melhor alternativa para a economia, porém adotam medidas protecionistas em relação aos seus próprios mercados. No caso da esquerda, não é raro, por exemplo, observarmos a luta de determinadas classes pelo fim de privilégios das classes mais favorecidas, enquanto defendem a manutenção dos próprios privilégios.

 Em nosso tempo, observarmos a direita levantar a bandeira, por exemplo, da defesa dos costumes tradicionais, do Cristianismo, da pena de morte e do porte de armas. Mas por que razões o ser humano, no decorrer de sua história pôde associar a pena de morte e o porte de armas generalizado ao Cristianismo, se Jesus pregava o perdão incondicional e sem limites, o amor até mesmo aos inimigos? se foi o próprio Cristo que, no alto da cruz, disse, em relação aos seus algozes “Pai, perdoai-os, pois eles não sabem o que fazem”? e se foi, também, Jesus, no momento em que seria preso, que disse a Simão Pedro “Põe tua espada na bainha, pois quem com ferro fere, com ferro será ferido”? Não há coerência em associar Jesus a essas bandeiras.

 Por outro lado, a esquerda tem por pilar maior a defesa da igualdade de condições entre os cidadãos. Em seus discursos, geralmente observamos a defesa dos direitos dos excluídos, das minorias oprimidas, dos trabalhadores, dos mais pobres. Porém, não raro, veem-se líderes de esquerda que se deixam levar pela corrupção ou pelo luxo, e passam a defender seus próprios interesses, enquanto mantêm sua retórica em defesa dos menos favorecidos. É, no mínimo, incoerente e hipócrita.

 O que dizer também, por exemplo, da defesa do aborto provocado e industrial, como se fosse uma ideia progressista, já que se trata de um assassinato (exceto quando em caso de risco de morte da mãe) a uma minoria oprimida e sem voz, que são os fetos nos ventres das mães? Embora a esquerda esteja alinhada a um discurso auto-intitulado de “progressista”, não há como se esperar progresso por meios como este, mas apenas a decadência de uma sociedade.

 O termo “conservador” é utilizado para designar aquelas pessoas com princípios de moralidade rígidos, geralmente baseados em dogmas religiosos ou de doutrinas, ou a pessoas que não são muito favoráveis a mudanças na sociedade e nos costumes, enquanto o termo “progressista” é geralmente utilizado para as pessoas que buscam e querem mudanças na sociedade e nos costumes. Ocorre, porém, que nem todas as mudanças são para melhor, ou seja, mudança nem sempre é sinônimo de progresso. Um assassinato, por exemplo, será sempre um crime, seja hoje ou daqui a alguns séculos, ainda que chancelado por uma sociedade inteira, e nunca será precursor do progresso.

 Não há como um assassinato ser realizado em boas condições, e isto vale tanto para a pena de morte, geralmente defendida pela direita, quanto para o aborto provocado ou o suicídio assistido, geralmente defendidos pela esquerda. Os nazistas se felicitavam por terem encontrado uma forma “asséptica” e pretensamente indolor de exterminar pessoas indesejadas, como foi o caso das câmaras de gás. Mas isto não tornou o crime menos criminoso. Pelo contrário, a frieza e a racionalidade com que se cometiam assassinatos contra judeus, ciganos, homossexuais, deficientes e outras minorias tornaram tais crimes ainda mais cruéis e hediondos, porque foram realizados por uma sociedade civilizada e avançada intelectualmente.

Vivemos numa incessante batalha de discursos, de teorias, de retóricas, em que a esquerda geralmente refugia-se num futuro utópico, enquanto a direita busca o retorno a um passado idealizado e que nunca existiu de fato. Basta um breve olhar para a história da humanidade para percebermos que a ideia de que houve um tempo em que tudo era melhor, e em que, pretensamente, havia um maior senso moral não se sustenta.

 Na batalha de narrativas em que nos encontramos mergulhados, é comum associar as ideologias que abraçamos como melhores ou mais verdadeiras aos exemplos dos países bem-sucedidos que adotam ou adotaram ao longo de sua história tais ideologias. Esquecemo-nos, porém, de que muitos dos países que usamos como modelos de sucesso conquistaram sua condição de liderança econômica, militar e/ou política a partir do espólio dos países vencidos, vitimados por injustiças e pela tirania dos países mais poderosos.

 Poderíamos, por exemplo, usar o antigo Império Romano como modelo de sucesso civilizatório, dada a forma com que se organizava sua sociedade, porém não se pode esquecer a avassaladora escravização de seres humanos da época e o massacre de vários povos denominados bárbaros, vencidos, escravizados, espoliados. O mesmo raciocínio poderia ser aplicado à realidade atual: Não existe modelo de sociedade bem-sucedida enquanto ela estiver baseada na subjugação de outros povos, ou na opressão de seu próprio povo ou de suas minorias.

 Sobre essa incessante busca da humanidade por soluções políticas para seus males, ora pendendo para a esquerda, ora para a direita, gosto de utilizar uma figura para ilustração. Imagine um edifício que está sendo tomado por um incêndio de grandes proporções. Os ocupantes do prédio dos andares superiores ao local do fogo fogem para o terraço e correm para a esquerda e para a direita, sucessivamente, sem acharem uma saída para o dilema, pois o fogo, que se aproxima cada vez mais, vem de baixo e o calor se intensifica a cada minuto. A única saída possível seria por cima, num resgate de helicóptero.

 Essa é a metáfora do que parece ser essa busca da humanidade por uma saída de suas mazelas, como a fome, a guerra, as desigualdades sociais, a violência urbana, o abandono, a destruição dos recursos naturais, o desemprego e a falta de saneamento básico. Talvez seja necessário transcender a esses conceitos tão enraizados de direita, esquerda e centro, para buscarmos soluções que estejam além de sistemas e teorias que nos têm levado aos mesmos lugares que já conhecemos.

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Ansiedade

 Poema de: Alexandre Paredes








Aflição que nos impede de viver o momento presente

A ansiedade é uma emoção que desloca a nossa mente

Para um futuro indesejado, muito esperado ou temido

Ou para um passado não superado, recusado, revivido

 

O medo na dose certa vem nos alertar dos perigos da vida

Medo de menos nos conduz à distração ou à imprudência

Medo demais nos leva à estagnação, falta de foco e paralisia

E quem não enfrenta o medo não aprende com a experiência

 

Quem vive com pressa não faz direito e está fadado a repetir

Quem perde a paciência, perde tempo, desperdiça energia

Acredita que tem controle sobre tudo e não deixa a vida fluir

Perde a oportunidade do instante e não vê que a vida se esvazia

 

O trauma é a dor que ecoa, reverbera, insiste dentro de nós

Aquele que a sente dela foge, como quem foge de um algoz

Como ferida não cicatrizada e que por dentro está infeccionada

Precisa ser tratada, não esquecida, não revivida, mas ressignificada

 

Remorso é um processo destrutivo que não nos leva para frente

Pois não há como desfazer o passado, não há como voltar atrás

Mas é possível aprender com nossos erros e agora fazer diferente

A culpa só alimenta a autopiedade daquele que nela se compraz

 

A falta de auto-aceitação distorce a percepção de como é a gente

Quem rejeita a si mesmo busca ser alguém ideal, e por isso, irreal

Perfeccionista, não admite poder errar e nunca é bom o suficiente

Sendo imperfeito, persegue a si mesmo e faz de si o seu próprio mal

 

Preocupação é ocupar o nosso tempo com aquilo que virá ou não

Na maioria das vezes, não vem ou não vem como era esperado

Então, em vez de se preocupar, ocupe-se com uma boa ocupação

Trabalho construtivo e confiança em Deus é o caminho a ser trilhado

 

Desejos e ambições insatisfeitos afligem quem não disciplina a vontade

Aquilo que o outro é ou o que tem é fonte de tormento e perturbação

Ao comparar sua vida com a do outro, vê nisso motivo de infelicidade

Precisa entender o que é mesmo necessário e despertar para a gratidão

 

Ciúme é insegurança quanto à perenidade de uma valiosa relação

O ciumento se maltrata e se inquieta com o perigo real ou imaginário

Seu tormento atormenta o ser querido e lhe enregela o coração

E dessa forma, torna-se da pessoa amada o seu pior adversário

 

Seja qual for o tipo de ansiedade, seja qual for a sua fonte ou origem

Seja o medo, preocupação, trauma, culpa, impaciência, ciúme, pressa

Sejam quais forem as dores e estertores que dentro de nós ainda vigem

A calma só vem quando a gente abre mão e para o Alto se entrega

 

Ansiedade persistente é distúrbio da mente e do sistema nervoso

Que precisa ser tratado com muita Ciência e com muita seriedade

Pois afetam o sono, a digestão, a respiração, a pressão, o corpo todo

E aquele que a sente nem sempre entende o mal-estar que lhe invade

 

Exercícios, técnicas de relaxamento e remédios sempre auxiliam

Mas o melhor remédio é, e sempre será, mudar nossa forma de ver

Nosso jeito de interpretar os fenômenos da vida que nos angustiam

Porque todo problema, dor ou aflição vêm para aperfeiçoar nosso ser

 

Cada um de nós carrega dentro de si a bondade e a sabedoria

Que precisam ser despertas pela tribulação, pela adversidade

Como uma pequena semente que se abre na terra escura e fria

E que, diante da luz do Sol, cresce na direção da sua claridade

 

Superar a ansiedade pode ser a luta de uma vida inteira

E o caminho para a vitória está no autoconhecimento

Essa porta está sempre aberta para todo aquele que queira

Descobrir seu grande potencial numa viagem para dentro


Mas qualquer que seja o ponto da caminhada em que você esteja

Respire, viva o aqui e agora, nunca de sua própria vida se ausente

Porque se o passado foi dor, aflição, e o amanhã, temor ou incerteza

O hoje é e sempre será o nosso maior presente

segunda-feira, 29 de março de 2021

Valores

 Poema de: Alexandre Paredes









O momento vale mais que a fotografia

A caminhada vale mais do que o caminho

Um abraço vale mais do que uma curtida

Mil seguidores valem menos que um amigo

 

Quem nos acompanha vale mais do que a viagem

Estar presente tem mais valor do que uma selfie

O que a gente sente vale mais do que a imagem

Pois o que fica na mente a gente nunca esquece

 

Brincar com seus filhos vale mais que mil brinquedos

Conversar com eles vale mais do que um smartphone

Ensinar valores vale mais do que eles serem os primeiros

Honestidade e gentileza valem mais do que ter um nome

 

Nenhum dinheiro vale mais que a consciência tranquila

Poder andar a pé vale mais do que ter um carro zero

Nada vale mais do que estar em paz com a própria vida

E tudo vale mais quando é feito com amor e esmero

 

Quando a dúvida bater sobre o que mais vale

Pense em tudo o que passa e tudo o que fica

Lembre do que dá vergonha e do que dá saudade

E de tudo o que faz valer a pena a vida a ser vivida

quinta-feira, 25 de março de 2021

Sistemas e Ideologias



Artigo: Alexandre Paredes
 









O justo e o injusto, o ético e o não ético, o bem e o mal não pertencem nem à direita, nem à esquerda, nem ao centro. São do ser humano. Então, encontramos pessoas boas, educadas, gentis, solidárias, éticas, tanto na direita quanto na esquerda. E o inverso também: encontramos pessoas ardilosas, violentas, truculentas, demagogas, autoritárias, mentirosas, vis, tanto na esquerda quanto na direita.

Se o problema reside no ser humano, então não existem sistemas políticos nem econômicos, nem ideologias que, por si só, possam resolver os males da humanidade. Apesar dessa constatação, é claro que alguns sistemas favorecem o que há de pior na humanidade, especialmente os sistemas totalitários, enquanto outros apresentam freios e contrapesos para que esse pior não se manifeste de forma mais danosa.

Mas não haveria tirania numa sociedade ética, ainda que o sistema político adotado favorecesse o despotismo, assim como não haveria ladrões mesmo que as portas dos cofres dos bancos permanecessem abertas. Por outro lado, mesmo os sistemas democráticos não são capazes de garantir que os interesses do povo sejam atendidos, que não haja injustiça e que não haja supressão ou ataques às liberdades, uma vez que por dentro dos sistemas vivem os seres humanos.

Os Estados Unidos, por exemplo, sempre foram um modelo de democracia e sempre estamparam a liberdade como valor máximo defendido por aquela sociedade. No entanto, no auge da Guerra Fria, a maior economia do mundo, lutando para que o Comunismo não se espalhasse pelo mundo e aumentasse o poder de influência Soviética, patrocinou ditaduras, como, por exemplo, a ditadura de direita de Augusto Pinochet, no Chile, em 1973.

O presidente Salvador Allende, Socialista, havia sido eleito democraticamente pelo povo, porém foi deposto por um golpe militar de direita, que iniciou a nefasta ditadura de Augusto Pinochet, fantoche dos Estados Unidos. Então, a simples palavra democracia não garante a existência de respeito aos direitos humanos, às liberdades, nem de justiça social.

Sistemas totalitários, tirânicos e violentos existiram tanto em ideologias de esquerda quanto de direita. O Nazismo de Hitler, na Alemanha, e o Fascismo de Mussolini, na Itália, foram ditaduras de extrema direita, enquanto o Socialismo da extinta União Soviética foi um sistema totalitário de esquerda. No Brasil, a ditadura militar de 1964 a 1985 foi de extrema direita, instituída, sob a justificativa de alguns, para evitar o Comunismo, num mundo polarizado pela Guerra Fria, mas não deixou de ser tão nefasta quanto qualquer outra ditadura no mundo.

Hitler e Stalin se odiavam, mas, praticamente, se igualavam em crueldades e crimes contra a humanidade. Assim, sistemas baseados em ideologias consideradas tão opostas nivelaram-se pelo que elas tinham em comum: o desrespeito ao ser humano, às liberdades individuais e de expressão. Aparentavam defender os interesses da nação e mascaravam-se por trás do patriotismo ou da defesa de uma causa maior, porém só camuflavam interesses escusos de seus líderes.

O Comunismo teorizado por Karl Marx e Friedrich Engels nunca existiu além da teoria, e as experiências de países com o Socialismo, que seria um degrau, uma fase para se alcançar o Comunismo, afastaram-se das ideias originais teorizadas. O Socialismo que se implantou na União Soviética distanciou-se em vários aspectos das teorias originais de Karl Marx, da mesma forma que o Socialismo da China e o da Coreia do Norte.

Ideologias são sistemas de ideias, geradas pela cabeça de seres humanos, falíveis. Então, o problema não está na ideologia, mas em querermos aceitá-las como verdades absolutas e inquestionáveis. Em tudo, é possível reter o que é bom, verdadeiro, e rejeitar o que não é. E isto se aplica a qualquer doutrina, seja, por exemplo, o liberalismo econômico, o Comunismo, o Socialismo ou qualquer outra.

A realidade sempre se nos apresenta como uma coisa inédita. Então, sistemas de ideias de pensadores de séculos atrás até podem ser boas em alguns aspectos, mas provavelmente estarão defasadas com relação à situação atual, assim como soluções aplicadas em sua vida no passado podem não mais ser aplicáveis ao presente, da mesma forma que suas soluções podem não se aplicar à vida do outro, pois cada vida é única, cada realidade é única.

Teorias, doutrinas, são como ferramentas, cada uma adequada ao seu momento. Pode ser que a marreta seja o melhor instrumento num determinado momento e, em outro, o arado. Doutrinas que defendem o Estado Mínimo, por exemplo, podem ser boas quando aplicadas a determinadas situações e momentos históricos, mas certamente não se aplicam a um momento de pandemia, em que milhões de pessoas dependem da ajuda direta do Estado para sobreviverem.

O problema é que as pessoas abraçam determinados sistemas, teorias, doutrinas, ideologias, e políticos sem pensamento crítico, com confiança cega. Casamentos terminam todos os dias, apesar das juras de amor eterno feitas no altar. Promessas de respeito e união são quebradas. Então por que colocar a mão no fogo por um líder, um partido, uma ideologia, como o fazem tantas pessoas? Só a paixão pode explicar isso. E a paixão distorce o bom senso e a razão.

Num sistema democrático, o fato de votarmos em determinado candidato ou partido não significa apoio incondicional a tudo o que ele faz ou fará; é um voto de confiança apenas. Faz parte da democracia, também, a fiscalização das ações dos representantes que indicamos para nos representarem, e não depositar neles uma fé cega a tudo o que fazem ou que dizem.

Algumas pessoas defendem que os seres humanos são produto dos sistemas em que estão inseridos. Então, bastaria encontrar um sistema perfeito para que este molde as pessoas de uma sociedade. Na verdade, sofremos grande influência do meio no qual nos encontramos, mas sempre temos a escolha de pensar e agir de forma diferente, de mudar, de transformar. Caso contrário, a humanidade estaria sempre estagnada.

Nunca existiu e nunca existirá um sistema ou uma ideologia perfeita, simplesmente porque os seres humanos são imperfeitos. E o dia em que a humanidade se tornar uma sociedade eticamente avançada, feita por seres humanos justos e sábios – e acredito que isso acontecerá um dia –, os sistemas e ideologias serão desnecessários.

O caminho para se chegar a essa sociedade só pode ser trilhado por cada um de nós, individualmente, quando nos tornarmos para o mundo aquilo o que desejamos para ele. Nada mais adequado a esse tema do que uma frase de Gandhi que diz: “Seja você a transformação que você quer para o mundo”.

segunda-feira, 8 de março de 2021

Dia Internacional da Mulher

Poema de: Alexandre Paredes 









A todas as mulheres do mundo

Que dão luz às nossas vidas

Sejam elas mães, avós ou filhas

Anônimas heroínas

O meu reconhecimento profundo

 

Não são assim tão difíceis de entender

Sejam empresárias bem-sucedidas

Costureiras, professoras ou cientistas

Sejam elas donas de casa ou artistas

Querem ser apenas o que escolheram ser

 

Mulheres são todas lutadoras, guerreiras

Que não lutam por serem iguais

Não procuram ser menos, nem ser mais

Não querem ir à frente nem estar atrás

Lutam só pelo direito de serem elas mesmas

 

A cada mulher a minha admiração

Não só pela força de gestar em seu ventre

E de conduzir para o mundo uma pequena semente

Não só pelo gesto que revela o que sente

Mas pela força que traz em seu coração


quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Carta à Natureza

Poema de: Alexandre Paredes

 


Perdão, Mãe Natureza! Perdão!

A ti pedimos perdão pela nossa insanidade

Porque a ti queimamos sem nenhuma piedade

E enquanto a Terra arde, frio está nosso coração

 

Morrem a Amazônia, o Cerrado, a Mata Atlântica e o Pantanal

E apesar de heróis-bombeiros lutarem em meio a tanto caos

Alguns se articulam para poder fazer “passar a boiada”

Já outros assistem, indiferentes, à vida ser exterminada

 

Assustados e sedentos, animais batem em retirada

E quando retornam não encontram quase nada

Daquilo que um dia, outrora, foi seu verde abrigo

Perambulam pelo antigo lar, desorientados e famintos

 

Ainda ouvimos o grito da quase extinta Mariana

Que foi sufocado pelos rejeitos de um mar de lama

De uma barragem que se rompeu e tanta dor nos trouxe

E assim destruiu um rio que um dia já foi Doce

 

Mas esse desastre ambiental não foi suficiente

Foi preciso perder mais vidas humanas, mais gente

Agora o lamento dos peixes e pescadores não está sozinho

Pois, com eles, choram também as famílias de Brumadinho

 

Mãe Natureza, você é assim destruída em nome de que?

São tantos discursos, mas qual a versão verdadeira?

Será que é preciso sofrer mais para podermos aprender?

Não dá mais para continuar a tapar o Sol com a peneira

 

Quem acredita nessa estória quase infantil

De que tamanha queimada como nunca antes se viu

Começa com o índio e o caboclo que põem fogo na roça?

O homem sensato e informado dessa piada faz troça

 

Alguns discursos são apenas cortinas de fumaça

Para desviar da multidão o foco de sua atenção

De modo que não veja o perigo que a todos ameaça

O do empobrecimento do solo e sua desertificação

 

O perigo do fim das nossas bacias hidrográficas

Que levam água ao homem do campo e da cidade

Sustentam a agricultura, a pecuária e a biodiversidade

Mas não se recuperam perante mudanças tão drásticas

 

O público incauto acredita na mentira e na oratória

Que não conseguem ocultar a atividade predatória

Pois se ouvirmos bem os discursos, passarmos a limpo

A intenção é transformar algumas reservas em garimpo

 

Sob o pretexto de desenvolver a economia

A verdade é que apenas um pequeno grupo se beneficia

Da transformação das nossas florestas também em pasto

E esse benefício será somente o de um lucro imediato

 

Pois a médio e longo prazo, nunca é bom negócio

Reduzir a nossa terra somente ao agronegócio

Reduzir nossa visão a um estreito projeto de poder

De quem se apóia num grupo para poder se reeleger

 

Nossos governantes fazem hoje vista grossa

E pelos bastidores, sabotam a fiscalização

Em nome de um falso progresso, promovem a destruição

Enquanto grande parte da população apenas endossa

 

Muitos são assim coautores, cúmplices de um crime

Omitem-se perante a devastação que oprime

O direito das gerações futuras, que terão por herança

Um mundo com menos vida e uma vida com menos esperança

 

Mas sei – oh, Natureza! – que você cobrará o seu preço

Não importa nossa preferência política ou ideologia

Tudo o que semeamos no mundo colheremos um dia

E se hoje desprezo a vida, é porque então não a mereço

terça-feira, 15 de setembro de 2020

Discursos de Ódio

Artigo de: Alexandre Paredes









Discursos de ódio começam de forma imperceptível, por meio de uma piada, uma ironia, uma palavra ou expressão originada do preconceito, um apelido que visa a ressaltar alguma característica do outro que nos incomoda.

Mas por que determinadas características do outro nos incomodam a ponto de gerar em nós a necessidade de uma expressão que agride? Geralmente, a piada em forma de agressão verbal ou o termo pejorativo dirigido a alguém nasce do desejo, mesmo que inconsciente, de diminuir o outro, por esta ou aquela característica que o deprecie, pela simples razão de que, se eu não consigo me valorizar pelas qualidades que possuo, preciso diminuir o outro para me sobressair.

Ocorre, também, quando nos sentimos ameaçados em nossa posição no mundo, em nossa visão de mundo, ameaçados pelo diferente, ou porque temos o desejo oculto de possuir algo daquele que é o objeto de nossa agressão.

Chamar o outro de “burguesinha” ou “burguês”, “patricinha” ou “mauricinho”, por exemplo, é uma forma agressiva de adjetivar o outro. Pode ser que se esteja querendo chamar a outra pessoa de frívola ou que ela seja uma pessoa que só está acostumada a uma vida fácil, sem esforço, e isto significa que, se eu denomino o outro dessa forma, é porque não tenho essa falha de caráter, ou, pelo menos, acredito que não. Alguns estudiosos da Psicologia dirão que o que eu critico no outro é aquilo que há em mim de forma reprimida. É o que eu, intimamente, gostaria de ser, mas não posso ser, ou não me foi permitido ser, ou que eu não me permito ser.

Esse exemplo de crítica revela que pode haver um ressentimento pelo que o outro tem e eu não tenho, um ranço pela riqueza que o outro tem ou conquistou e que, ocultamente, eu desejaria ter também. Bastaria ao anti-burguês sair da sua condição menos favorável para uma situação mais privilegiada para vermos seu discurso anterior desaparecer.

Por outro lado, historicamente, o burguês foi uma classe que incomodou os aristocratas, os nobres, donos de terras, que, durante séculos, foram os donos do poder e dos privilégios da sociedade. De repente, o mundo estava mudando, e o valor não estava mais totalmente centralizado na posse de terras, mas, também, na riqueza adquirida pelo comércio. Surgia, então, a classe burguesa, que se enriquecia à base do acúmulo de capital e ameaçava o status quo então vigente.

Se a classe burguesa incomodava o nobre, o mesmo se dava com relação ao clero, que se beneficiada da riqueza que vinha dos senhores de terras, coroava reis, centralizava toda a produção cultural, artística, intelectual durante a Idade Média. No Renascentismo, os burgueses também passam a financiar as produções artísticas e intelectuais, tornando-se uma concorrência ao poder e prestígio da Igreja.

Mas, sobretudo, o clero e os nobres se beneficiavam de uma visão de mundo então vigente na época, uma visão estanque, que dizia que Deus criou tudo assim como é desde o princípio, e era essa a vontade de Deus: que o escravo nasceu para ser escravo e deveria permanecer escravo, que criou o nobre para ser nobre, e os reis tinham essa condição previamente destinada por Deus.

Como se pode perceber, mudar essa estrutura do mundo era uma ameaça a uma visão de mundo que beneficiava determinados grupos de pessoas, de poucas pessoas, mas poderosas. Por isso, a Igreja, enquanto enriquecia, condenava o enriquecimento, por considerar ser ele decorrente do pecado da usura, porque, no fundo, não lhe era conveniente a mudança na estratificação social, nem uma mudança na visão de mundo.

A condenação da usura até podia ser legítima do ponto de vista moral, mas era só um subterfúgio, um pretexto, que escondia as verdadeiras razões dessa condenação: a ameaça ao poder da Igreja, pois, de acordo com a visão criacionista do mundo, tudo foi criado desde o princípio como é, porque sempre foi assim e sempre será assim, porque essa era a vontade de Deus.

Assim, uma simples crítica ao modo de vida burguês traz consigo toda uma história de discursos de ódio, que vão sendo reproduzidos por gerações, sem que nos apercebamos que apenas estamos reproduzindo discursos, ou que simplesmente temos inveja da situação social de outra pessoa, que nos incomoda porque, no fundo, gostaríamos de gozar da mesma situação.

O termo “vilão”, usado atualmente para designar aquele personagem vil, maldoso de qualquer estória de ficção, significa apenas “aquele que morava numa vila”. Na época dos senhores feudais, os vilões eram aqueles que tinham um menor grau de servidão perante o feudo e se aproximavam dos nobres, obtendo deles alguns privilégios. Por isso, deveriam ser invejados pelos demais servos, que viviam em estado de semi-escravidão.

É possível, também, que essa designação pejorativa para o vilão tenha se intensificado com o passar dos séculos, na medida em que as classes mais privilegiadas de outros tempos, os burgueses e os proprietários de terras, se sentissem ameaçados pelos vilões, ou moradores das vilas, ou a “plebe rude”, classe que, provavelmente, era assim chamada para que aqueles que usavam essa expressão pudessem destacar em si a nobreza de sua classe social, seu sangue azul ou sua riqueza que os diferenciava dos demais. Ou seja, aquela velha necessidade de diminuir o outro para que eu possa brilhar.

No mundo moderno, encontramos várias expressões que denotam esse ódio oculto, que transborda em forma de brincadeiras inocentes. A expressão “loira burra” é uma delas. Deve ter nascido do ressentimento daquelas que se sentiam ofendidas pela beleza de uma bela mulher loira, mas também oprimidas por uma visão de beleza eurocentrista, isto é, calcada na dominação cultural europeia, que humilhava aquelas que não se enquadrassem nesse padrão. Então, para ofuscar aquela que acredito ser mais bela ou para me vingar da dominação cultural do modelo de beleza imposto pela cultura dominante, foi preciso achar um defeito que a tornasse motivo de depreciação, para consolar e compensar a falta de beleza que eu acredito possuir. “Pelo menos, sou inteligente”, diriam.

Essa expressão pode ter nascido também do desejo oculto daqueles homens que gostariam de enamorar mulheres com esse perfil, mas acreditavam não estar à altura de tais desejos. Então, coloca-se um defeito no objeto de desejo. Assim como, na fábula da raposa e as uvas, a raposa desdenha do objeto de seu desejo, as uvas, quando não consegue alcançá-las: “estavam verdes”, diz a raposa.

Uma forma de ódio camuflado é ensinada às crianças desde pequenas quando se deparam com um menino efeminado. Mas em que aspecto uma pessoa com orientação sexual diferente da minha poderia ser tão ameaçador a ponto de criarmos tantas piadas que depreciam homossexuais e tantos nomes pejorativos para os diminuírem? É porque a simples existência do homossexual ameaça uma visão de mundo, de muitas pessoas, que diz que tudo o que está escrito na Bíblia (ou em qualquer outro livro sagrado, a depender da cultura de um povo) é a palavra de Deus.

Ora, se está escrito em algum lugar do Velho ou Novo Testamento qualquer trecho de algum personagem condenando práticas homossexuais, isto é para algumas pessoas o mesmo que Deus condenar a homossexualidade, apesar de a Bíblia ter sido escrita por seres humanos, falíveis, imersos numa determinada cultura, de uma determinada época. Nada mais triste do que o ódio praticado contra homossexuais, que são levados a acreditar que sequer podem buscar a misericórdia divina, já que Deus os condenaria, segundo os interpretadores da Bíblia.

Admitir que a homossexualidade é um fenômeno natural entre os seres humanos, que não é uma doença nem um desvio moral, seria admitir que há coisas escritas na Bíblia que não correspondem à palavra de Deus, que foram escritas por pessoas que manifestaram seu pensamento, adequado a um momento histórico, a um contexto, e que nem sempre o que lá está escrito, e da forma como foi interpretado, é a expressão absoluta da verdade.

Para os que condenam os homossexuais, o mote é a defesa dos chamados “valores tradicionais“ e o que seria uma “família cristã”. Ocorre que não existe uma definição do que seriam os chamados valores tradicionais ou o que seria uma família cristã, senão aquelas definições estabelecidas por homens falíveis, interpretadores de textos sagrados, que se transformaram em dogmas pelas igrejas constituídas.

Ocorre, também, que, ao atacar um ser humano, por meio da agressão verbal ou física, ou por meio do desprezo ou a indiferença, o pretenso cristão fere a lei áurea do próprio Cristianismo, que é “não fazer ao outro o que não gostaria que lhe fosse feito” e o “amar ao próximo com a si mesmo”.  Além disso, o próprio Cristo, cujas palavras parecem ser, muitas vezes, voluntariamente ignoradas, afirma que “todo aquele que faz a vontade do meu Pai é minha mãe e são meus irmãos”, ou seja, o conceito de família apresentado por Jesus se alarga além dos horizontes acanhados do que seria uma família tradicional, na medida em que ele valoriza mais os laços de afeição e afinidade recíprocas do que os laços consanguíneos.

Dentro dessa perspectiva da lei áurea do Cristianismo, que é compartilhada pelas principais religiões do mundo, uma família não tradicional, feita por casais homoafetivos, pode ter muito mais amor e valores dentro do lar do que uma família tradicional, de pai, mãe e filhos, que se diga cristã e tradicional. E, na prática, o que as pessoas fazem entre quatro paredes não pode ameaçar o que ocorre dentro de outras milhares de quatro paredes. A homossexualidade não é uma doença e muito menos uma tendência contagiosa que possa ser transmitida a quem não tenha essa condição.

Então, não há razões lógicas para que pessoas heterossexuais se sintam ameaçadas, e aqueles que têm orientação sexual diferente destes não deveriam se sentir diminuídos, indignos, menos humanos ou errados apenas por serem diferentes, apenas por serem uma minoria. Nossa história está repleta de exemplos de minorias que foram perseguidas pela ignorância e o medo daqueles que faziam parte das maiorias. Foi assim com os canhotos, que, durante séculos, foram estigmatizados, demonizados e obrigados a escreverem com a mão direita. O mesmo se deu com relação aos albinos, que foram, e ainda são em algumas partes do mundo, perseguidos, estigmatizados, apenas por terem características genéticas recessivas.

No fundo, os discursos de ódio de pessoas homofóbicas, como tantos outros, nascem, além da ignorância e do medo, da não percepção de que suas convicções são apenas suas convicções; de que seus valores elegidos podem não ser os mesmos na escala de valores do outro; de que seu sistema de crenças pode não ser compartilhado por uma multidão de outras pessoas. Nasce da não aceitação do diferente de si mesmo, e da imensa identificação com as próprias ideias, como se fossem a verdade absoluta.

Quando Copérnico e Galileu afirmaram que não era a Terra o centro do Universo e que os planetas, inclusive o nosso, é que giram em torno do Sol, por que essa verdade foi tão combatida e causou tanto ódio a ponto de levar Galileu à prisão domiciliar pela Santa Inquisição? Pelo simples motivo de que essa verdade vinha fazer cair por terra a ideia pregada pela Igreja, de que suas verdades eram prescritas por Deus e, por isso mesmo, eram infalíveis. A partir do momento em que a Igreja e seus interpretadores de textos sagrados admitissem sua falibilidade, todo o edifício dos dogmas ficaria comprometido.

Talvez seja por esse motivo que vemos, em nossos dias, com todo o conhecimento científico já conquistado pela nossa sociedade, pessoas defendendo a teoria de que a Terra seja plana, e não esférica como já comprovado pela Ciência, pelos navegadores e pelas imagens de satélites. Quando minha visão de mundo fica comprometida pelas evidências, uma estratégia da minha mente para não ceder à total desestruturação do meu sistema crenças é a negação e o combate àqueles que se opõem ao meu paradigma, criando sistemas e malabarismos teóricos para poder manter de pé todo o edifício de minhas crenças.

Pois rever todo um sistema de crenças é um trabalho árduo, doloroso e, muitas vezes, humilhante, embora libertador. Então é mais fácil eu combater todos aqueles que se opõe a esse meu sistema e buscar ao meu redor pessoas que compartilhem e reforcem essa mesma visão de mundo, ainda que irracional, ainda que insustentável diante das evidências.

Na nossa era da informação, as redes sociais e mídias digitais tornaram mais fácil esse caminho. Todos falam, todos opinam, mas geralmente escutam somente aqueles que compartilham das mesmas ideias; dificilmente escutam aqueles que se posicionam de forma diferente. Quando escutam, ou quando leem os posts até o fim, é somente com o objetivo de buscar argumentos que se opõe aos argumentos daquele que acreditam ser o adversário, e também para obterem o aplauso da plateia por meio de likes.

Nesse ponto, fica claro que, mais do que defender pontos de vista, há uma necessidade do ser humano de defender o seu ego, ganhar curtidas, aplausos, visualizações, de ganhar notoriedade perante o mundo, e é justamente essa supervalorização do seu ego que alimenta o ódio; que torna mais difícil perceber o outro, o diferente de si; que alimenta, enfim, uma multidão de desentendimentos, porque não é a vitória da verdade que se procura, mas a vitória sobre o outro.

É por conta dessa dificuldade em rever sistemas de crenças, passados de geração a geração, que, ainda hoje, existem movimentos sociais para que as escolas ensinem a visão Criacionista da Bíblia (de que Deus tudo criou em seis dias e de que toda a humanidade teria surgido de Adão e Eva) em contraposição à Teoria da Evolução das Espécies, de Darwin, amplamente aceita pela comunidade científica, como se ambas estivessem no mesmo patamar de teorias científicas, o que não é o caso.

Há quem ainda defenda a interpretação ao pé da letra da Bíblia, mesmo que vá totalmente de encontro às evidências. Quando, por exemplo, a Ciência revela fósseis de animais que viveram há mais de duzentos milhões de anos em nosso planeta, a ideia de que a origem de tudo na Terra tenha ocorrido há apenas alguns milhares de anos, como era pregado pela Igreja há alguns séculos, cai por terra.

O Darwinismo foi uma grande mudança de paradigma e um duro golpe ao sistema de crenças daqueles que interpretavam a Bíblia de modo literal e daqueles que acreditavam na infalibilidade dos dogmas das suas igrejas. Isto gerou uma necessidade de revisão da forma de interpretar a Bíblia. Para muitos, gerou a descrença, apesar de não haver nenhuma contradição entre o fato de Deus ter criado tudo e a evolução das espécies. Nada mais lógico do que Deus ter criado tudo para evoluir e progredir sempre, em vez de tudo pronto e acabado. Para outros, o evolucionismo deveria ser combatido até o fim, gerando a base de muitos fundamentalismos religiosos e discursos de ódio que vemos em nosso tempo.

A visão de que Deus tudo criou de forma estanque e com uma finalidade inicial imutável se contrapõe frontalmente à ideia de mudanças constantes, de evolução, de progresso. Na visão da Igreja, toda a Criação de Deus observava uma hierarquia que não mudava: os anjos teriam sido criados anjos e para sempre serem anjos; os homens teriam sido criados com um papel previamente definido na Criação e com status privilegiado em relação aos seres dos demais reinos da natureza; enquanto os animais teriam sido criados para servir aos homens. Ou seja, nessa concepção de Criação, Deus não seria justo, pois teria criado seres privilegiados – os anjos – e seres eternamente condenados à inferioridade – os animais. A ideia de evolução, ao contrário, permite que os seres estejam sempre se aperfeiçoando e subindo degraus na escala da evolução.

Essa mesma hierarquia se refletia na vida social, na forma de castas ou estamentos: o rei, no alto da pirâmide, era, assim como Deus, a representação do poder absoluto; os nobres, assim como os anjos, foram criados para serem nobres e era da vontade de Deus que assim o fosse; os escravos haviam sido criados para servir aos homens; e o clero, que também era uma classe privilegiada, já tinha seu papel definido por Deus. Ora, a partir do momento em que se admite que tudo evolui, que os homens evoluíram dos primatas, isto implica que a ordem social também pode e deve evoluir, que os escravos e os operários não nasceram com essa condição devido à um desígnio prévio da divindade, nem que os donos de terras são nobres por um decreto divino.

Até hoje sentimos os efeitos dessa mudança de paradigma, daqueles que ainda se apegam à ideia de que tudo e todas as criaturas já têm um papel previamente definido pela Criação e se contrapõe às ideias chamadas progressistas. Esse apego à ideia de que tudo foi criado para ser como é ou como era tem também outro motivo: o de que a minha posição no mundo, minha zona de conforto, passa a ser ameaçada.

Um exemplo disso é o machismo. A ideia de que Deus criou Adão do barro e Eva a partir da costela de Adão parece ser bem conveniente ao machista. Esse mito da criação de Eva deve ter ignorado propositalmente que é a mulher quem carrega um ser em seu ventre durante nove meses e dá à luz um novo ser. Para o machista, a mulher foi feita para servir ao homem, sendo inferior a este. Isto lhe é conveniente para que ele possa continuar a agir como um déspota, não tenha sua superioridade questionada e continue a usar a mulher como um objeto para o atendimento de suas necessidades.

Quando as mulheres passam a ter voz na sociedade e empoderam-se, e não mais se submetem aos caprichos do homem, ele se sente ameaçado e inseguro, e quer voltar aos tempos em que tudo estava sob o seu domínio. Daí vem os discursos de retorno à família tradicional e de combate ferrenho a outros paradigmas de família que não se enquadrem no seu conceito de família, no qual tem o homem o papel de superioridade, enquanto a mulher, de submissão e subalternidade. Surgem os discursos de retorno ao passado, de que antigamente havia maior senso de moral, o que é uma tese que não se sustenta; basta olhar para o passado e ver o Holocausto, a bomba atômica, o genocídio de povos indígenas e a crucificação romana.

Na verdade, o machismo deve ser uma postura com raízes em nossos ancestrais primatas, quando a sociedade, ainda animalizada, era dominada pela força bruta. O mito da criação de Eva veio, provavelmente, somente para chancelar um costume já existente na sociedade e sempre tido como normal. Mas há interpretações sobre o mito de Eva que seriam mais favoráveis à exaltação do papel da mulher, pois se ela nasceu da costela de Adão, compartilha com ele o mesmo status de humanidade, o que já era um avanço para a mentalidade vigente à época das sociedades primitivas, quando prevalecia a lei do mais forte.

O ódio das classes menos favorecidas é o mais compreensível, mas também não é legítimo, se é que exista algum ódio legítimo. Aquele que vive em condição de maior dificuldade, que foi oprimido sua vida inteira, pela sociedade, pelo sistema, pela polícia, pela justiça, pelas leis injustas, acaba deixando-se levar pelo ódio aos privilegiados, aos governantes, aos agentes do Estado, de forma indiscriminada. Acaba por odiar, inclusive, aqueles que, embora tenham nascido em condições melhores, com mais oportunidades, foram trabalhadores, justos, criaram empregos e podem ter feito bem a um sem-número de pessoas.

Mas o ódio não vê isso, porque ele é cego. Seu alvo é o outro, o diferente, aquele que faz parte do outro lado do sistema e, numa visão simplista, se não é oprimido, é opressor. Pois o ódio é como o fogo: um incêndio pode ser iniciado tendo por foco algo ou alguém, mas acaba se alastrando e afetando a todos e, na maioria das vezes, afetando pessoas inocentes, que não têm nenhuma relação com o objeto do ódio. No fim das contas, o ódio, assim como o fogo, acaba queimando, em algum momento, quem ateou o fogo primeiro.

Essa cegueira do ódio é bem exemplificada em algumas situações de nosso cotidiano. Não é raro vermos uma pessoa ser linchada porque a população revolta-se contra um crime e, logo em seguida, descobre-se que a pessoa linchada não era o criminoso. Mas, ainda que fosse linchada a pessoa certa, essa prática é totalmente bárbara e pré-histórica, não tendo nenhum respaldo no verdadeiro senso de justiça. A justiça autoriza a punição, a reparação de um dano, de forma proporcional ao crime cometido, mas não a satisfação do nosso ódio.

Em protestos contra determinadas injustiças, os revoltosos cometem injustiças tão infelizes quanto as primeiras: saqueiam lojas, queimam prédios, depredam o patrimônio público. Nesse momento, os revoltosos igualam-se ou colocam-se em condição inferior àqueles que são o objeto do seu ódio.

No Oriente Médio, crianças palestinas já nascem aprendendo a odiar judeus e crianças judias aprendem desde cedo a odiar palestinos. Não importa para quem odeia se aquele que está do outro lado do muro está trabalhando, por exemplo, para impedir que o conflito se perpetue, que seja um pai de família honrado, que luta pela paz, pela justiça social. Se o objeto do ódio é o palestino ou o judeu, não se faz nenhuma distinção, pois o ódio rotula o outro antes de ele ser conhecido pelo que é, e iguala ou nivela todos que estão sob esse mesmo rótulo.

Após os atentados de 11 de setembro de 2001, muitos cidadãos islâmicos que viviam nos Estados Unidos foram vítimas de violência verbal ou física, como se eles tivessem alguma relação com os terroristas que realizaram os atentados. Para efeito de comparação, seria algo como os judeus odiarem todos os cristãos do mundo em razão dos milhões de mortos no Holocausto, perpetrado pelos nazistas alemães, já que eles eram, em tese, cristãos.

Odiar o outro pelo seu rótulo é irracional e seria uma grande bobagem se não fosse algo tão sério, tão danoso. Para o que odeia, o rótulo vem antes da pessoa, do que ela é, de como ela é de fato, seu caráter, suas virtudes e suas ações. Então o ódio rotula o outro por vários nomes, dando mais importância à embalagem do que ao conteúdo, tenha essa embalagem o nome que for: nordestino, negro, branco, ateu, muçulmano, cristão, católico, evangélico, judeu, gay, feminista, conservador, liberal, progressista.

Não importa como é essa pessoa, quais são as suas ideias; ela já é odiada pelo rótulo com que foi designada e é, pretensamente, conhecida antes mesmo de se manifestar no mundo, como se cada um de nós fizesse parte de um pacote completo, um combo de ideias e comportamentos. É como se a partir da minha cor de pele, meu país de nascimento, minha classe social, orientação sexual, preferência política ou ideológica, eu fosse igualado a quaisquer outras pessoas que partilham da mesma embalagem.

De maneira geral, fazemos com o outro algo semelhante ao que os nazistas fizeram com os judeus, só que de maneira virtual. Os judeus foram obrigados a sair às ruas com uma marca que os designassem, que era o símbolo da estrela de Davi no braço, de modo que os demais pudessem saber previamente que aquele ser humano se tratava de um judeu. Depois esses judeus foram colocados em guetos, depois em campos de extermínio e câmaras de gás.

O que nós fazemos é designar as outras pessoas por um determinado rótulo, que nos permite a sua identificação prévia. Com essa identificação, nós já as avaliamos e já as julgamos, e as colocamos num gueto virtual. A partir desse momento, não ouvimos o que essa pessoa tem a nos dizer, pois ela é alguém que representa ideias que devem ser combatidas ou exterminadas. E, em vez de combatermos ideias ruins com ideias melhores, com argumentos racionais, combatemos com o ódio à pessoa, denegrindo sua imagem, sua biografia.

O fato é que existem pessoas com comportamento ético e não ético entre liberais e conservadores, entre pessoas de preferências políticas de direita e de esquerda; há pessoas de bem, sábias e virtuosas entre religiosos e ateus, assim como há hipócritas e criminosos em ambos; há pessoas educadas e gentis em quaisquer nações ou etnias, e o contrário também, pessoas grosseiras, mal-educadas e vis em qualquer parte do mundo e qualquer cor de pele. Porque não é a embalagem que faz o conteúdo.

Em tempos de redes sociais, o ódio ganhou contornos sofisticados. Agora, não é mais a simples fofoca, a calúnia ou a mentira, mas uma rede de fake news, articulada, organizada, sistematizada para conduzir cardumes de pessoas a determinadas ideias e direções. Essa sistematização de notícias falsas atende a interesses de determinados grupos, que odeiam e manipulam o ódio, ou apenas se beneficiam dele. Em nosso tempo, o ódio se manifesta na forma de uma guerra de informação, contra-informação e desinformação, não para engrandecimento de um debate, mas para a anulação dos adversários, de suas ideias, para que prevaleçam as minhas, para que prevaleça minha visão de mundo e meus interesses, quase sempre disfarçados de interesse público.

Não é possível falarmos de discursos de ódio sem falarmos de ódio. Quando pensamos nele, imaginamos, na maioria das vezes, aquele inimigo visceral, o criminoso que ceifou a vida de um ente querido, aquelas pessoas que disputam terras e matam umas às outras, aqueles familiares que sempre se digladiaram por disputas de egos, de dinheiro, bens ou de atenção. Esse é o ódio que conhecemos e que, para muitos de nós, parece-nos distante, parece pertencer ao outro, pois odiar não é uma virtude nem algo muito bonito; não é um sentimento que gostaríamos de admitir.

Mas, se nem sempre temos facilidade de admitir que nutrimos esses grandes ódios, chamo a atenção para esses pequenos ódios, que nascem como uma faísca, uma fagulha, um palito de fósforo. E nenhum de nós está totalmente isento de ser essa fagulha ou de ser a palha que, de algum modo, propaga esse pequeno fogo e que acaba se alastrando e tomando proporções de incêndio.

Quando olhamos para o mundo que nos cerca, quantas vezes podemos dizer que não nos enquadramos e não embarcamos em determinados discursos de ódio, em piadas de mau gosto, em comentários sem reflexão sobre outras pessoas, em análises superficiais sobre nações, povos, políticos, grupos, religiosos e religiões? Quantas vezes não somos nós mesmos quem acendemos o fósforo ou a fagulha do ódio e contribuímos para o aumento da fogueira que existe no mundo?

De repente, o ódio bate à nossa porta, na forma de violência, mentira, maldade, calúnia ou desequilíbrios da parte de outras pessoas, e acreditamos que somos tão somente vítimas, mas cabe sempre perscrutar a nossa própria consciência para investigar até que ponto não somos coautores da permanente guerra em que nosso mundo está mergulhado.


quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Crenças Limitantes

Texto de: Alexandre Paredes

 

"Homem não chora", "Não relaxa", "Homens não prestam", "Não tenho tempo", "A felicidade não foi feita pra mim"; "A humanidade não tem jeito", " O bem é coisa rara", " No meu tempo era melhor", "O amor verdadeiro não existe".


Já pensou no poder das palavras? Elas refletem nossas crenças, muitas delas limitantes. Por que limitantes? Porque se eu acredito que não devo relaxar, eu não relaxo mesmo, nunca. Porque se eu creio que homens não choram, engulo minhas emoções e elas literalmente me engasgam ou me causam gastrite, ou se manifestam no meu corpo de algum modo. E, no fim das contas, não consigo chorar.


Se eu creio que a humanidade não tem jeito, não terá mesmo, até porque a humanidade começa por mim, e seu creio que a humanidade não tem jeito, então eu também não tenho jeito. E se eu acredito que não tenho jeito ou que ninguém tem jeito, não me esforço por me tornar uma pessoa melhor, nem me engajo para mudar a realidade ao meu redor.


Felizmente crenças podem ser mudadas, mas é necessário que identifiquemos as nossas crenças limitantes e nos perguntemos: "Será que essa minha crença é verdade mesmo? Ou é só uma crença fruto das minhas experiências mal-sucedidas ou daquilo que me ensinaram?"


Nossos traumas ou vivências negativas costumam retroalimentar nossas crenças negativas. Se uma pessoa não crê que possa ser feliz, ela sequer buscará os meios para encontrar a felicidade que procura. Como resultado, encontrará, cada vez mais, situações que a infelicitem, que, por sua vez, reforçarão a crença de que "A felicidade não foi feita para mim".


Como sair desse círculo vicioso? Primeiro, é necessário identificar, tomar consciência daquelas sentenças que proferimos que punem a nós mesmos, que nos limitam ou nos impedem de sermos o que somos, para que possamos mudá-las em nós.


Não se trata de sair por aí apenas repetindo frases positivas, como se fossem fórmulas mágicas que não precisassem ser sentidas ou interiorizadas. Mas se trata de um esforço de pensar e sentir a vida sob outro prisma, ou de um ponto de vista mais elevado, de ver a vida, as pessoas e a nós mesmos como se fôssemos um observador no alto de um monte, e perceber que, se abaixo de nós há tantas misérias, sofrimentos e dificuldades, acima de nós está o infinito.


Trata-se de compreendermos que os resultados negativos ou positivos que obtemos são decorrentes do que pensamos, cremos e sentimos; são resultado da nossa reclamação constante ou do nosso senso de gratidão perante a vida. São resultado do que emitimos, vibramos a cada momento.


Não se trata de colocar uma máscara da positividade, mas de retirar a máscara da negatividade que temos vestido e investido durante tanto tempo, e descobrir quem realmente somos e toda a luz que possuímos, para que possamos dizer a nós mesmos a cada dia que amanhece ou que passa: "Brilhe a vossa luz".